Gestão de precedentes completa 10 anos de transformações silenciosas no Brasil

Na teoria, o caminho para a criação de um precedente à brasileira é simples: identifica-se que determinado tema está gerando muitos recursos e informa-se à corte superior competente, que afeta alguns deles como paradigma para julgamento e definição de uma tese jurídica. Ela vai orientar as instâncias ordinárias e pautar a conduta da sociedade. Não vai mais fazer sentido recorrer para contestar uma posição solidificada. Haverá a pacificação social — ao menos quanto a esse tema.

STJ sede prédio
STJ começou gestão de precedentes para agilizar julgamento de repetitivos – Divulgação/STJ
 
 

 

O problema é que apenas julgar processos e fixar teses não adianta. É preciso definir quais casos serão julgados, quando, como e por quem. É necessário organizá-los, cuidar dos sobrestamentos — as suspensões feitas para todos os demais casos, enquanto aguarda-se uma solução — e dar a devida publicidade, para que todos saibam o que foi decidido. Por fim, é imperioso garantir que estão sendo cumpridos. Em suma, é preciso gerir os precedentes.

Essa percepção surgiu no Brasil há dez anos, quando o ministro Paulo de Tarso Sanseverino pediu ao então presidente do Superior Tribunal de Justiça, Francisco Falcão, a criação de uma comissão temporária com o objetivo de fazer um trabalho de inteligência junto aos outros tribunais. O objetivo era estimular a afetação de recursos especiais como representativos das principais controvérsias.

O pedido foi atendido por meio da Portaria 489/2014. A comissão temporária acabou se tornando definitiva e, hoje, é a mais longeva do STJ. Ela deu início a uma década de transformações silenciosas de dentro do Judiciário para fora, no sistema de Justiça, em uma experiência que foi replicada por todo o país. À exceção daqueles da Justiça Eleitoral, todos os demais tribunais têm comissões responsáveis pela gestão de precedentes.

Há dez anos, no entanto, o objetivo era muito mais modesto.

 
Ministro Paulo de Tarso Sanseverino foi o responsável pela criação da comissão gestora – Sergio Amaral/STJ

 

Melhor assim

A primeira e principal função desse órgão interno foi informar sobre a importância de fixar teses. Em 2014, o STJ trabalhava com recursos repetitivos há seis anos — eles foram criados pela Lei 11.672/2008, que deu ao tribunal a possibilidade de vincular posição. Até então, só o Supremo Tribunal Federal podia fazer isso, por meio da repercussão geral. O Tribunal Superior do Trabalho poderia ter suas decisões vinculantes desde 2001, quando o julgamento sob o critério da transcendência foi inserido na Consolidação das Leis do Trabalho, mas sua regulamentação só veio com a reforma trabalhista de 2017.

O STJ não era eficiente na forma como tratava esse poder. O tribunal até afetava muitos temas — em 2009, foram 332. Mas penava com prazos e, principalmente, com fluxo de julgamento. A prática era escolher um recurso para separar em diversos temas de repetitivo. Se esse processo se mostrasse inviável, seja por questões de admissibilidade ou de mérito, todos os temas seguiriam “pendurados” aguardando a chegada de novos recursos mais propícios.

O caminho até os repetitivos não era centralizado e sua afetação não gerava prevenção — mesmo na espera da definição de uma tese, os demais ministros continuavam recebendo recursos sobre o mesmo tema, pela distribuição livre. Isso acontecia até com os casos escolhidos pelos tribunais de segundo grau para definição do precedente qualificado: definia-se cinco ou seis representativos da controvérsia, que subiam ao STJ e eram pulverizados em diversos gabinetes, à sorte de o relator identificar que poderiam ou não gerar um repetitivo.

O ministro Sanseverino então organizou a comissão temporária com mais dois colegas, sendo um de cada seção do STJ: ele pela seção de Direito Privado (2ª Seção), Assusete Magalhães pela de Direito Público (1ª Seção) e Rogerio Schietti pela de Direito Criminal (3ª Seção). Isso abriu caminho para uma interlocução dentro do tribunal, uma conscientização dos gabinetes sobre a importância de investir tempo e esforço na construção dos precedentes qualificados. O cenário identificado foi demandando novas ações.

Surgiu a página de repetitivos do STJ, como repositório com tudo que foi decidido. O tribunal fez um saneamento dos recursos e identificou que 85 temas de repetitivo estavam sem processos vinculados, parados e gerando sobrestamento nos tribunais de segunda instância. Todos foram cancelados. Em 2015, identificou-se que o STJ tinha 7 mil recursos sobrestados, sem qualquer organização. Descobriu-se que 800 estavam indevidamente parados. Presidente à época, a ministra Laurita Vaz determinou um mutirão para dar cabo desses casos, que foram resolvidos em dois meses.

Tudo isso evoluiu para uma alteração regimental proposta em 2016, fixando um fluxo para o julgamento dos repetitivos: os representativos da controvérsia seriam centralizados na presidência do tribunal, que abriria prazo para manifestação do Ministério Público Federal e depois distribuiria livremente para a seção competente do STJ. O relator sorteado teria 60 dias para propor a afetação ou não. A ministra Laurita Vaz delegou essa competência para a presidência da comissão gestora de precedentes — medida replicada por todos os presidentes seguintes. E foi assim que a comissão tomou a frente, efetivamente, da gestão.

 
Rogerio Schietti é o atual presidente da comissão gestora de precedentes – Lucas Pricken/STJ

 

Deixa comigo

A expectativa era de que os tribunais de segundo grau se tornassem grandes parceiros do tribunal na afetação de recursos repetitivos, o que jamais ocorreu. A partir de 2016, os membros da comissão passaram a visitar as cortes, para repetir a conscientização que vinha dando resultado internamente, no STJ. Ao Anuário da Justiça, em 2019, o ministro Sanseverino comparou a identificação desses temas como uma guerra de guerrilha: “tem que estar constantemente identificando novas demandas e atuando. A questão é atuar rapidamente para evitar que o problema fique crônico”.

A ministra Assusete Magalhães, em 2020, relembrou como, nos primeiros contatos com os desembargadores, não havia nenhuma noção do que era gestão de precedentes. Foi por meio dessas visitas que as cortes de segundo foram, paulatinamente, implementando suas próprias comissões gestoras, para atender a Resolução 235/2016 do Conselho Nacional de Justiça. A norma promoveu uma padronização dos procedimentos usados para definição de precedentes qualificados e emprestou muito da experiência adquirida pelo STJ na gestão interna.

Como o fluxo de afetações a partir das sugestões dos tribunais ao STJ continuou fraco, a partir de 2018 a própria comissão gestora de precedentes começou a identificar quais temas poderiam gerar definição de tese vinculante. E fazia isso no olho: os servidores acessavam um sistema com o resumo indicativo dos recursos recebidos e, filtrando por tribunais, conseguiam identificar a repetição de termos ou palavras-chave. Com isso, selecionavam processos como representativos da controvérsia e enviavam para a presidência da comissão.

