O miado do leão: golpe tentado, crime consumado e argumento de algibeira

Dez entre dez brasileiros começaram a discutir as ações descritas no Relatório do Inquérito Policial Federal nº 2021.0044972 — sim, aquele mesmo com quase 900 páginas e que redundou no indiciamento de generais, oficiais do Exército, políticos e do ex-presidente Bolsonaro. Quem não tem formação jurídica se tornou “expert”, cada um tem sua opinião, mas o pior é que agentes políticos passaram a incorporar discursos cada qual favorável aos seus interesses. Ocorre que o conteúdo jurídico não tem essa instabilidade que se pretende reconhecer. Os tipos penais são muito claros, descritos na Lei 14.197/2021 a saber:

“Art. 359-L. Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais: Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, além da pena correspondente à violência.”

Ou ainda:

“Art. 359-M. Tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído: Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos, além da pena correspondente à violência.”

Estamos tratando dos crimes chamados “lesa pátria” (tal como o revogado artigo 17 da Lei de Segurança Nacional (Tentar mudar, com o emprego de violência ou grave ameaça, a ordem, o regime vigente ou o Estado de Direito).

Os artigos 359 “L” e “M” sucedem justamente o artigo 17 da Lei de Segurança Nacional, de modo que possuem essa natureza e são punidos justamente quando apenas tentados. Os crimes “lesa pátria” são aqueles praticados contra a segurança jurídica das instituições democráticas. Como não existe “tentativa da tentativa”, ou o crime está configurado ou não.

Há uma peculiaridade nesses dois tipos penais, que é a referência ao uso de violência ou grave ameaça para “tentar depor” ou “tentar abolir”. É que não existe tentativa de deposição ou de abolição do governo ou do Estado democrático de Direito sem violência ou grave ameaça, a abolição ou deposição estão implicitamente contidas nestes dois verbos.

A razão é simples: se o governo é eleito e empossado de acordo com o regime eleitoral, não poderá ser deposto senão com o uso de violência ou grave ameaça, já que não existe previsão constitucional de deposição. Qualquer deposição necessariamente só poderia ser executada com recursos contra-legem, ou seja, com violência ou grave ameaça. Da mesma forma, não existe abolição sem o uso da coação moral ou da força, de forma que a própria ação do verbete indica a necessidade do exercício da força. A única exceção possível seria a apresentação de modificação constitucional ao Congresso, a qual todavia, não poderia ser apreciada por confrontar cláusulas pétreas.

Resumindo, a salvaguarda se dá unicamente para aqueles que, pretendendo uma ruptura do Estado Democrático, apresentem projetos para apreciação legislativa, mesmo que esta seja de evidente rejeição. É a hipótese dos grupos monarquistas, por exemplo, cujo objetivo seria a restauração do regime monárquico brasileiro. Proposta pode ser apresentada nesse sentido, sem que haja risco ou possibilidade de criminalização. Ou a proposta da criação do cargo de presidente da República vitalício — tal projeto pode ser apresentado, sem que configure a prática de crime, mas, se sua aprovação é possível ou não, são outros quinhentos.

Outra questão é o rompimento da barreira da cogitação para a inserção no ambiente da tentativa. Os crimes “lesa pátria”, por serem previstos apenas na modalidade tentada, são de simples atividade, ou mera conduta, e não exigem qualquer resultado naturalístico, nenhuma modificação no mundo físico. Obviamente, há resultado jurídico, o que é outra questão, mas resultado físico não há.

Desta forma, não há necessidade de que bombas tenham sido explodidas, carros incendiados, tiros desfechados ou manobras militares executadas. Basta, tão somente, que havendo decisão neste sentido haja manifestação da vontade criminosa. A pergunta fundamental a ser feita é, portanto, verificar se os agentes criminosos manifestaram sua vontade nesse sentido, através do que se chama “atos exteriores de vontade”, e se o vínculo para a obtenção do “tentar depor” ou “tentar abolir” foi externalizado, caracterizando o comportamento criminoso.

À semelhança do crime de formação de bando ou quadrilha, por exemplo, há necessidade de que exista a finalidade específica de agir nos termos criminais e estabilidade ou permanência desta intenção, independentemente de ter sido executada ou não.

Mesmas colocações que se faz em relação ao delito de associação criminosa, em que se exige também um número maior de participantes, além de hierarquia e divisão de tarefas. E no apontado relatório da Polícia Federal pululam atos exteriores de vontade gerando ações de caráter naturalístico (físico) tanto quanto grãos de milho em óleo quente.

Muito mais que uma simples cogitação

As comunicação apreendidas contêm diálogos claríssimos entre os membros da associação criminosa apontando-se a execução de atos de cooptação de outros militares, planejamento de pelo menos um homicídio, disposição de material de guerra para a execução da guerra (caso da Marinha que colocou tanques à disposição do golpe), ações políticas e midiáticas para deslegitimar o processo democrático e assim justificar o golpe, manipulação de atos públicos de apoio ao golpe de Estado, aqui falando da manifestações defronte aos quartéis, hostilização pública de militares contrários ao golpe, elaboração de minutas do golpe com a previsão das formalidades legais necessárias para a substituição dos Poderes Republicanos, reuniões de planejamento, tudo feito por oficiais generais e de alto escalão.

