Modulação da tese das contribuições ao Sistema S cria problema concorrencial

Da forma como foi feita, a modulação dos efeitos temporais da tese que afastou o teto de 20 salários mínimos para a base de cálculo das contribuições parafiscais voltadas ao custeio do Sistema S (Sesi, Senai, Sesc e Senac) gera no mercado um problema concorrencial.

A conclusão é de tributaristas consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico, depois de a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça confirmar a modulação. O colegiado rejeitou embargos de declaração sobre o tema, na quarta-feira (11/9).

A modulação foi feita porque a tese fixada representa uma mudança de jurisprudência. Até então, o STJ tinha apenas dois precedentes colegiados e já somava 13 anos de decisões monocráticas mantendo a limitação dessas contribuições.

Ficou decidido então que ela não incidiria para as empresas que ingressaram com ação judicial e/ou protocolaram pedidos administrativos até 25 de outubro de 2023, desde que tenham obtido pronunciamento favorável para restringir a base de cálculo das contribuições.

Isso quer dizer que essas empresas puderam manter o recolhimento da contribuição com limite de 20 salários mínimos, mas apenas até 2 maio de 2024, data em que o acórdão da 1ª Seção foi publicado. A partir dessa data, o limite deixa de valer para todos.

A data de 25 de outubro de 2023 é aquela em que a 1ª Seção começou a julgar os recursos. A restrição acaba sendo maior porque a afetação deles sob o rito dos repetitivos, ainda em dezembro de 2020, suspendeu o trâmite de todas as ações sobre o tema.

Portanto, nos 2 anos e 10 meses que o STJ levou para começar o julgamento, nenhum contribuinte recebeu decisão favorável para manter a contribuição com limite de 20 salários mínimos.

Graças à modulação, isso significa que determinadas empresas passaram 3 anos e 4 meses (da afetação até a publicação do acórdão) gozando do benefício, enquanto suas concorrentes podem ter sido obrigadas a afastar o limite ao recolher a contribuição.

Problema concorrencial

O problema concorrencial gerado foi ressaltado pelo advogado Ednaldo Rodrigues, do Candido Martins. “Contribuintes do mesmo segmento econômico passaram a ter cargas tributárias absolutamente distintas, apenas porque um obteve uma decisão judicial favorável e outro, não.”

Danielle Chinellato, da Innocenti Advogados, destacou que a questão é agravada pelo fato de que as decisões que autorizam o recolhimento da contribuição ainda sob o limite de 20 salários mínimos permitem a recuperação de créditos para os cinco anos anteriores.

Assim, empresas que tenham ajuizado ação com esse fim no mesmo dia e na mesma vara podem ter direito a algum crédito ou não a depender da agilidade do juiz competente para julgamento.

Essa variação também será observada por questões de jurisprudência regional: há tribunais Regionais Federais que eram mais aderentes à jurisprudência até então pacífica do STJ sobre o tema, enquanto outros já divergiam.

Isso faz com que o critério da modulação cause mais dissonância do que segurança jurídica, segundo a advogada. “Quanto mais se aprofunda nos impactos envolvendo o tema, maior parece ser a insegurança jurídica aos contribuintes.”

Gustavo Taparelli, sócio da Abe Advogados, aponta que a modulação apenas acentua e torna definitivo o desequilíbrio concorrência vigente no período em relação aos contribuintes que obtiveram decisão favorável e os que não obtiveram.

“O problema concorrencial parece agravar-se ainda mais nos casos de empresas com grande número de funcionários. A precificação de seus produtos e serviços pode sofrer impacto considerável em vista do relevante valor envolvido da decisão judicial.”

 
Regina Helena Costa 2024
Ministra Regina Helena Costa rejeitou embargos de declaração que contestavam critérios para modulação dos efeitos da tese – Gustavo Lima/STJ

 

Quanto maior, mais caro

Como mostrou a ConJur, o impacto negativo do afastamento do teto de 20 salários mínimos para a base de cálculo das contribuições parafiscais é realmente mais intenso para as grandes empresas.

Essas contribuições são calculadas de acordo com a alíquota definida por lei para diferentes ramos de atividade econômica. A média entre elas é de 5,8%.

Tomando por base esse valor, uma empresa no início de 2024 pagaria sua contribuição tendo como base de cálculo 20 vezes o valor de R$ 1.412, que é o salário mínimo atualizado.

Ela pagaria, portanto, 5,8% de R$ 28.240. A contribuição total da empresa seria de R$ 1.637,92.

Afastando-se o limite, a mesma empresa pagará 5,8% sobre o valor de toda sua folha de pagamento. Quanto mais empregados ela tiver, maior será a contribuição, sem qualquer limite.

Se essa empresa tiver folha de pagamento de R$ 500 mil, a contribuição será 5,8% disso: R$ 29 mil. Nesse caso hipotético, o salto de contribuição é de mais de 17 vezes.

Judicialização estimulada

Segundo Gustavo Taparelli, a ausência de critérios legais claros para a modulação dos efeito de suas decisões e o desejo dos tribunais superiores brasileiros de usar dessa possibilidade desenfreadamente acabaram por banalizar o instituto.

A crítica é recorrente. O caso das contribuições ao Sistema S foi uma das controversas modulações feitas pelo STJ em teses tributárias — cada uma com um critério diferente, para desagrado de tributaristas e contribuintes em geral.

Ministros do próprio STJ já notaram que o risco de modulação tem levado ao ajuizamento de ações como forma de prevenção. A 1ª Seção debateu esse fenômeno em 1º de julho. Na ocasião, a ministra Regina Helena Costa defendeu o uso do modelo adotado por ela, relatora no caso do Sistema S.

Isso significa que não bastaria ter ajuizado a ação. Seria necessária uma decisão de mérito. “No prazo de um ano a partir da afetação, não é possível que alguém que correu para ajuizar a ação vai ter sentença ou acórdão. Não dá tempo”, disse.

Para Taparelli, o uso desenfreado da modulação nos seus mais flexíveis formatos afasta os tribunais superiores de suas funções mais importantes, já que cria insegurança jurídica por ausência de uniformidade de seus entendimentos.

“O fato de a sociedade não ter clareza sobre o alcance das decisões e nem compreender adequadamente os fundamentos jurídicos utilizados contribui para o aumento da litigiosidade e a sensação de desamparo”, avalia.

Ele defende, ainda, o debate no Congresso Nacional com o objetivo de imposição de limites legais mais adequados que desestimule a utilização constante da prática de modular efeitos de decisões judiciais.

REsp 1.898.532
REsp 1.905.870

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Projeto determina citação do devedor antes da penhora na execução fiscal

O Projeto de Lei 1840/24 determina que a penhora on-line de dinheiro depositado em banco para quitar débito inscrito em dívida ativa seja precedida de citação do devedor. A proposta está em análise na Câmara dos Deputados.

Deputado Jonas Donizette fala ao microfone
Jonas Donizette, o autor da proposta – Zeca Ribeiro / Câmara dos Deputados

Atualmente, Código de Processo Civil dispensa o juiz de citar o devedor antes de realizar a penhora de valores depositados em bancos. Esta é feita por meio do BacenJud, um sistema que interliga a Justiça ao Banco Central e às instituições financeiras, via internet.