Para a sorte do tribunal, o servidor Amilar Domingos Moreira Martins estava fazendo mestrado em administração pública e desenvolvendo uma ferramenta de agrupamento de documentos jurídicos. Essas planilhas passaram a ajudar a identificação dos temas repetitivos pela comissão. O trabalho de Amilar, publicado em 2018, resultou num modelo de inteligência artificial que hoje é conhecido por Sistema Athos, usado de forma ampla em diversos setores do STJ, com bastante sucesso.

Para auxiliar a gestão de precedentes, o Athos funciona num sistema de banco de teses. Os servidores da secretaria de jurisprudência identificam temas muito julgados e cadastram no sistema. O mesmo ocorre na secretaria judiciaria, responsável pela autuação dos recursos. Com isso, o Athos passa a identificar todos os recursos recebidos com a mesma temática, o que gera uma indicação de tema repetitivo passível de afetação.

Com isso, a comissão gestora de precedentes hoje é a principal responsável pela identificação de temas para formação de precedentes qualificados. Mesmo os gabinetes dos ministros preferem esperar pela atuação da unidade. Em 2023, 73% das afetações foram feitas após indicação da comissão (39 ao todo). Apenas 12 vieram enviadas pelos tribunais de apelação. E somente duas foram feitas de ofício pelos próprios ministros do STJ.

 
Marcelo Marchiori 2024
Marcelo Marchiori é o assessor-chefe do Núcleo de Gerenciamento de Precedentes – Pedro França/STJ

 

Precedentes

Dez anos depois da criação da comissão gestora de precedentes do STJ, todos os tribunais de apelação têm sua própria unidade. O Tribunal de Justiça de São Paulo, maior corte de segundo grau do mundo, tem cinco núcleos: um de cada seção, um da vice-presidência e outro da presidência. Os TJs de Minas Gerais, Pará e Amapá também são reconhecidos como grandes exemplos de boa gestão de precedentes atualmente.

O Supremo Tribunal Federal, que desde 2012 tinha o seu núcleo de apoio à repercussão geral, em 2020 criou o núcleo de gerenciamento de precedentes, uma unidade separada da estrutura da presidência e que ficou responsável por ampliar as afetações, a comunicação com os tribunais e a interlocução interna.

Isso é necessário porque, apesar da previsão de repercussão geral como um requisito para julgamento de recurso extraordinário, o Supremo tem circuitos que permitem a apreciação colegiada fora dessa hipótese. Em 2023, o tribunal proferiu 95,1 mil decisões recursais, mas julgou apenas 52 temas de repercussão geral. O excedente é absorvido pelas turmas. Daí a importância de selecionar casos para afetação e fazer a gestão adequada desses precedentes.

No STJ, a comissão gestora de precedentes hoje é presidida pelo ministro Rogerio Schietti, seu último membro original — o ministro Paulo de Tarso Sanseverino morreu em 2023 e a ministra Assusete Magalhães se aposentou em janeiro de 2024. Schietti atesta que a gestão de precedentes já mostra resultados positivos, uma década mais tarde. Ele avalia que os problemas são tópicos, de um ou outro desembargador que insiste em ignorar a vinculação garantida aos precedentes qualificados pelo Código de Processo Civil de 2012. A questão, portanto, é de coerência sistêmica.

“Se você tem um entendimento que é consolidado e todo mundo respeita, de que adianta recorrer? Você vai perder. Eu acho até que, no âmbito criminal, mesmo assim vale a pena, muitas vezes, recorrer para evitar trânsito em julgado ou algum tipo de satisfação para o cliente. Porque no âmbito criminal você não pode punir uma litigância de má-fé, digamos. No processo penal, o máximo que nós podemos fazer é enviar para um órgão correcional. Mas assim, se você tiver um sistema em que todas as decisões, já pacificadas, em julgamento qualificado, são seguidas pelos Tribunais, o número de recursos vai cair muito”, diz.

Marcelo Marchiori, assessor-chefe do Núcleo de Gerenciamento de Precedentes do STJ, diz que, de forma geral, que os repetitivos são, sim, obedecidos por todos os tribunais. O problema é a jurisprudência pacificada, em todo seu conceito vago. Uma das funções da gestão de precedentes, inclusive, é transformar jurisprudência em precedente qualificado para evitar esse tipo de questionamento.

“Quando estamos no campo da jurisprudência, os juízes e tribunais escolhem aquela que acham correta. O juiz, se quiser, acha um acórdão aqui do STJ e, mesmo que tenham outros 30 acórdãos posteriores com outra posição, ele define aquele primeiro como jurisprudência e coloca na decisão”, pontua. Esse é uma questão a ser trabalhada internamente no STJ, no futuro próximo: o tribunal não tem meios efetivos de indicar quando um precedente foi superado.

A presidência tem, desde 2019, uma proposta de emenda regimental para criar a classe recursal chamada “proposta de revisão de tema (PRT)”, o que pode ajudar na visibilidade dessa transformação jurisprudencial. Essa funcionalidade seria interessante especialmente porque, como já mostrou a revista eletrônica Consultor Jurídico, o STJ é seriamente afetado pela “zona de penumbra” que existe com o Supremo Tribunal Federal.

Segundo o ministro Rogerio Schietti, ainda há muito o que trabalhar na gestão de precedentes. Mesmo dentro do STJ. Hoje, a 2ª Seção é a que menos utiliza desse instrumento, apesar de ser a única que tem o luxo de, efetivamente, dar a última palavra, já que temas de Direito Privado são pouco tutelados pela Constituição e, portanto, raramente chegam ao STF. Talvez por isso, o colegiado mantém a prática de só firmar tese quando o tema foi enfrentando e pacificado pelas 3ª e 4ª Turmas.

Na 3ª Seção, de Direito Criminal, o interesse é crescente em construir precedentes qualificados, devido à explosão do número de processos recebidos — embora a maioria venha em Habeas Corpus. A constante no STJ é a excelência como a 1ª Seção, de Direito Público, trabalha com os repetitivos. É a única que faz uma sessão de julgamento por mês dedicada à definição de teses. Dos 934 temas julgados até dezembro de 2023, 537 são da 1ª Seção (57,4% do total).

O impacto disso não pode ser desprezado. Há 10 anos, quando a gestão de precedentes foi iniciada no tribunal, a 1ª Seção recebia 41,8% dos recursos distribuídos. Hoje, essa distribuição corresponde a 23,8% do total. A redução percentual não pode ser unicamente creditada às teses firmadas, já que isso passa, por exemplo, pela explosão de HCs na 3ª Seção. Mas ministros da 1ª Seção entendem que a situação seria muito pior se o colegiado não tivesse se devotado tanto à construção dos precedentes qualificados.

O post Gestão de precedentes completa 10 anos de transformações silenciosas no Brasil apareceu primeiro em Consultor Jurídico.

CJF aprova propostas de anteprojetos de lei para criação de turma recursal e varas federais em Seções Judiciárias

Os processos foram analisados durante a sessão de julgamento desta segunda-feira (24) no TRF6

O Colegiado do Conselho da Justiça Federal (CJF) aprovou, por unanimidade, duas propostas de anteprojetos de lei para criação de varas federais e de turma recursal em Seções Judiciárias das 1ª e 4ª Regiões. Os processos foram relatados pela presidente do CJF, ministra Maria Thereza de Assis Moura, durante a sessão de julgamento desta segunda-feira (24), na sede do Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF6), em Minas Gerais (MG).

As propostas preveem a criação de oito varas federais na Seção Judiciária de Santa Catarina (SC), sob jurisdição do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), e da 2ª Turma Recursal na Seção Judiciária do Piauí (PI), que compõe o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1). Com a aprovação, os anteprojetos serão encaminhados ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) para apreciação.

Os estudos sobre o impacto orçamentário e financeiro oriundo das ampliações foram realizados pelos respectivos TRFs e tiveram a viabilidade confirmada pelas áreas de orçamento do CJF, com base nos critérios estabelecidos pela Resolução CNJ n. 184/2013 do Conselho Nacional de Justiça, considerando a produtividade comparada da Justiça e a distribuição de casos novos.

Processos n. 0008882-86.2022.4.04.8000 e n. 0000854-54.2024.4.90.8000.

Fonte: CJF

STF vai reiniciar análise sobre multa de 150% por sonegação fiscal

Um pedido de destaque do ministro Flávio Dino interrompeu, na última sexta-feira (21/6), o julgamento de repercussão geral no qual o Plenário do Supremo Tribunal Federal discute a validade da multa de 150% aplicada pela Receita Federal em casos de sonegação, fraude ou conluio.

Com isso, a análise do caso será reiniciada em sessão presencial, ainda sem data marcada. Antes do pedido de destaque, o julgamento era virtual, com término previsto para a próxima sexta-feira (28/6).

Até então, apenas dois ministros haviam se manifestado. Ambos consideraram legítima a aplicação da multa de até 150% do débito tributário em casos de reincidência.

Multa de 150% é aplicada pela Receita em casos de sonegação, fraude ou conluio

 

Contexto

O recurso em questão contesta uma multa de 150% aplicada com base na antiga redação do inciso II do artigo 44 da Lei 9.430/1996, que previa tal sanção nos lançamentos de ofício em casos de sonegação, fraude ou conluio.

 

No último ano, essa lei foi alterada. Na redação atual, a multa para tais casos é de 100% do débito tributário. Se houver reincidência, a taxa sobe para 150%.

No caso concreto, a Receita multou um posto de combustível em 150%, por entender que o estabelecimento fazia parte de um grupo econômico, mas se separava das demais empresas com o intuito de não pagar impostos.

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região validou a multa. Em recurso extraordinário, o posto alegou que o percentual tinha caráter confiscatório e argumentou que o inciso IV do artigo 150 da Constituição proíbe o uso de tributo com efeito de confisco.

Voto do relator

Antes do pedido de destaque de Dino, o ministro Dias Toffoli, relator do caso, já havia depositado seu voto, acompanhado por Alexandre de Moraes.

Para os dois ministros, até que seja aprovada uma lei complementar sobre o tema, os percentuais definidos em 2023 (100% para primeiras ocasiões e 150% em caso de reincidência) são os tetos para multas tributárias por sonegação, fraude ou conluio.

Eles propuseram que o entendimento tenha validade a partir da data da publicação da ata do julgamento e não seja aplicado a ações judiciais pendentes de conclusão até essa data.

Além disso, sugeriram que os entes federados ainda tenham competência para criar regras diferentes, desde que mais favoráveis ao contribuinte.

No voto, Toffoli considerou que a gravidade das condutas justifica o percentual elevado da multa, proporcional ao ilícito cometido.

De acordo com ele, não é justo penalizar no mesmo patamar um contribuinte que deixa de pagar ou de declarar um tributo sem intenção e outro contribuinte que sonega, frauda ou age em conluio.

Neste último caso, a punição deve ser mais severa. Para o relator, o percentual de 150% é razoável, porque reprime tais condutas.

O magistrado ainda destacou que a ideia de confisco envolve atingir uma parcela significativa do patrimônio ou da renda do contribuinte, capaz de ameaçar sua sobrevivência.

Em casos de sonegação, fraude ou conluio, há enriquecimento ilícito. Por isso, é difícil diferenciar a riqueza lícita da ilícita, e consequentemente saber se a multa ultrapassa as possibilidades do contribuinte.

Toffoli ainda ressaltou a necessidade de gradação da multa até o teto de 150%, “levando-se em conta a individualização da conduta do agente”.

No caso concreto, como o TRF-4 não mencionou reincidência do posto, o ministro considerou necessário reduzir a multa para 100% do débito tributário.

Clique aqui para ler o voto de Toffoli
RE 736.090

O post STF vai reiniciar análise sobre multa de 150% por sonegação fiscal apareceu primeiro em Consultor Jurídico.

Processo na ARP: conheça a função da Assessoria de Admissibilidade, Recursos Repetitivos e Relevância do STJ

Depois de verem seu processo chegar ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), muitos advogados podem estranhar que os autos não sejam distribuídos diretamente ao ministro relator, mas, em vez disso, sejam encaminhados à Assessoria de Admissibilidade, Recursos Repetitivos e Relevância (ARP). Afinal, o que faz esse departamento que vez ou outra aparece no andamento processual? Criada em 2007 com o nome de Núcleo de Agravos da Presidência (Napre), a ARP é o órgão vinculado à Presidência do STJ que, na função de assessoramento, elabora minutas de decisões e despachos nos processos originários e recursais ainda não distribuídos. Antes mesmo da distribuição do processo ao relator, a ARP auxilia a Presidência no cumprimento de uma série de atribuições previstas no artigo 21-E do Regimento Interno do STJ, entre elas: a) analisar pedidos de desistência, autocomposição e habilitação em razão de falecimento de uma das partes; b) decidir pedido de gratuidade de justiça; c) determinar o cancelamento do registro do feito se a parte, após intimação, não realizar o pagamento das custas e despesas processuais; d) apreciar habeas corpus e revisões criminais inadmissíveis por incompetência manifesta, enviando os autos ao juízo competente; e e) não conhecer de recurso inadmissível, prejudicado ou que não apresentar impugnação específica aos fundamentos da decisão recorrida.