O autor do projeto, deputado Jonas Donizette (PSB-SP), afirma que essa regra entra em conflito com a Lei de Execução Fiscal, que trata da cobrança judicial da dívida ativa da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. Essa lei exige a citação prévia do devedor inscrito em dívida ativa antes da execução.

Para o deputado, a existência de dois comandos conflitantes traz insegurança jurídica para o processo de execução fiscal. “A falta de clareza ou consistência na interpretação da lei pelos tribunais gera decisões conflitantes em situações semelhantes. Essa incerteza gera controvérsias e litígios prolongados”, disse Donizette.

Próximos passos
O projeto será analisado em caráter conclusivo pelas comissões de Finanças e Tributação, e de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ). Para virar lei, a proposta precisa ser aprovada pela Câmara e pelo Senado.

Fonte: Câmara dos Deputados

 

Os desafios dos ativos virtuais

Os ativos virtuais são tema de debates importantes no mundo da tecnologia e do mercado financeiro, e devem ser acompanhados com atenção pelos operadores do Direito. O grande número e a facilidade das transações, bem como o volume de recursos envolvidos, chama a atenção para a necessidade de uma regulação do setor, para conferir segurança jurídica aos investidores e operadores, bem como para prevenir que os ativos virtuais sejam usados como instrumentos de lavagem de dinheiro.

Panorama global

Para aprofundar as reflexões sobre o tema, no dia 6 deste mês, o Grupo de Estudos sobre Lavagem de Dinheiro e Criptoativos da USP organizou um evento que reuniu autoridades regulatórias (como o superintendente da Susep, Alessandro Octaviani, a diretora da CVM, Marina Copola, membros da Receita Federal — Andrea Costa Chaves —, do Bacen — Antonio Marcos Guimarães —, do Coaf —Rafael Ximenes —, do Ministério da Justiça — Jean Uema, Secretário Nacional de Justiça, e Ricardo Saadi, da Polícia Federal), do Poder Judiciário e do Ministério Público (desembargador federal Nino Toldo, do TRF-3, desembargador Adalberto Camargo Aranha Filho, do TJ-SP, juiz Ulisses Augusto Pascolati Júnior, e os procuradores Andrey Borges de Mendonça e Diogo Erthal), dos setores regulados (Isaac Sidney, da Febraban, e Fernanda Garibaldi, da Zetta), do mundo acadêmico (a vice-diretora da Faculdade de Direito da USP, Ana Elisa Bechara e os professores Eduardo Salomão Neto e Fabio Rodarte), além de especialistas em novas tecnologias, como Lício Carvalho.

A heterogeneidade dos participantes permitiu uma visão global do mundo dos criptoativos e de seus desafios.

Todos apontaram os impactos dos ativos digitais nos mais diversos setores e trouxeram números importantes sobre o volume de transações e o espraiamento de operações dessa natureza. O Brasil é o sexto mercado de criptoativos do mundo, movimentando em 2023 cerca de US$ 26 bilhões. Foram cerca de 4,1 milhões de investidores no ano citado. Esse ambiente de intensas transações e negócios possibilitou o desenvolvimento de novas tecnologias que beneficiam não apenas o mundo dos ativos virtuais, mas também o desenvolvimento de outros setores, aprimorando a segurança e a agilidade em transações no mundo financeiro e comercial.

Necessidade de regulação

Diante dessa magnitude, os participantes do evento defenderam a relevância da regulação do setor para conferir segurança aos investidores e consumidores e evitar a lavagem de dinheiro. Vários modelos foram discutidos, desde a vedação total das transações em criptoativos (modelo da China), até sua aceitação total como moeda corrente (El Salvador), passando por experiências intermediárias de outros países, que podem servir de referência ao Brasil.

Foram apresentadas diversas propostas de regulação, das quais se destacaram: (1) a exigência de registro e cadastro no Banco Central das entidades que oferecem serviços relativos a ativos virtuais, as Vasps (virtual asset services providers); (2) a exigência de que essas Vasps informem seus clientes sobre as operações, sua forma e riscos, com transparência e dados consistentes; (3) a obrigação das Vasps de implementar sistemas de compliance, registrar e acompanhar as atividades de clientes, informar ao Coaf atos suspeitos de lavagem de dinheiro e à Receita Federal os bens e recursos de seus usuários.

Temas como a segregação patrimonial, a custódia dos criptoativos, a natureza das CaaS (Cripto as a Service), a exigência de que as Vasps tenham CNPJ no Brasil para operar e as obrigações de que essas entidades compartilhem dados sobre beneficiários finais de transações (travel rule) também foram debatidos. Uma regulação específica das stablecoins – ativos virtuais cujos valores são vinculados a ativos estáveis, como moedas fiduciárias (dólar, euro) ou commodities, como ouro  que aborde suas complexidades específicas, e da tokenização de ativos também foi objeto de discussão.

Outras pautas

No âmbito da Receita Federal, foram apresentadas propostas de aprimorar a troca de informações internacionais sobre ativos virtuais e o aprimoramento da Instrução Normativa nº 1.888 e do tratamento de eventuais inconformidades em relação às Vasps estrangeiras em operação no Brasil. No que se refere à CVM, foram discutidos critérios para reconhecer certos ativos virtuais como valores mobiliários.

No campo penal e processual penal, foram relatados casos de lavagem de dinheiro via ativos digitais e apontadas dificuldades na cooperação internacional, na recuperação de ativos e na execução de buscas e apreensões, sequestros, arrestos, bem como na custódia de tais ativos quando relacionados a práticas delitivas.

Como propostas de aprimoramento no setor, foram destacadas a formação técnica de autoridades e servidores para o uso de ferramentas de rastreamento desses ativos, o trabalho em conjunto da polícia e do Ministério Público e o uso de inteligência artificial no setor.

Também foram destacadas iniciativas recentes como a Resolução CNMP 288/24, que disciplina a atuação dos membros do Ministério Público em casos envolvendo a apreensão, custódia e liquidação de ativos virtuais, e o Acordo de Cooperação Técnica 133/24, celebrado entre o CNJ e a Abcripto  para integrar conhecimentos e desenvolver instrumentos para apoio processual, intelectual e tecnológico.

A íntegra do evento está disponível aqui.

Considerações finais

Cada discussão dessa natureza contribui para que as dificuldades sejam conhecidas e propostas de solução sejam identificadas, com a maturidade e serenidade que o tema exige. Espera-se que o resultado da soma desses debates seja uma regulação adequada, que proteja os investidores, iniba a lavagem de dinheiro e, ao mesmo tempo, crie um ambiente seguro para o desenvolvimento de uma atividade importante para a desburocratização de transações e para a inclusão financeira e digital.

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Dispensa por justa causa e o mundo digital

O surgimento das redes sociais revolucionou o mundo e a maneira como as pessoas interagem e se comunicam, já que permitiu que as informações sejam partilhadas em tempo real.

De acordo com o site global de estatísticas digitais DataReportal [1], no início de 2024 o Brasil já apresentava cerca de 187.9 milhões de brasileiros conectados à internet, um crescimento de 3.3% (6.1 milhões) em relação ao início do ano anterior. Desse total, 144 milhões de pessoas são usuárias de redes sociais, o que representa 63% da população total do país.

O amplo crescimento do mundo virtual, no entanto, trouxe consigo problemas inéditos, que em virtude da sua atualidade ainda não possuem uma solução clara e definitiva.

A expressão “internet é terra sem lei” está cada vez mais difundida nas redes, e apesar de já existirem entendimentos jurisprudenciais e leis que regulam diversos aspectos do seu uso, como é o caso da LEI nº 12.965/2014, que “estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil” [2], o tema ainda apresenta dificuldades latentes em diversos campos da área jurídica.

No plano trabalhista, observa-se claramente essa questão ao tratarmos da nova onda de rescisões por justa causa em virtude de posts e comentários em redes sociais.

De um lado da controvérsia, está o trabalhador que posta uma brincadeira, ou um comentário ofensivo relacionado ao seu trabalho, e do outro, as empresas que afirmam que tais comportamentos ferem sua imagem profissional.

Inicialmente, é importante lembrar que a justa causa configura é a sanção máxima aplicável ao empregado que resulta no rompimento do vínculo empregatício sem o pagamento de qualquer indenização. Neste caso, o empregado só tem o direito de receber os saldo de salário (últimos dias trabalhados) e as férias vencidas, se houver.

As hipóteses de dispensa motivada estão dispostas em lei de forma taxativa, especialmente previstas no artigo 482 da CLT. Destaca-se a alínea “k”, quase sempre presente nos processos que englobam as rescisões por justa causa em decorrência do mau uso das redes sociais e internet:

“Art. 482 – Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador:

k) ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;”

Neste sentido, cumpre salientar que a conclusão predominante dos tribunais do trabalho pende à aceitação de que essas faltas, mesmo quando praticadas fora do ambiente ou horário de trabalho, podem ensejar a dispensa por justa causa.

Liberdade de expressão e lesão à imagem

Ao tratarmos do tema, uma das questões mais debatidas é o direito à liberdade de expressão do trabalhador em contraposição à imagem pública da empresa.

Por mais que a liberdade de expressão seja uma das liberdades fundamentais, é imprescindível saber que, como todos os princípios constitucionais, a sua inviolabilidade não é absoluta, podendo o direito ser relativizado em propósito de proteger outro direito de mesma importância. Neste sentido, o tema de repercussão geral nº 837 do STF:

“Tema 837 – Definição dos limites da liberdade de expressão em contraposição a outros direitos de igual hierarquia jurídica – como os da inviolabilidade da honra e da imagem – e estabelecimento de parâmetros para identificar hipóteses em que a publicação deve ser proibida e/ou o declarante condenado ao pagamento de danos morais, ou ainda a outras consequências jurídicas.”

Logo, a depender da publicação feita em redes sociais, o dano causado à honra da empresa pode mitigar o direito à liberdade de expressão, resultando na dispensa do trabalhador por justa causa. Essa foi a conclusão da 6ª Turma do TRT da 3ª Região (MG), ao entender em favor da rescisão por justa causa da funcionária que difamou a empresa no LinkedIn a partir de posts e mensagens a outros internautas.

De acordo com a decisão, ficou evidenciada a intenção dolosa da autora de difamar publicamente a empresa. Uma vez provada a falta praticada, manteve-se a justa causa. A sentença, endossada pelo relator, discorreu sobre a responsabilidade por condutas praticadas nas redes sociais: “O meio digital, há algumas décadas, vem permitindo sua utilização, muitas das vezes, de maneira irresponsável, para extrapolar os limites das reivindicações que são reconhecidas quando da utilização devida dos meios legais cabíveis, violando e afrontando os direitos de imagem e de privacidade que são esteios da República. Esse juízo vem percebendo ao longo das duas últimas décadas a sucessão de casos envolvendo aplicação de justas causas em circunstâncias idênticas, o que demonstra, inclusive, a necessidade de regulamentação das mídias e de responsabilização de seus usuários, sempre que se denote um abuso nas informações, respostas e manifestações que extrapolam o ordinário. A popularização do acesso às mídias vem estabelecendo um número crescente de ‘comentaristas de opinião’ cujos atos, violam direitos comezinhos constitucionalmente tutelados, não estando isentos de responsabilidade” [3].

O entendimento também prevaleceu no processo nº 1000716-83.2019.5.02.0027, julgado pelo TRT da 2ª Região (SP), que declarou a importância positiva das redes sociais para as empresas e reforçou a dispensa por justa causa do trabalhador que publicou comentários ofensivos no Facebook com o objetivo de lesar a reputação da empregadora [4].

“DISPENSA POR JUSTA CAUSA – FALTA GRAVE – MENSAGEM POSTADA EM REDE SOCIAL (FACEBOOK) – CONFIGURAÇÃO – A importância positiva das redes sociais para as empresas, se define pelo ‘marketing de conteúdo’, que consiste no gerenciamento de estratégias para melhorar o reconhecimento e/ou identidade visual de um produto ou serviço, expondo tópico relevante, além de servir como um canal de atendimento, tanto para conquistar clientes, como um público-alvo. Portanto, é óbvio, que se uma empresa recebe um comentário negativo, esse pode ser visualizado pelos seus concorrentes e utilizado de forma prejudicial para a organização que o recebeu. E tal circunstância é agravada quando tal atitude parte de um funcionário. Afinal, embora as redes sociais funcionem no ambiente da Internet, não deixam de impactar profundamente ‘na existência das pessoas’ (físicas ou jurídicas), até porque, hoje, é difícil dissociar o ‘digital’ do ‘real’, porquanto muitas notícias saem primeiro na “web”, para após ser replicada em outras fontes de informações (jornais, revistas, etc.).”

O assunto passa a complicar, no entanto, quando as postagens não objetivam prejudicar a empresa. Um meme ou brincadeira compartilhada pelo empregador em rede social pode muito bem chegar ao conhecimento do empregador e, caso o seu post acabe sendo atrelado ao local que trabalha, há o perigo da rescisão por justa causa, como o caso do Processo n° 0000119-90.2022.5.12.0046 [5], julgado pelo TRT da 12ª Região (SC).

Conclusão

Por fim, resta evidenciada a complexidade do tema, que não possui uma conclusão definitiva e se encontra em constante debate.

O novo mundo digital carece de limitações bem estabelecidas, e, em virtude disso, resta óbvio que seu impacto no mundo real resultará em diversos conflitos, inclusive na esfera trabalhista. Em razão disso, é de suma importância que o trabalhador seja comedido e evite críticas públicas ao empregador.

4. EMENTA: DISPENSA POR JUSTA CAUSA – FALTA GRAVE – MENSAGEM POSTADA EM REDE SOCIAL (FACEBOOK) – CONFIGURAÇÃO – A importância positiva das redes sociais para as empresas, se define pelo “marketing de conteúdo”, que consiste no gerenciamento de estratégias para melhorar o reconhecimento e/ou identidade visual de um produto ou serviço, expondo tópico relevante, além de servir como um canal de atendimento, tanto para conquistar clientes, como um público-alvo. Portanto, é óbvio, que se uma empresa recebe um comentário negativo, esse pode ser visualizado pelos seus concorrentes e utilizado de forma prejudicial para a organização que o recebeu. E tal circunstância é agravada quando tal atitude parte de um funcionário. Afinal, embora as redes sociais funcionem no ambiente da Internet, não deixam de impactar profundamente “na existência das pessoas” (físicas ou jurídicas), até porque, hoje, é difícil dissociar o “digital” do “real”, porquanto muitas notícias saem primeiro na “web”, para após ser replicada em outras fontes de informações (jornais, revistas, etc. .). Desta maneira, no caso corrente, não há como negar que o reclamante, com o seu comentário ofensivo, além do uso de palavras de baixo calão e o expresso desejo de obter a própria demissão, aviltou a reputação de sua empregadora, como dos seus colegas de trabalho, na maior e mais representativa rede social do mundo na atualidade (Facebook), dando ensejo à justa causa para a ruptura do liame empregatício pelo empregador, na forma do artigo 482, alínea j (“ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa…”). Apelo do reclamante a que se nega provimento.