ARP não analisa mérito de processos

No âmbito da ARP, não há análise de mérito dos processos: a função principal da unidade é verificar a admissibilidade dos casos que aportam no STJ. Conforme explica o assessor-chefe da ARP, Rodrigo Duarte Campos, essa análise de admissibilidade, na verdade, tem início na Seção de Triagem de Pressupostos Recursais, vinculada à Secretaria Judiciária. Nessa fase, os recursos especiais que cumpram os requisitos de admissibilidade (como tempestividade, existência de procuração, exaurimento da instância anterior e preparo recursal) são distribuídos aos relatores. Já os agravos em recurso especial, ainda que preencham esses requisitos, são registrados à Presidência e remetidos à ARP para verificação. Ainda de acordo com Rodrigo Campos, uma dúvida recorrente entre os operadores do direito é sobre o envio à Presidência (e, por consequência, à ARP) de um processo que, devido ao instituto da prevenção, deveria ser atribuído ao ministro do STJ que já tomou conhecimento daquela causa. Contudo, o assessor-chefe da ARP explica que a prevenção é analisada apenas se o processo supera a fase de admissibilidade. Rodrigo Campos informa que os agravos em recurso especial (AREsps) constituem a classe processual mais analisada pela ARP, porém outras classes também podem ser objeto de exame na unidade, como recursos especiais (REsps), embargos de divergência em recurso especial (EREsps) e em agravo em recurso especial (EAREsp), recursos em mandado de segurança (RMSs) e habeas corpus (HCs). No caso dos HCs, explica Campos, a análise da ARP é restrita às hipóteses de aplicação da Súmula 691 do Supremo Tribunal Federal (STF) e de algumas matérias específicas de execução penal.

Pressupostos, admissibilidade cotejada e suficiência: os filtros da ARP

Para análise dos REsps e AREsps que chegam via Presidência, a ARP desenvolveu uma série de filtros e protocolos, baseados principalmente na legislação e na jurisprudência. Em relação aos filtros, os AREsps submetidos à unidade passam, conforme o caso, por três fases: a) pressupostos objetivos; b) admissibilidade cotejada; c) suficiência. São filtros sucessivos, ou seja, o processo só é examinado sob o filtro seguinte se ultrapassar a etapa anterior. Caso o processo ultrapasse essas três etapas, a Presidência do STJ determina a sua distribuição. O regimento interno também prevê a distribuição quando a parte apresenta recurso (agravo interno) contra a decisão da Presidência nas hipóteses do artigo 21-E e não há retratação. Conforme ressalta o assessor-chefe da ARP, os filtros se destinam apenas às classes processuais REsp e AREsp. As demais classes analisadas na ARP não passam por esses três filtros porque têm critérios próprios de admissibilidade.

Mais de 95% das decisões da Presidência com origem na ARP são mantidas

A efetividade dos procedimentos adotados pela ARP é demonstrada pelas estatísticas mais recentes da unidade: entre janeiro e dezembro de 2023, nos casos em que houve recurso contra decisão da Presidência baseada em análise da ARP, a taxa de provimento foi de apenas 4,54%, ou seja, mais de 95% dos julgados da Presidência foram mantidos. Saiba o significado de termos publicados nesta notícia:
  • 1º termo – Repetitivos: Recurso repetitivo é um recurso escolhido para ser julgado como representativo de uma questão jurídica presente em muitos outros processos, para que a tese fixada pelo tribunal seja aplicada na solução dos casos semelhantes em todo o país.
  • 2º termo – Intimação: A comunicação escrita para dar ciência de atos e termos de um processo.
  • 3º termo – Habeas Corpus: Habeas corpus (sigla HC) é uma ação para assegurar a liberdade de locomoção, quando violada ou ameaçada de violação por ilegalidade ou abuso de poder. Também é o nome da ordem dada pela Justiça para corrigir a ilegalidade.
  • 4º termo – Incompetência: Falta de capacidade legal para julgar um processo ou tomar uma decisão.
  • 5º termo – Não conhecer: Ao “não conhecer” do recurso (ou de qualquer pedido), o tribunal está decidindo, por alguma razão preliminar, que ele não será admitido para o exame do mérito. Assim, o tribunal deixa de analisar os argumentos do recorrente, sem acolher nem rejeitá-los.
  • 6º termo – Prejudicado: Recurso que perdeu seu objeto, que não é mais julgado.
  • 7º termo – Mérito: A questão principal (ou o conjunto das questões principais) do processo, na qual se baseia o pedido do autor.
  • 8º termo – recursos especiais: O recurso especial (sigla REsp) é dirigido ao STJ para contestar possível má aplicação da lei federal por um tribunal de segundo grau. Assim, o REsp serve para que o STJ uniformize a interpretação da legislação federal em todo o país.
  • 9º termo – Preparo: Despesas que compreendem custas processuais e gastos com o envio do processo pelo correio (no caso de processo físico).
  • 10º termo – agravos em recurso especial: Agravo em recurso especial (sigla AREsp) é o recurso contra decisão do presidente ou do vice-presidente do tribunal de origem que não admitiu a subida do recurso especial para o STJ. Seu objetivo é convencer o STJ a aceitar o recurso especial para julgamento do mérito.
  • 11º termo – Prevenção: Concorrendo dois juízes igualmente competentes para um caso, fica prevento, ou seja, responsável pelo caso o primeiro a decidir sobre a matéria.
  • 12º termo – Embargos de divergência: Embargos de divergência são um recurso contra decisão de órgão fracionário que divergiu do entendimento de outro órgão fracionário do mesmo tribunal. No STJ, as siglas são EREsp (embargos de divergência em recurso especial) e EAREsp (embargos de divergência em agravo em recurso especial).
  • 13º termo – Mandado de Segurança: Ação prevista constitucionalmente para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas-corpus ou habeas-data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do poder público.
  • 14º termo – Agravo interno: Agravo interno (sigla AgInt) é o recurso contra decisão individual do relator no processo civil.
  • 15º termo – Provimento: Ato de prover. Dar provimento a recurso significa acolher o pedido para reformar ou anular decisão judicial anterior. No direito administrativo, é o ato de preencher vaga no serviço público.
— Fonte: STJ

Risco de crises ronda tese de dívida de condomínio de imóvel financiado

Ao definir se o banco que concede o financiamento para a compra de um imóvel pode ser arrastado para arcar com a dívida de condomínio feita pelo comprador, o Superior Tribunal de Justiça  pode estar incentivando uma crise quase tão grave quanto a da hipoteca, que arrasou o mercado imobiliário em 1980.

O impacto negativo do julgamento sobre a possibilidade de penhorar um imóvel comprado com contrato com alienação fiduciária para quitar a taxa de condomínio é o principal fator levantado até agora pelo mercado. O tema será apreciado pela 2ª Seção.

Na alienação fiduciária, o banco dá o crédito para a compra do bem e se torna o proprietário. O comprador fica na posse e pode usufruir do imóvel, mas só recebe a propriedade depois de quitar as parcelas.

O imóvel, portanto, é a garantia real do financiamento. Se o devedor fiduciante não honrar as parcelas, a propriedade se consolida em favor do credor fiduciário (banco), que leva o bem a leilão para quitar a dívida e os encargos. O que sobrar — se sobrar — volta para o devedor.