(TRT-2 – ROT: 10007168320195020027, Relator: NELSON BUENO DO PRADO, 16ª Turma)

5. PUBLICAÇÃO EM REDE SOCIAL DO EMPREGADO. COMPARTILHAMENTO DE “MEME”. ATO LESIVO À HONRA E BOA FAMA DO EMPREGADOR. DISPENSA POR JUSTA CAUSA. VALIDADE. As publicações realizadas nas redes sociais do trabalhador, atribuindo conduta desabonadora ao empregador, mesmo que através do compartilhamento de “memes”, ofende a sua honra e boa fama, autorizando a rescisão do contrato de trabalho por justa causa, com fundamento no art. 482, k, da CLT. <p style=”; display: inline;; display: inline;” (TRT-12 – ROT: 00001199020225120046, Relator: CESAR LUIZ PASOLD JUNIOR, 3ª Câmara)


[1] https://datareportal.com/reports/digital-2024-brazil

[2] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm

[3] https://portal.trt3.jus.br/internet/conheca-o-trt/comunicacao/noticias-juridicas/justica-mantem-justa-causa-de-trabalhadora-que-difamou-empregadora-na-rede-social-linkedin#:~:text=Justi%C3%A7a%20mant%C3%A9m%20justa%20causa%20de%20trabalhadora%20que%20difamou%20empregadora%20na%20rede%20social%20LinkedIn,-publicado%3A%2022%2F07&text=A%20Sexta%20Turma%20do%20TRT,manchar%20a%20imagem%20da%20empresa

[4] TRT-2 – ROT: 10007168320195020027, relator: NELSON BUENO DO PRADO, 16ª Turma

[5] TRT-12 – ROT: 00001199020225120046, relator: CESAR LUIZ PASOLD JUNIOR, 3ª Câmara

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Câmara aprova aumento da pena de feminicídio para até 40 anos

A Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 4266/23, do Senado, que aumenta a pena de feminicídio e inclui outras situações consideradas agravantes da pena. A matéria será enviada à sanção presidencial.

Discussão e votação de propostas. Dep. Gisela Simona (UNIÃO - MT)
Gisela Simona: medida reforça combate a esse crime bárbaro – Mário Agra/Câmara dos Deputados

Segundo o texto, o crime passa a figurar em um artigo específico em vez de ser um tipo de homicídio qualificado, como é hoje. A pena atual de 12 a 30 anos de reclusão aumenta para 20 a 40 anos.

A relatora do PL 4266/23, deputada Gisela Simona (União-MT), afirmou que a proposta contribui para o aumento da proteção à mulher vítima de violência. “A criação do tipo penal autônomo de feminicídio é medida que se revela necessária não só para tornar mais visível essa forma extrema de violência contra a mulher, mas também para reforçar o combate a esse crime bárbaro e viabilizar a uniformização das informações sobre as mortes de mulheres no Brasil”, destacou.

“A classificação do feminicídio como circunstância qualificadora do homicídio dificulta sua identificação. Em muitas situações, a falta de formação adequada ou de protocolos claros pode levar as autoridades a classificar o crime simplesmente como homicídio, mesmo quando a conduta é praticada contra a mulher por razões da condição do sexo feminino.”

Gisela Simona também destacou a importância de tornar pública a ação penal relativa ao crime de ameaça cometido contra a mulher por razões da condição do sexo feminino. “Além de melhor resguardar a integridade física e psicológica da ofendida, contribuirá para a redução da subnotificação desse tipo de violência e servirá de desestímulo à ação dos infratores, que não mais poderão contar com o silêncio das vítimas para se livrar da punição devida”, espera.

As novas situações que podem aumentar a pena (agravante) são de assassinato da mãe ou da mulher responsável por pessoa com deficiência e quando o crime envolver:

  • emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio cruel;
  • traição, emboscada, dissimulação ou recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido; e
  • emprego de arma de fogo de uso restrito ou proibido

Todas as circunstâncias do crime analisado serão atribuídas também ao coautor ou participante do assassinato.

Medidas protetivas
Na lei Maria da Penha, o projeto aumenta a pena do condenado que, no cumprimento de pena, descumprir medida protetiva contra a vítima. Isso ocorreria, por exemplo, para condenado por lesão vinculada a violência doméstica que progrediu de regime, podendo sair do presídio durante o dia, e se aproximou da vítima quando isso estava proibido pelo juiz.

A pena para esse crime de violação da medida protetiva aumenta de detenção de 3 meses a 2 anos para reclusão de 2 a 5 anos e multa.

Outros direitos
O texto muda também outros direitos e restrições de presos por crimes contra a mulher por razões da condição do sexo feminino, conceituadas pelo Código Penal como os crimes que envolvem violência doméstica e familiar ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

Assim, quando um presidiário ou preso provisório por crime de violência doméstica ou familiar ameaçar ou praticar novas violências contra a vítima ou seus familiares durante o cumprimento da pena, ele será transferido para presídio distante do local de residência da vítima.

No caso da progressão de regime, em vez de ter de cumprir 50% da pena no regime fechado para poder mudar para o semiaberto, o PL 4266/23 aumenta o período para 55% do tempo se a condenação for de feminicídio. Isso valerá se o réu for primário e não poderá haver liberdade condicional.

Se o apenado usufruir de qualquer saída autorizada do presídio terá de usar tornozeleira eletrônica e não poderá contar com visita íntima ou conjugal.

Todos os crimes
Em relação a outros direitos previstos na Lei de Execução Penal para todos os apenados, em vez de eles poderem ser suspensos ou restringidos pelo diretor do presídio, isso caberá ao juiz da execução penal. Será o caso de:

  • proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação;
  • visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados; e
  • correspondência

Agressão
Na lei de contravenções penais (Decreto-Lei 3.688/41), para o crime de agressão praticado contra a mulher por razões da condição do sexo feminino a pena de prisão simples de 15 dias a 3 meses será aumentada do triplo. A prisão simples é cumprida no regime aberto ou semiaberto em estabelecimento diferente do presídio para condenados.

Já o crime de ameaça, que pode resultar em detenção de 1 a 6 meses, terá a pena aplicada em dobro se cometido contra a mulher por razões do sexo feminino e a denúncia não dependerá de representação da ofendida.

De igual forma, crimes como de injúria, calúnia e difamação praticados por essas razões terão a pena aplicada em dobro.

Lesão corporal
Para os crimes de lesão corporal praticados contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou contra pessoa com quem o réu tenha convivido, a pena de detenção de 3 meses a 3 anos passa a ser de reclusão de 2 a 5 anos.

Igual intervalo de pena é atribuído à lesão praticada contra a mulher por razões de sua condição feminina. Atualmente, o condenado pega de 1 a 4 anos de reclusão.

Efeitos da condenação
A perda do poder familiar, segundo o texto aprovado, passará a atingir o condenado por crimes praticados em razão da condição do sexo feminino, independentemente de a mulher partilhar do mesmo poder familiar.

Um exemplo disso seria o feminicídio de uma mãe que antes de seu assassinato tenha perdido juridicamente o poder familiar sobre os filhos.

Essa consequência e outras como a perda de cargo ou mandato eletivo ou proibição de futura nomeação em função pública (desde a condenação em definitivo até o fim da pena) serão automáticas.

Execução da pena
A procuradora a Mulher, deputada Soraya Santos (PL-RJ), elogiou o recrudescimento do tratamento para agressores de mulheres na fase de execução da pena para concessão de benefícios. “Se não cumprir 55% da pena, não adianta pensar em regalia”, avisou. Soraya Santos cobrou mais recursos para monitorar agressores com tornozeleiras eletrônicas. “Das mulheres que morrem por feminicídio, 70% têm medidas protetivas. Nenhuma morreria se os agressores tivessem tornozeleiras eletrônicas.”

A deputada Erika Kokay (PT-DF) destacou a importância de tratar o feminicídio como um crime autônomo. “Enfrentar o feminicídio não é apenas recrudescimento penal. Envolve política de educação, cultura e multissetorialidade. É necessário termos uma sociedade onde não haja dor em sermos mulheres”, declarou.

Já a deputada Adriana Ventura (Novo-SP) ponderou que o aumento da pena pode inibir o feminicídio. “Aumento de pena não resolve tudo, mas inibe”, contrapôs. “A gente avança a partir do momento em que corta privilégios para quem comete abusos. Quem comete feminicídio não poderá ser nomeado a cargo público ou ter visita íntima.”

Fonte: Câmara dos Deputados

MPF abriu mais de 190 investigações sobre queimadas em um ano

O Ministério Público Federal (MPF) informou nesta quinta-feira (12) que abriu mais de 190 procedimentos de investigação envolvendo incêndios florestais e queimadas entre 2023 e 2024. Os dados foram apresentados durante reunião realizada nessa quarta-feira (11) pelo Comissão de Meio Ambiente do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que reuniu promotores para avaliar o trabalho da instituição no enfretamento às mudanças climáticas no país. De acordo com o levantamento, foram abertos 164 procedimentos extrajudiciais e 34 inquéritos policiais para investigar casos de queimadas irregulares. Entre as ações propostas, está a liminar na qual o MPF em Rondônia cobra do governo federal a contratação de 450 brigadistas, a compra de equipamentos de proteção individual (EPIs) e de viaturas para combater o fogo. Na terça-feira (10), o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino determinou medidas para o enfrentamento às queimadas na Amazônia e no Pantanal. Pela decisão, o governo federal deverá convocar mais bombeiros militares para compor o efetivo da Força Nacional que combate os incêndios nas regiões. Os novos integrantes deverão ser oriundos dos estados que não foram atingidos pelos incêndios. A Polícia Rodoviária Federal (PRF) também deverá ampliar o efetivo de fiscalização nas rodovias da região. — Fonte: Logo Agência Brasil

CCJ conclui discussão de proposta que limita decisão monocrática no STF; acordo adia votação

A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados concluiu, nesta quarta-feira (11), a discussão da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 8/21, que limita as decisões monocráticas (individuais) no Supremo Tribunal Federal (STF) e em outros tribunais superiores. A votação ficará para outra data.

 
Discussão e votação de propostas legislativas.Dep. Caroline de Toni (PL - SC). Dep. Reinhold Stephanes(PSD - PR). Dep. Chris Tonietto (PL - RJ).
Reunião Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania – Vinicius Loures / Câmara dos Deputados

 

Mais cedo, os líderes partidários na comissão fecharam um acordo de procedimentos para restringir o dia de hoje aos debates sobre o parecer do relator da PEC, deputado Marcel van Hattem (Novo-RS), favorável ao texto.

O relator afirmou que a proposta aprimora o quadro institucional do País “num momento de degeneração”. “Este Parlamento precisa se impor dentro daquilo que lhe é competente, o dever de resguardar as nossas funções legislativas”, disse.

Oriunda do Senado, a PEC 8/21 prevê o seguinte:

  • proíbe decisões individuais que suspendam a eficácia de leis ou atos dos presidentes dos poderes Executivo e Legislativo (Câmara e Senado);
  • permite decisões individuais apenas para a suspensão de eficácia de lei durante o recesso do Judiciário, em casos de grave urgência ou risco de dano irreparável, com prazo de 30 dias para o julgamento colegiado após o fim do recesso;
  • determina o prazo de seis meses para o julgamento de ação que peça declaração de inconstitucionalidade de lei, após o deferimento de medida cautelar – depois desse prazo, ela passará a ter prioridade na pauta do STF.
 
Discussão e votação de propostas legislativas. Dep. Marcel van Hattem(NOVO - RS).
Van Hattem: “Este Parlamento precisa se impor dentro daquilo que lhe é competente” – Vinicius Loures / Câmara dos Deputados

Debates
Durante a discussão do parecer do relator, deputados se alternaram contra e a favor da PEC.

O deputado Arthur Oliveira Maia (União-BA) deu o tom dos favoráveis à proposta. Ele afirmou que não era razoável um único ministro do Supremo suspender lei que passou por diversas instâncias antes de ser aprovada na Câmara e no Senado e sancionada pelo Executivo.

“Será que é razoável alguém imaginar que depois de todo esse trâmite, um ministro do Supremo, sozinho, sentado no seu gabinete, pegue aquela lei e, numa canetada só, desfaça o trabalho de 513 deputados, de 81 senadores, do presidente da República?”, questionou.

A deputada Bia Kicis (PL-DF) também defendeu a aprovação da proposta. Segundo ela, a medida não é “uma agressão a ministro do Supremo, mas uma garantia de direitos fundamentais de qualquer cidadão”.

Contrário à proposta, o deputado Chico Alencar (Psol-RJ) argumentou que o próprio Supremo já se antecipou à discussão do Congresso e, em 2022, mudou o seu regimento interno para estabelecer que algumas medidas cautelares decididas monocraticamente devem ser analisadas por colegiado (turma ou plenário) em até 90 dias.

“Estabelecer a restrição para o tempo de apreciação pela corte, pelo pleno, é um aspecto do projeto que já está até superado pelo próprio Regimento do Supremo”, disse Alencar.

Já o deputado Túlio Gadêlha (Rede-PE) contestou a necessidade da PEC. Ele afirmou que das 202 decisões monocráticas de ministros tomadas até 2022, apenas quatro não foram mantidas. “Esse debate é em torno de quê, dessas quatro decisões?”, questionou.

Fonte: Câmara dos Deputados

Autonomia patrimonial, desconsideração da personalidade jurídica e redirecionamento da execução

A autonomia patrimonial é um princípio fundamental do Direito Empresarial brasileiro, consagrado no Código Civil e reforçado pela Lei da Liberdade Econômica. Esse princípio assegura que o patrimônio da pessoa jurídica não se confunda com o patrimônio pessoal dos seus sócios, associados ou administradores.