Esse sistema, inaugurado pela Lei 9.514/1997, certamente será impactado se o STJ entender que o imóvel pode ser penhorado para quitar uma dívida em favor de quem não faz parte dessa relação: o condomínio.

A obrigação de pagar condomínio é propter rem (da própria coisa). A discussão é se o banco, que é proprietário da coisa, mas não usufrui dela, pode ser arrastado para essa relação.

Se isso não for possível, como ficam os condomínios, responsáveis pelo rateio das despesas e por garantir a manutenção e operação do próprio imóvel, em favor da valorização e preservação do bem?

Tamanho do problema

Essas crises são tão reais que o Judiciário ora pende para um lado, ora para outro. O STJ, responsável por uniformizar a interpretação do direito federal, também passou a divergir.

A 3ª Turma entende que não é possível penhorar o imóvel, mas apenas seu direito real de aquisição — ou seja, o direito de assumir a propriedade do bem, uma vez que a dívida seja quitada com o banco credor fiduciário.

Já a 4ª Turma diz que é possível a penhora do imóvel que originou a dívida, em razão da natureza propter rem da dívida condominial, a qual alcança tanto aquele que tem a posse (o devedor) como aquele que tem a propriedade (o banco).

Pedro França/STJ

Antonio Carlos Ferreira 2024
Antonio Carlos Ferreira é o relator do recurso que será julgado na 2ª Seção

A 2ª Seção do STJ tem um recurso especial afetado para pacificar a questão. Relator, o ministro Antonio Carlos Ferreira promoveu audiência pública sobre o tema, ocasião em que ficou claro que caberá à corte observar bem a chance de crises.

A discussão se insere em um mercado de crédito imobiliário que, em fevereiro de 2024, tinha mais de R$ 1 trilhão de saldo, segundo dados da Federação Brasileira de Bancos (Febraban). Esse valor representa cerca de 10% do produto interno bruto (PIB) brasileiro.

Há um evidente impacto social, já que 40% dos tomadores de crédito estão em famílias com renda de até três salários-mínimos. E afeta principalmente a Caixa Econômica Federal, hoje a principal agente do Sistema de Financiamento Habitacional (SFH), responsável por 70% do crédito imobiliário no Brasil.

Por outro lado, os condomínios por todo o país reúnem cerca de 23,5 milhões de pessoas, com faturamento anual de R$ 46 bilhões em taxas condominiais, segundo dados da Confederação Nacional do Comércio.

Levantamento da administradora BrCondos divulgado pelo Estadão mostrou que, entre janeiro de 2023 a janeiro de 2024, a média de inadimplência dessas obrigações ultrapassou 11%. Há um universo de casos em que a penhora pode ser a saída para evitar a ruína condominial.

A experiência da hipoteca

Independentemente de como o STJ definir a questão, sistema nenhum vai ruir — nem o de financiamento da habitação, muito menos o de rateio de despesas dos condomínios. Mas haverá impacto e, possivelmente, crises. E a resposta a essas crises é o mais importante.

Para os que defendem a impenhorabilidade do imóvel alienado fiduciariamente, o melhor exemplo vem da crise da hipoteca, instrumento que, até o surgimento da alienação fiduciária, era a principal garantia para o financiamento imobiliário.

Lucas Pricken/STJ

Audiência Pública STJ 2ª Seção
2ª Seção do STJ promoveu audiência pública sobre o tema

Na hipoteca, o comprador dá o imóvel como garantia do financiamento, com o registro na matrícula junto ao cartório. Se houver inadimplência, o banco pode ajuizar a ação para requerer a propriedade do bem.

Além de ser um instrumento mais moroso e burocrático, a hipoteca ruiu no Brasil na década de 1980, em decorrência da hiperinflação e da crise que levou à extinção do Banco Nacional da Habitação (BNH), então o responsável por financiar empreendimentos imobiliários.

Em 1984, quando a inflação atingiu inimagináveis 246%, a ditadura militar percebeu que os tomadores de financiamento não conseguiriam arcar com os reajustes das parcelas e do saldo devedor. Por meio de decreto-lei, limitou a correção a 112%.

A diferença ficou para ser paga pelo Fundo de Compensação das Variações Salariais (FCVS), criado em 1967 justamente para quitar saldos remanescentes de financiamentos imobiliários concedidos pelos mutuários do Sistema Financeiro de Habitação.

O resultado foi um rombo no FCVS que persiste até hoje. Em 1994, quando o Plano Real foi criado, era de R$ 1 bilhões. Em 2023, o jornal Valor Econômico noticiou que o governo federal buscava soluções para honrar créditos que já alcançavam R$ 92 bilhões.

Nesse cenário, a criação da garantia por alienação fiduciária renovou o financiamento imobiliário, viabilizando o retorno do capital ao mercado habitacional, tudo baseado em uma grande segurança: a garantia real representada no próprio imóvel.

Lucas Pricken/STJ

Melhim Namem Chalhub
Melhim Namem Chalhub participa de audiência pública no STJ

Crédito mais caro

Anselmo Moreira Gonzalez, pela Febraban, destacou na audiência pública no STJ que a taxa de juros do crédito imobiliário é menor hoje porque há 20 anos a lei e o Judiciário vêm dando segurança a esse sistema. Quanto melhor é a garantia, menor o custo do capital.

“Não queremos atrair para ambiente de crédito imobiliário os problemas que vimos com a hipoteca”, disse. José Carlos Baptista Puoli, que falou pelo Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis de São Paulo (Secovi-SP) seguiu a mesma linha.

“A penhora que venha a atingir o patrimônio de quem não é devedor ou detentor da responsabilidade pelo condomínio trará problemas creditórios importantes, com a diminuição do volume de relações creditícias”, disse.

Na análise de Melhim Namem Chalhub, que representou a Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), o temor é que decisões equivocadas hoje, como as da década de 1980, causem impacto negativo duradouro nesse sistema.

“Vai aumentar o custo do financiamento, porque o credor vai colocar na conta a eventualidade de ele ter que desembolsar o custo do condomínio. E, ao permitir-se isso, abre-se a porta para amanhã ou depois colocar também o IPTU ou o IPVA. E tem gente que defende isso”, disse, à revista eletrônica Consultor Jurídico.

Regina Céli Silveira Martins, pela Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), apontou que o banco financiador tem apenas uma forma de garantir a operação: usufruindo do imóvel como garantia real. Já os condomínios têm à disposição diversas ferramentas autorizadas pelo Judiciário e pela jurisprudência para cobrar a dívida.

Na prática, o banco sequer sabe que o devedor fiduciante está endividado, principalmente se ele estiver em dia com as parcelas do financiamento. “É justo o credor fiduciário perder sua garantia em razão de um condomínio não diligente?”, indagou. “É justo responder por um débito de condomínio de um imóvel que ele não pode usar e dispor?”, complementou.

Lucas Pricken/STJ

Marco Aurélio Bellizze e Antonio Carlos Ferreira 2024
Marco Aurélio Bellizze participou da audiência pública organizad por Antonio Carlos Ferreira 2024

A última chance

Para os condomínios, a penhora do próprio imóvel é mesmo a última chance, diante de devedores recalcitrantes. Principalmente porque a outra opção, de penhorar os direitos aquisitivos, é muito menos atrativa.

Roberto Garcia Merçon, que representou o Sindicato Patronal de Condomínios do Espírito Santo (Sipces), alertou que a possibilidade de penhora do bem é uma condição fundamental para evitar a inadimplência dos condôminos.

“Uma vez sabido dentro dessas comunidades de que o imóvel alienado fiduciariamente não vai ser mais passível de penhora, essa inadimplência vai crescer e muito”, disse.

O comprador em crise, ao perceber que terá que escolher para quem dever, perceberá que melhor será sacrificar o condomínio — justamente a entidade que faz o rateio das despesas, que é responsável pela imediata conservação do bem.

A melhor aposta é confiar no argumento vencedor na 4ª Turma: a obrigação de pagar o condomínio é ligada ao imóvel. Se há dois titulares de direito sobre a coisa — um com a propriedade, outro com a posse — ambos podem ser responsabilizados.

“O que é obrigação propter rem?”, indagou Marcus Vinicius Kikunaga, pela Academia Nacional de Direito Notarial e Registral (Ad Notare). “É uma obrigação de natureza mista. É aquela que surge da coisa e obriga seu titular, seja quem for. Na alienação fiduciária, temos dois titulares de direitos reais sobre a coisa”, seguiu.

Rubens Carmo Elias Filho, por sua vez, destacou que, quando o artigo 1.368-B do Código Civil diz que o credor fiduciário só responde pela taxa condominial a partir da data em que vier a ser imitido na posse direta do bem, isso não se aplica ao condomínio.

“Ela é aplicada no acertamento de contas entre credor fiduciário e devedor fiduciante. É uma regra prevista para que, no momento em que o credor consolidar a propriedade, se defina quando ele passa a pagar ou não, inclusive para consolidação da dívida.”

Rubens falou na audiência pública em nome de três entidades: Associação das Administradoras de Bens Imóveis e Condomínios de São Paulo (AABIC-SP), a Associação Brasileira das Administradoras de Imóveis (ABADI) e Associação Brasileira de Empresas do Mercado Imobiliário (ABMI).

REsp 1.929.926

O post Risco de crises ronda tese de dívida de condomínio de imóvel financiado apareceu primeiro em Consultor Jurídico.

XII Fórum de Lisboa começa na próxima quarta-feira; veja programação

O Fórum de Lisboa divulgou a programação da 12ª edição do evento, que acontece nos dias 26, 27 e 28 de junho (próximas quarta a sexta-feira) na capital de Portugal. O tema será “Avanços e recuos da globalização e as novas fronteiras: transformações jurídicas, políticas, econômicas, socioambientais e digitais”.

O evento contará com importantes nomes do mundo jurídico, como os ministros Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Flávio Dino, Cristiano Zanin e Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal; o procurador-geral da República, Paulo Gonet Branco; e os ministros Sebastião Reis Júnior, Luis Felipe Salomão, Rogerio Schietti Cruz, Humberto Martins, Gurgel de Faria, Ricardo Villas Bôas Cueva, Antonio Saldanha, Marco Buzzi, João Otávio de Noronha e Mauro Campbell Marques, todos do Superior Tribunal de Justiça.

 

 

 

 

 

 

 

 

Figuras da política brasileira também marcarão presença, a exemplo dos presidentes da Câmara e do Senado, Arthur Lira e Rodrigo Pacheco; e ministros de Estado como Alexandre Silveira, Renan Filho, Rui Costa, Camilo Santana, Vinícius Marques de Carvalho e Jader Filho.

O Fórum é organizado pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), pelo Lisbon Public Law Research Centre (LPL) da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL) e pelo Centro de Inovação, Administração e Pesquisa do Judiciário da Fundação Getulio Vargas (FGV Justiça).

A partir deste ano, a série de eventos que acontecem ao longo do ano, no Brasil e em Portugal, passa a chamar-se Fórum de Lisboa e não mais Fórum Jurídico de Lisboa.

O evento principal continua sendo o que ocorre em junho. Durante três dias, autoridades, especialistas, acadêmicos e representantes da sociedade civil do Brasil e da Europa irão se reunir na FDUL para dialogar sobre como a globalização tem impactado as relações entre Estados, instituições, empresas e povos.

As palestras agrupam-se em torno de três eixos principais: “Economia global, comércio internacional e os novos desafios das políticas industriais”, “Democracia, direitos humanos e pluralidade”, “Sistemas de justiça, garantias institucionais e direitos fundamentais”.

Nesta 12ª edição, o Fórum aborda o panorama em que globalização e medidas protecionistas se antagonizam. Fomentada ou desestimulada em alguns campos, e os impactos desse fenômeno no Brasil e na Europa. Os temas buscam ampliar a compreensão de desafios nas áreas ambiental, de segurança, saúde ou imigração.

O encontro de Lisboa ocorre anualmente com o intuito de debater questões que desafiam o Estado contemporâneo. A programação se desdobra ao longo do ano com o lançamento de livros, videoconferências, estudos e larga produção científica.

Desde o ano passado, a série “Fórum de Lisboa — Debates Contemporâneos” promoveu mesas-redondas e debates de temas tão diversos quanto relevantes para a sociedade, entre os quais “energias renováveis e créditos de carbono”, “métodos consensuais para resolução de conflitos de infraestrutura”, “responsabilidade social”, “desafios do modelo de concessão de serviços de saneamento”, “sustentabilidade tarifária do setor elétrico”, “redes sociais e democracia” e “investigação criminal”.

 

Clique aqui para ver a programação completa

O post XII Fórum de Lisboa começa na próxima quarta-feira; veja programação apareceu primeiro em Consultor Jurídico.

Corte não conhece de agravo que se limitou a contestar alerta incluído em decisão sobre recurso extraordinário

Por não trazer conteúdo decisório, não cabe discutir em recurso o alerta que vem sendo incluído pela Vice-Presidência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em algumas decisões sobre admissibilidade do recurso extraordinário (RE). Pensado como forma de atender ao princípio da cooperação, o alerta apenas busca evitar equívocos que se verificam frequentemente em matéria de RE.

Em julgamento unânime, a Corte Especial não conheceu de um agravo interno porque a parte, em vez de impugnar o único fundamento da decisão que negou seguimento ao seu recurso extraordinário, preferiu contestar a informação trazida no alerta.

O RE teve seguimento negado pelo vice-presidente do STJ, ministro Og Fernandes, com base no Tema 181 da repercussão geral, no qual o Supremo Tribunal Federal (STF) definiu que “a questão do preenchimento dos pressupostos de admissibilidade de recursos da competência de outros tribunais tem natureza infraconstitucional”.