Na prática, isso significa que as obrigações da empresa, em regra, não podem atingir os bens pessoais dos sócios, garantindo a separação e a proteção dos respectivos patrimônios. O objetivo desse mecanismo é criar um ambiente seguro para o empreendedorismo, incentivando a criação de negócios, a geração de empregos, inovação e tributos, sem que o risco empresarial recaia automaticamente sobre os bens pessoais dos empreendedores.

Desconsideração da PJ

Entretanto, em casos excepcionais, essa autonomia pode ser afastada. A desconsideração da personalidade jurídica, prevista de forma geral no artigo 50 do Código Civil, é a principal exceção ao princípio da separação patrimonial. Esse dispositivo legal estabelece que, em situações de abuso da personalidade jurídica, como desvio de finalidade ou confusão patrimonial, o juiz pode desconsiderar a separação entre os bens da empresa e os dos sócios ou administradores, permitindo que os credores da pessoa jurídica alcancem o patrimônio pessoal dos envolvidos.

Essa regra geral, no entanto, possui exceções e variações, dependendo do ramo do Direito em que for aplicada, como nas regras menos rígidas previstas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e no Código de Defesa do Consumidor (CDC), em que o intuito de proteção social demanda menos rigor para atingir o patrimônio pessoal dos sócios.

No campo doutrinário, a teoria maior e a teoria menor se apresentam como formas distintas de aplicação da desconsideração da personalidade jurídica. A teoria maior é mais rigorosa, exigindo a comprovação de abuso de direito, como o desvio de finalidade ou a confusão patrimonial, para que o patrimônio dos sócios e/ou administradores seja atingido. Essa teoria é amplamente aplicada nas relações civis e empresariais, onde a proteção da autonomia patrimonial é um valor crucial. Já a teoria menor é menos exigente, sendo aplicada em áreas como o direito trabalhista, ambiental e consumerista, em que basta a insolvência ou a incapacidade da empresa em cumprir suas obrigações para permitir a desconsideração.

Com efeito, essa distinção entre as teorias não é isenta de críticas. Parte da doutrina argumenta que a divisão pode gerar insegurança jurídica e que o foco deve estar na preservação da autonomia patrimonial, sempre que possível, respeitando a importância dessa proteção nas relações empresariais.

Além disso, a desconsideração não se limita apenas à possibilidade de os credores atingirem o patrimônio pessoal dos sócios. Existem situações, consagradas tanto na doutrina como na jurisprudência, em que o patrimônio da própria pessoa jurídica, ou até de outras sociedades, pode ser alcançado. Isso ocorre, por exemplo, na desconsideração inversa, quando o patrimônio da empresa é utilizado para satisfazer dívidas pessoais dos sócios, e na desconsideração expansiva, que ocorre quando o patrimônio de outras pessoas jurídicas do mesmo grupo é atingido em razão de confusão patrimonial. Também há a desconsideração indireta, em que se observa a criação de uma nova empresa para evitar o pagamento de dívidas da pessoa jurídica original.

Redirecionamento da execução

Em contrapartida, o redirecionamento da execução fiscal, permitido pelo artigo 135 do Código Tributário Nacional (CTN), não implica a desconsideração da personalidade jurídica nem o rompimento da autonomia patrimonial da empresa. Esse instituto é utilizado para responsabilizar pessoalmente os sócios ou administradores que, no exercício de suas funções, agiram com excesso de poderes ou infringiram a lei, o contrato social ou os estatutos da empresa. Nesse caso, a responsabilidade é pessoal e decorre de atos ilícitos praticados pelos gestores, sem que se afete a separação patrimonial entre a empresa e seus sócios. O redirecionamento pode ser aplicado, por exemplo, em casos de dissolução irregular da pessoa jurídica, conforme prevê a Súmula 435 do Superior Tribunal de Justiça, que presume a dissolução irregular quando a empresa deixa de funcionar no seu domicílio fiscal sem comunicar aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente.

No julgamento do Tema Repetitivo 962, o STJ estabeleceu que o redirecionamento da execução fiscal deve recair sobre o administrador que deu causa à dissolução irregular, e não sobre o sócio ou administrador que exercia a gerência à época do fato gerador do tributo, desde que este tenha se afastado regularmente e não tenha contribuído para a dissolução irregular. Essa decisão é essencial para delimitar a responsabilidade dos administradores e proteger aqueles que, embora tenham exercido funções gerenciais, não participaram de atos que levaram à dissolução irregular.

Ademais, o STJ, no Recurso Especial 1.786.311-PR, decidiu que o redirecionamento da execução fiscal, com base no artigo 135 do CTN, não exige a instauração do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica (IDPJ), pois trata-se de uma responsabilização pessoal dos sócios ou administradores por atos ilícitos, sem que haja qualquer tentativa de romper a autonomia patrimonial. Assim, o redirecionamento é um mecanismo distinto da desconsideração da personalidade jurídica e pode ser aplicado diretamente em casos de infração à lei ou ao contrato social.

Considerações finais

Conclui-se, portanto, que a desconsideração da personalidade jurídica e o redirecionamento da execução fiscal, embora possam atingir o patrimônio pessoal dos sócios ou administradores, possuem naturezas jurídicas diferentes. A desconsideração rompe a autonomia patrimonial quando há abuso da personalidade jurídica ou insolvência da pessoa jurídica, enquanto o redirecionamento apenas responsabiliza os administradores por suas práticas ilegais, sem afetar a separação entre os bens da empresa e os dos sócios. Apesar de sua aplicação ampla na jurisprudência, esses mecanismos devem ser utilizados com cautela para garantir que o princípio da autonomia patrimonial continue sendo um pilar de segurança nas relações empresariais e de incentivo ao empreendedorismo.


Referências bibliográficas:

  • COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2022.
  • CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021.
  • FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Teoria Geral. 10. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2023.
  • NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 14. ed. Salvador: JusPodivm, 2023.
  • STJ. Recurso Especial 1.786.311 – PR. Brasília, DF, 2019.
  • STJ. Tema Repetitivo 962. Disponível em: https://www.stj.jus.br. Acesso em: 2024.
  • Código Tributário Nacional, Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966.
  • Lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019 (Lei da Liberdade Econômica).

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Relatório de Riscos e Oportunidades Sociais, Ambientais e Climáticos (RIS) foi o tema da LiveBC

Publicado recentemente pelo Banco Central (BC), o Relatório de Riscos e Oportunidades Sociais, Ambientais e Climáticos (RIS) foi o tema da LiveBC deste mês de setembro (2/9). O documento tem como propósito dar transparência às ações voltadas à sustentabilidade empreendidas pelo BC, além de contribuir com o esforço internacional de divulgação de riscos e oportunidades ambientais, sociais e climáticos. 

Sustentabilidade

O Diretor de Assuntos Internacionais e de Gestão de Riscos Corporativos do BC, Paulo Picchetti, explicou que o RIS está em sua quarta edição, compreendendo o período de julho de 2023 a junho de 2024.

Picchetti afirmou que esse relatório deve ser visto a partir de um contexto no qual a atuação do BC é mais ampla do que aquela ligada ao Sistema Financeiro Nacional (SFN) diretamente. Ele lembrou que a Agenda BC#, que compreende os pilares de atuação da instituição, tem uma dimensão integralmente dedicada à questão da sustentabilidade, o que ratificou um compromisso histórico do BC, assim como formalizou a sua preocupação com o fomento às finanças verdes e com uma transição climática sustentável.

Catástrofe no Rio Grande do Sul

O diretor do BC comentou sobre os efeitos do evento climático ocorrido no Rio Grande do Sul no último mês de maio e suas consequências para a política monetária.

Picchetti lembrou que esse estado é responsável por 70% da produção de arroz e 40% da de trigo do Brasil. Dessa forma, com a oferta comprometida, os preços sobem – impactos de curto prazo foram sentidos no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de maio. Quando isso acontece, passa a existir uma relação com o mandato do BC de assegurar o poder de compra da moeda. 

Continuidade

Picchetti lembrou que os choques climáticos extremos aparentemente não são mais aleatórios e temporários, mas uma tendência e estão aqui para ficar. Por isso, de acordo com ele, o BC faz parte de uma iniciativa que envolve bancos centrais de todo o mundo cujo propósito é agir de forma proativa no que diz respeito às mudanças climáticas por meio da Network for Greening the Financial System (NGFS).

“Política monetária, regulação, incentivos e criação de instrumentos financeiros podem e devem ser orientados para mitigar a questão do aquecimento global”, destacou o diretor.

Análise

Para Picchetti, o impacto de crises climáticas na economia, do ponto de vista analítico, precisa ser quantificado. Ele citou o caso de Mariana (MG). A análise do que aconteceu no município mineiro corrobora o entendimento de que demora bastante tempo para que os efeitos de crises ambientais se dissipem e deixem de influenciar negativamente a economia e o sistema financeiro.

Responsabilidade socioambiental

Durante a LiveBC #37, o diretor comentou sobre a atuação da instituição para fomentar a responsabilidade social, ambiental e climática nas instituições financeiras.

Picchetti afirmou que a prática já acontece no BC e citou como exemplo disso o bureau de crédito rural, que utiliza tecnologias modernas, como o georreferenciamento, para realizar análises que irão impactar diretamente na concessão de crédito rural. 

Títulos sustentáveis

Ainda não há metodologias e métricas consolidadas na literatura e no mercado internacional como melhores práticas de avaliação de riscos climáticos para construção de carteiras de investimento. Mas está em curso um esforço para que investidores e instituições divulguem e acompanhem os riscos climáticos de suas posições financeiras.

Levando-se em consideração critérios de segurança, liquidez e rentabilidade, Picchetti disse que o BC investe em títulos sustentáveis quando aplica parte de suas reservas internacionais. 

Há quatro anos, o BC tinha aproximadamente U$200 milhões em títulos que podiam ser considerados sustentáveis. No final de 2023, esse número estava próximo de U$3 bilhões.

Distribuição de numerário

Picchetti lembrou que o BC, no que diz respeito à distribuição de numerário pelo país, estuda a renovação da frota dos veículos que fazem esse trabalho. Um dos critérios para os novos carros é menos emissão de carbono. 

O próprio numerário antigo, explicou o diretor, já é usado na produção de cimento, por exemplo. Por sua vez, a regional do BC de Salvador implementou painéis solares para se tornar menos dependente de energia elétrica.

Atividades rurais sustentáveis

Segundo o diretor, desde que o BC reforçou a conformidade socioambiental das operações no momento da contratação, mais de 1,2 mil tentativas de registro de operações foram barradas por não se adaptarem aos critérios ambientais. Isso dá um volume de mais de R$700 milhões de crédito rural. E, desde que o Cadastro Ambiental Rural (CAR) passou a ser utilizado como referência para os limites do imóvel rural, mais de 30 mil pedidos de registro também foram impedidos. 

G20

Picchetti também falou sobre a importância, para a temática sustentável, da atual presidência brasileira do G20; da realização da COP-30 no ano que vem em Belém (PA); e da presidência brasileira do BRICS em 2025. A utilização desses grandes fóruns para discussão do tema traz a chance de influenciar positivamente o debate internacional. 

Acesse o Relatório de Riscos e Oportunidades Sociais, Ambientais e Climáticos (RIS) aqui. Assista à live na íntegra aqui.

Fonte: BC

O crime de sonegação à luz da jurisprudência do STJ

É fato típico “suprimir ou reduzir tributo” mediante o emprego de um dos expedientes fraudulentos descritos no artigo 1º da Lei 8.137/1990. Os verbos utilizados no dispositivo legal revelam que a escolha política do legislador foi proteger a ordem tributária, sancionando criminalmente o comportamento do qual resulte concreto prejuízo à arrecadação.

Como ensina Hugo de Brito Machado, nesse sentido, “todas as condutas descritas nos nº I a V do artigo. 1º da Lei 8.137/1990 pressupõe que, por meio delas, haja efetiva supressão ou redução do tributo devido aos cofres públicos” [1], classificando-se os tipos ali dispostos como crimes materiais, isto é, aqueles cuja ação ou omissão estão relacionadas a um resultado naturalístico indispensável à configuração do delito.

Por decorrência dessa opção legislativa, para que a exação possa ser sonegada, ela deve ser tida por devida antes de tudo, o que quer significar que não parece possível caracterizar a supressão ou redução de tributo se, em primeiro lugar, não se reputar obrigatório o cumprimento da obrigação fiscal correspondente, o que está em consonância com o entendimento bastante consolidado pela jurisprudência. [2]

Pagamento

A legislação penal, nessa trilha, determina a extinção da pretensão punitiva quando verificado o pagamento antes do recebimento da denúncia (Lei nº 9.249/1995, artigo 34 [3]), além da suspensão no caso de parcelamento (Lei nº 11.941/2009, artigo 68), tendo o Superior Tribunal de Justiça, fundado no dogma da autonomia da instância penal, construído interpretação no sentido de que essas seriam hipóteses taxativas aptas a impactar a persecução penal (AgRg no RHC nº 173.258/PB, relator: ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Julgado em 14/2/2023).

Na linha dessa interpretação e à míngua de disciplina legal específica, a apresentação de garantia na execução fiscal não repercute sobre a esfera penal, ficando apenas recomendada a paralisação do processo penal nos casos de suspensão da exigibilidade do crédito. [4]

Esse entendimento deve sofrer justas críticas, já que, entre outras razões, suspensa a exigibilidade ou resguardada a exigência por garantia idônea, resta esvaziada a possibilidade de dano ao bem jurídico tutelado pela norma penal, pois ausente o prejuízo à arrecadação.

Assim, com intuito de aprimorar o sistema jurídico, seria de se sustentar a necessidade de modificação da lei penal para determinar a suspensão da pretensão punitiva nessas hipóteses, medida que, embora inegavelmente útil na dimensão prática, alerta sobre a necessidade de questionamento acerca da compatibilidade da posição jurisprudencial restritiva com a unicidade do ordenamento jurídico.

Isso porque, mesmo não havendo dúvidas de que deixar de pagar tributo valendo-se dos expedientes maliciosos elencados no artigo 1º da Lei 8.137/1990 é conduta típica, tal não necessariamente significa que se trate de fato penalmente punível.