RE sem repercussão geral não deve ter seguimento

Segundo Og Fernandes, na análise prévia da viabilidade dos REs, deve-se negar seguimento àqueles que discutam questão à qual o STF não reconheceu a existência de repercussão geral, nos termos do artigo 1.030, I, “a”, do Código de Processo Civil (CPC).

Após a parte dispositiva da decisão, o ministro registrou um alerta para a parte, apontando que, “contra decisões que negam seguimento a recurso extraordinário, não é cabível agravo em recurso extraordinário (previsto no artigo 1.042 do CPC e adequado para impugnação das decisões de inadmissão), conforme o parágrafo 2º do artigo 1.030 do CPC“.

A parte, no entanto, interpôs o agravo interno para questionar essa explicação, sustentando que seria cabível, sim, o agravo em recurso extraordinário, pois o STF é que teria a competência “definitiva e exclusiva” para analisar a admissibilidade do RE. Para ela, o artigo 1.030 do CPC deve ser interpretado conforme a Constituição, “para assegurar a última palavra ao STF e ao STJ acerca da admissibilidade dos respectivos recurso extraordinário e recurso especial“.

Alerta é forma de ampliar a cooperação entre os atores processuais

Segundo Og Fernandes, o registro em questão é mero alerta, “simples indicação da existência de previsão legal sobre o meio estabelecido pelo legislador para impugnação das decisões que negam seguimento aos recursos extraordinários, na forma do artigo 1.030, I, ‘a’, do CPC”.

A informação contida no alerta – observou o vice-presidente – “é potencialmente útil para o desenvolvimento célere e adequado do processo e para a ampliação da compreensão de todos os atores processuais”, tendo sido adicionada em atendimento ao CPC, que, em seu artigo 6º, determina que “todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”.

O ministro ponderou que, como esse alerta não tem conteúdo decisório, permanece preservado o direito da parte de recorrer da forma que considerar adequada. Porém, quanto ao agravo interno submetido à Corte Especial, Og Fernandes destacou que a parte não impugnou o único fundamento adotado para negar seguimento ao RE, relacionado ao Tema 181. Em tal situação, o ministro apontou que incide a Súmula 182 do STJ, a qual exige impugnação específica dos fundamentos da decisão agravada.

Fonte: STJ

Debatedores destacam avanços na recuperação judicial de empresas após mudança da Lei de Falências

Especialistas em direito empresarial apontaram, durante debate na quarta-feira (19) na Câmara dos Deputados, efeitos positivos na recuperação de empresas após as mudanças na Lei de Falências feitas pelo Congresso Nacional em 2020.

A audiência pública na Comissão de Desenvolvimento Econômico foi realizada a pedido do deputado Luiz Gastão (PSD-CE). “Passados mais de três anos dessa lei, é fundamental avaliar os efeitos práticos das mudanças”, disse o parlamentar.

 
Audiência Pública - Recuperação judicial, extrajudicial e falência.
Audiência avaliou Lei de Falências e proposta do Executivo para alterá-la – Elio Rizzo / Câmara dos Deputado

O juiz Paulo Furtado, de São Paulo, destacou que a recuperação judicial não pode ser mais usada como um mecanismo de fraude aos credores tributários. “Isso era fundamental, e a legislação realmente conseguiu equacionar a questão”, disse.

“No caso da recuperação judicial da Editora Abril, várias marcas foram dadas em garantia do cumprimento das obrigações com a Fazenda Nacional”, exemplificou Paulo Furtado. “Nós temos uma situação mais segura hoje”, continuou o juiz.

Segurança nos negócios
Segundo o procurador Eronides Santos, do Ministério Público de São Paulo, a introdução, na Lei de Falências, da insolvência transnacional facilitou a troca de informações com a Justiça de outros países nos casos de empresas estrangeiras.

“O Poder Judiciário agora contempla as demandas de recuperação das empresas transnacionais, no Pará hoje são dez casos”, disse Eronides Santos. “Isso confere aos investidores internacionais a segurança jurídica nos negócios com o Brasil.”

O diretor do banco BTG Pactual Alexandre Câmara também fez uma avaliação favorável. “Apesar de sempre ter o que melhorar, existe ambiente para investir e cumprir a função social das empresas, com benefícios para a sociedade”, avaliou.

O juiz Paulo Furtado, o procurador Eronides Santos, o executivo Alexandre Câmara e outros participantes da audiência pública disseram que, antes de novas alterações na Lei de Falências, é preciso aguardar a maturação das regras atuais.

 
Audiência Pública - Recuperação judicial, extrajudicial e falência. Procurador de Justiça do Estado de SP - Ministério Público de São Paulo, Eronides Santos
Eronides Santos: Lei confere aos investidores internacionais a segurança jurídica – Mário Agra / Câmara dos Deputados

Alterações na lei
Para o diretor jurídico da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), Dalton Miranda, o agronegócio poderá ser prejudicado se for mantida a versão da Câmara para o Projeto de Lei 3/24, do Poder Executivo. O texto altera a Lei de Falências e seguiu para o Senado.

“Como está, o PL 3/24 traz um impacto enorme, porque todo e qualquer bem dos produtores serão blindados em uma recuperação judicial”, afirmou Dalton Miranda. “Apareceu um jabuti no poste, ou foi enchente ou foi gente”, analisou.

Segundo o deputado Luiz Gastão, os assuntos do debate serão retomados pela Comissão de Desenvolvimento Econômico. “Todos os debatedores trouxeram informações extremamente valiosas para acompanhamento desses temas”, disse.

O deputado Florentino Neto (PT-PI) presidiu a reunião, da qual participaram ainda a desembargadora do Rio de Janeiro Mônica Di Piero; a juíza de São Paulo Clarissa Tauk; e os advogados Bruno Rezende, Elias Mubarak e Flávio Galdino.

Fonte: Câmara dos Deputado

Prescrição da petição de herança conta da abertura da sucessão e não é interrompida por investigação de paternidade

Com a fixação da tese no rito dos recursos repetitivos, a Segunda Seção espera evitar decisões divergentes nas instâncias inferiores e também o envio desnecessário de recursos ao STJ.

A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 1.200), estabeleceu que o prazo prescricional para propor a ação de petição de herança começa a correr na abertura da sucessão e não é suspenso ou interrompido pelo ajuizamento de ação de reconhecimento de paternidade, independentemente do seu trânsito em julgado.

Com a fixação da tese – definida por unanimidade –, poderão voltar a tramitar os processos que estavam suspensos à espera do julgamento do tema repetitivo. O precedente qualificado deverá ser observado pelos tribunais de todo o país na análise de casos semelhantes.

O entendimento já estava pacificado na jurisprudência do tribunal, mas, segundo o ministro Marco Aurélio Bellizze, relator do repetitivo, a fixação da tese com força vinculativa é de grande importância para a isonomia e a segurança jurídica. “O julgamento submetido ao rito dos recursos especiais repetitivos pode evitar decisões divergentes nas instâncias inferiores, obstando o envio desnecessário de recursos especiais e agravos a esta Corte Superior”, declarou.