É que a tipicidade é elemento necessário, mas não suficiente para a configuração de um crime, impondo-se a verificação da antijuridicidade, que “corresponde determinar se a conduta típica é contrária ao Direito, isto é, ilícita, e constitui um injusto. O termo antijuridicidade expressa, portanto, um juízo de contradição entre a conduta típica praticada e as normas do ordenamento jurídico”. [5]

Sistema jurídico

Quer dizer: para haver crime, não basta que a ação se amolde à descrição de um tipo penal específico. Ela deve, também, contrariar o sistema jurídico, cabendo-se perquirir “se o fato típico é realmente desaprovado pelo ordenamento jurídico ou se, no caso, existe alguma circunstância que o autorize”, isto é, a antijuridicidade é uma “contradição da realização do tipo de uma norma proibitiva com o ordenamento jurídico em seu conjunto (não somente com uma norma isolada)”. [6]

A norma penal, porque é parte integrante de um ordenamento jurídico amplo, toma, entre os comportamentos socialmente inaceitáveis, aqueles considerados mais graves e que, por isso, merecem a cominação de pena como contrapartida.

Assim, por representar ofensa aos bens jurídicos mais relevantes, um ilícito penal não pode ser reputado lícito em outras áreas do direito e “um ato lícito no plano jurídico-civil não pode ser ao mesmo tempo um ilícito penal.” [7]

A conduta, portanto, apenas pode ser punida criminalmente se estiver em descompasso, também, com as regras extrapenais, o que inclui as de natureza tributária. Nesse caminho, aduz Francisco de Assis Toledo que “o que é civilmente lícito, permitido, autorizado, não pode estar, ao mesmo tempo, proibido e punido na esfera penal, mais concentrada de exigências quanto à ilicitude”. [8]

Desse modo, não seria estritamente necessário, embora possa representar um caminho mais fácil, que a lei penal seja modificada para proteger de aplicação da pena prevista no artigo 1º da Lei 8.137/1990 o contribuinte que apresenta garantia na execução fiscal ou obtém decisão judicial suspensiva da exigibilidade do crédito. Basta, para tanto, que a conduta dele, embora típica, não seja classificada como antijurídica, isto é, seja reputada amparada pela lei tributária.

Conduta típica

Vale dizer, a influência de uma norma permissiva, ainda que de cunho extrapenal, impede que a norma penal geral e abstrata se traduza em dever jurídico concreto para o contribuinte. É uma autorização do sistema jurídico para a prática de uma conduta típica, já que, como lembra Cezar Roberto Bitencourt, “qualquer direito, público ou privado, penal ou extrapenal, regularmente exercido, afasta a antijuridicidade.” [9]

E o sistema jurídico é farto em exemplos de comportamentos que, abstratamente previstos na lei penal, estão justificados por normas de outra natureza, que resguardam interesses valiosos e igualmente merecedores de proteção. Esse é o caso, por exemplo, do artigo 1.210 do Código Civil, que permite o uso da força para proteção da posse, o que, desde que realizado nos limites da lei civil, afasta a possibilidade de punição criminal.

Do mesmo modo, embora “fazer justiça pelas próprias mãos” seja fato tipificado no artigo 345 do Código Penal, a lei extrapenal, atendidas determinadas condições, faculta ao hospedeiro a reter bens dos consumidores sem intervenção judicial, descaracterizando a configuração do crime nessa situação.

Garantia

Possível sustentar, com base nessas mesmas premissas, que todos os contribuintes que apresentam garantia idônea em execução fiscal agem de acordo com a norma extrapenal, que acolhe essa conduta como legítima alternativa ao pagamento, sem qualquer restrição quanto a eventual acusação de prática de crime anterior.

A apresentação de garantia, com a aceitação pela fazenda credora e a certificação pela autoridade judicial, por conseguinte, funcionam como norma de assimilação do fato típico ao sistema jurídico, o que autoriza o reconhecimento de que o contribuinte que assim age (apresentando garantia, reitere-se), tal qual o possuidor que usa violência legítima, tem a conduta protegida pelo ordenamento e não pode mais ser considerado criminoso.

A decisão judicial que suspende a exigibilidade do crédito supostamente sonegado, do mesmo modo, é calcada em autorização legal (CTN, artigo 151), e, enquanto perdurar, afasta a antijuridicidade da conduta, o que equivale a dizer: se o contribuinte, ainda que provisoriamente, não está obrigado a efetivar o pagamento, porque a norma tributária assim admite, não há materialmente supressão ou redução de tributo exigida no artigo 1º da Lei 8.137/1990.

Trata-se de um argumento de natureza material, que prestigia a unicidade do sistema jurídico e que oficia como autorizador da conduta do contribuinte, mantida a proclamada independência entre as esferas penal e cível, que se dá no plano processual.

Desse modo, o que podemos inferir, em arremate, é que a jurisprudência do STJ sobre o tema, além de todas as críticas que sofre da doutrina, não parece estar em linha com a opção política do legislador ao criminalizar o contribuinte que, goste-se ou não, atua no exercício de uma posição juridicamente legitimada pelo sistema normativo.

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[1] MACHADO, Hugo de Brito. Crimes contra a ordem tributária. 4ª ed. São Paulo: Gen/Atlas, 2015, p. 23 citado por STOCO, Rui; STOCO, Tatiana de Oliveira. Crimes contra a ordem tributária. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 91.

[2] Súmula Vinculante nº 24 – Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no artigo 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo.

[3]  Art. 34. Extingue-se a punibilidade dos crimes definidos na Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e na Lei nº 4.729, de 14 de julho de 1965, quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia.

[4] AgRg no RHC n. 66.007/CE, Relator Ministro Ribeiro Dantas, julgado em 28/4/2020

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS CORPUS. CRIME TRIBUTÁRIO. MEDIDA LIMINAR DEFERIDA NA AÇÃO CÍVEL ANULATÓRIA. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. ART. 151 DO CTN. PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DA TESE. MATERIALIDADE DELITIVA PREJUDICADA. AGRAVO NÃO PROVIDO.

  1. A orientação desta Corte Superior disciplina que o simples ajuizamento de ação anulatória na esfera cível não configura óbice à persecução penal. Contudo, a procedência da ação anulatória, ou mesmo o deferimento de tutela provisória com suspensão da exigibilidade do crédito tributário, nos termos do art. 151, V, do CTN, prejudica o exame da materialidade do delito tributário. (RHC 113.294/MG, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 13/08/2019, DJe 30/08/2019).
  2. Nesse sentido, constatando-se dúvida razoável sobre a própria materialidade do delito, materializada com o deferimento da medida liminar na ação anulatória, é aconselhável aguardar a definição da controvérsia no juízo cível, determinando-se a suspensão do inquérito policial.
  3. Agravo regimental não provido.

[5] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal – v. 1: parte geral (arts. 1 a 120). 17ª ed. São Paulo: Saraiva Jur, 2012. P. 147.

[6] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal – v. 1: parte geral (arts. 1 a 120). 17ª ed. São Paulo: Saraiva Jur, 2012. P. 147.

[7] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal – v. 1: parte geral (arts. 1 a 120). 17ª ed. São Paulo: Saraiva Jur, 2012. P. 149.

[8] TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de Direito Penal, 5ª ed., São Paulo, Saraiva, 1994, p. 166.

[9] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal – v. 1: parte geral (arts. 1 a 120). 17ª ed. São Paulo: Saraiva Jur, 2012. P. 161.

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