Aplicação da vertente objetiva do princípio da actio nata

Bellizze observou que, até 2022, as duas turmas de direito privado do STJ discordavam a respeito de qual seria o termo inicial do prazo prescricional da pretensão de petição de herança: enquanto a Terceira Turma considerava a data do trânsito em julgado da ação de investigação de paternidade, a Quarta Turma entendia que o prazo começava na abertura da sucessão, ou seja, quando surge para o herdeiro o direito de reivindicar seus direitos sucessórios.

De acordo com o ministro, em outubro de 2022, ao julgar embargos de divergência que tramitaram em segredo de justiça, a Segunda Seção pacificou a questão ao decidir que a contagem do prazo deve ser iniciada na abertura da sucessão, aplicando-se a vertente objetiva do princípio da actio nata, que é a regra no ordenamento jurídico brasileiro, prevista no artigo 189 do Código Civil.

“A teoria da actio nata em sua vertente subjetiva tem aplicação em situações absolutamente excepcionais, apresentando-se, pois, descabida sua adoção no caso da pretensão de petição de herança, em atenção, notadamente, às regras sucessórias postas”, disse Bellizze.

O ministro também destacou que, conforme o artigo 1.784 do Código Civil, ao ser aberta a sucessão, a herança se transmite desde logo aos herdeiros legítimos e testamentários.

Segundo o relator, o pretenso herdeiro poderá, independentemente do reconhecimento oficial dessa condição, reclamar seus direitos hereditários por um desses caminhos: 1) propor ação de investigação de paternidade cumulada com petição de herança; 2) propor, concomitantemente, mas em processos distintos, ação de investigação de paternidade e ação de petição de herança, caso em que ambas poderão tramitar simultaneamente, ou se poderá suspender a petição de herança até o julgamento da investigatória; e 3) propor ação de petição de herança, dentro da qual deverão ser discutidas a paternidade e a violação do direito hereditário.

Nesse contexto – concluiu o ministro –, é “completamente infundada” a alegação de que o direito de reivindicar a herança só surgiria a partir da decisão judicial que reconhece a condição de herdeiro.

Início do prazo de prescrição não pode ficar a critério da parte

O relator ressaltou também que, como afirmado no acórdão dos embargos de divergência, o suposto herdeiro não poderia, apoiado na imprescritibilidade da ação investigatória de paternidade, esperar o quanto quisesse para ajuizar a ação de petição de herança, pois isso lhe daria um controle absoluto do prazo prescricional.

“Esta linha interpretativa vai na direção da segurança jurídica e da almejada estabilização das relações jurídicas em lapso temporal condizente com a dinâmica natural das situações jurídicas daí decorrentes”, concluiu.

Fonte: STJ

Próximos passos da regulação dos criptoativos e dos prestadores de serviços de ativos virtuais

A competência de regulamentação atribuída ao Banco Central (BC) por meio do Decreto 11.563, de 2023 – preservadas as atribuições inerentes a outros órgãos, como a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e a Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (RFB) – tem o intuito de reforçar a proteção ao investidor de ativos virtuais, estabelecendo regras que confiram e exijam maior transparência em relação aos benefícios e riscos associados a esses investimentos. Para dar prosseguimento à regulação do mercado de prestação de serviços de criptoativos no país, o BC decidiu dividir em fases o processo.

“O papel crucial da regulação é ampliar as informações relativas a práticas inadequadas que se utilizem desses ativos e venham a prejudicar os consumidores e os agentes atuantes no segmento em casos de golpes e fraudes. A regulamentação visa oferecer requerimentos mínimos para que os prestadores de serviços de ativos virtuais desempenhem as suas atividades, dedicando-se também a prover práticas adequadas ao lidar com seus clientes. A ideia é evoluir na construção dos atos normativos que tratarão dos prestadores de serviços de ativos virtuais, incluindo aspectos de negócio e de autorização”, destaca Nagel Lisanias Paulino, do Departamento de Regulação do Sistema Financeiro do BC.

Segundo a Lei 14.478, de 2022, essas prestadoras, chamadas de VASPs (do inglês, Virtual Asset Service Providers), somente poderão funcionar no Brasil mediante autorização do BC. Entre as atividades desempenhadas estão a oferta direta, a intermediação e a custódia de criptoativos.

Divisão em fases e passos seguintes

A iniciativa deve passar por processos de revisão e sofisticação gradual, acompanhando a evolução da compreensão dos reguladores e as ações propostas por organismos internacionais. Em paralelo, o BC tem intenção, contando com o apoio de órgãos reguladores, como a CVM, de lidar com aspectos relativos a ativos virtuais específicos, os quais conjugam características que combinam o interesse e a competência de ambas as autarquias, bem como de outros órgãos de governo.

Confira, a seguir, os próximos passos da regulação das criptomoedas, que foi definida pelo BC como uma das prioridades de 2024:

  • desenvolvimento de uma segunda consulta pública sobre as normas gerais de atuação dos prestadores e de autorização ainda no segundo semestre;
  • estabelecimento do planejamento interno em relação à regulamentação de stablecoins, em especial nas esferas de competência do Banco Central sobre pagamentos e o mercado de câmbio e capitais internacionais;
  • desenvolvimento e aperfeiçoamento do arcabouço complementar para recepcionar as entidades (exemplo: atuação das VASPs no mercado de câmbio e capitais internacionais, regulamentação prudencial, prestação de informações ao BC, contabilidade, tarifas, suitability etc.).

A partir disso, será feito o aproveitamento das contribuições e o fechamento das propostas normativas no fim de 2024.

Importante ressaltar ainda que a regulamentação tem a finalidade de preservar a estabilidade do Sistema Financeiro Nacional, conforme mandato do BC. É nessa seara que importam as regras relativas à Prevenção à Lavagem de Dinheiro e Confrontação do Financiamento ao Terrorismo, o monitoramento de atividades suspeitas e a disciplina relacionada a aspectos prudenciais que os prestadores e outras instituições autorizadas desenvolvam.

Consulta pública

Tendo em vista a necessidade de encontrar um balanço adequado entre a disciplina regulamentar robusta, em especial em relação à proteção dos investidores, e os incentivos à inovação, foram planejados passos graduais que envolvem consultas públicas junto à sociedade. A primeira consulta pública, encerrada em janeiro, está em processo de sistematização dos comentários e das manifestações recebidas.

Ela teve o propósito de coletar colaborações sobre uma gama de elementos técnicos, além de servir como oportunidade para o cidadão e os agentes de mercado dialogarem com o regulador. Os elementos coletados servirão certamente como base de apoio para desenvolver as propostas de textos normativos, os quais passarão por processo de consulta pública similar de forma a oferecer maior qualidade à regulamentação. As equipes técnicas têm se dedicado para avançar de forma célere na construção de uma regulação de qualidade baseada em práticas reconhecidas e contando adicionalmente com as considerações do mercado e dos cidadãos.

Fonte: BC