Nestas comunicações se fala claramente em contagem de adesões ao golpe, menções expressas a “op psico” (operações psicológicas), inclusive com a menção expressa à crítica ao uso das urnas eletrônicas como foco de manutenção da mobilização da massa.

Foram apreendidos, ainda, dados do planejamento subdivididos em ideias força, estado final desejado e centro de gravidade, incluindo-se aí a criação de um Gabinete de Crise (criada por eles mesmos), ações estratégicas no campo informacional. Um elemento a ser destacado neste item é a identificação do centro de gravidade, o principal obstáculo ao êxito do golpe. Tal centro de gravidade seria, justamente, o ministro Alexandre Moraes, do STF, reconhecido como polo de “força, poder e resistência físico-moral”.

A neutralização do ministro pela execução ou prisão se daria no dia 15 de dezembro de 2024, sendo executada por militares das Forças Especiais. O plano tinha até nome e codinomes para os integrantes que usavam telefones específicos entre si. A enumeração ainda iria longe, mas por ora basta para tornar patente que as ações foram muito mais longe do que uma simples cogitação, estão além do simples estado mental ou da predisposição para a prática de uma ato. O que se em vê no relatório da Polícia Federal é a concretização de atos físicos específicos com o intento de criar a progressão que resultaria no golpe de Estado.

Obviamente, ainda, que dentro dessa perspectiva estão fatos mais longínquos no tempo, dentre estes os acampamentos, incentivados pelo golpismo, os tumultos e a tentativa de invasão da sede da Política Federal e os atos de 8 de janeiro de 2023. Fatores que são somados e não excluídos.

A tropa não desfechou o ataque, não atingiu o clímax da empreitada, o ato final não se realizou. A causa foi a resistência de outros oficiais que se negaram a participar e até mesmo registraram que se oporiam a tal desiderato. Mas se o zênite não ocorreu, isto não significa que o crime não tenha ocorrido, tudo porque, conforme o exposto, se trata de crime “lesa pátria”, que prevê em si apenas a tentativa como ato criminoso. O zênite não se torna nadir.

Todo o processo concatenado de atos noticiado no relatório do inquérito policial tipifica a conduta, pouco importando se a ação teve sucesso ou insucesso, se no último momento faltou coragem para o enfrentamento ou não. É fato que houve o conluio, conforme se mostra no relatório, e isso basta para a configuração do delito em sua especialidade e natureza jurídica.

Também não se pode admitir que as ações sejam ditas como fancaria, obra de galhofeiros e muito longe de uma real combinação. Isso porque estamos falando de generais estrelados, oficiais graduados, militares elitizados. Se tais indivíduos podem ser reduzidos a galhofa, então há algo de errado nas Forças Armadas.

Argumento de algibeira

Existem ainda outras ponderações a serem feitas, embora de natureza tangencial. De primeiro, a questão da presidência dos autos pelo ministro Alexandre de Moraes pelo fato de ter sido vítima da ação. É um equívoco, o crime é praticado contra o Estado Democrático de Direito e, sendo este a vítima, não há correspondência entre o bem jurídico tutelado (Estado Democrático) e nenhuma pessoa física. Caso for levada em consideração a mal-sucedida tentativa de morte ou prisão, lembramos que, neste caso, se trata de desistência voluntária, ou seja, os próprios criminosos desistiram de praticar o crime, de forma que responderiam apenas pelos atos já praticados (no caso os delitos dos artigos 352 “L” e “M” do Código Penal.

Resumidamente, o ministro Alexandre de Moraes per si não é vítima de nada. Por outro lado, ainda, a abolição do Estado Democrático levaria à extinção dos poderes constitucionais, dentre estes o Judiciário, especialmente o Supremo Tribunal Federal, de modo que os demais ministros também seriam vítimas da ação criminosa.

Não é incomum que acusados em crimes usuais tentem afastar magistrados com o argumento da inimizade pessoal, um argumento dito “de algibeira”, exceto nas expressas previsões legais, não sendo, agora, o caso.

Por fim, a questionada duração de procedimentos policiais em casos complexos. Nesse caso, em específico, convém lembrar que há sucessão de ações no tempo durante a própria tramitação, resumindo, mesmo diante da instauração, outras ações criminosas foram práticas em acréscimo às anteriores, de forma que tecnicamente nenhuma irregularidade há.

Aliás, após a apresentação do relatório, é de se espantar que os membros da turba que tanto se jactavam de sua condição, “caveiras”, “kids pretos”, “Punhal Verde-Amarelo”, “patriotas” e todos os termos desse naipe, exalando coragem e o sacrifício das própria vidas, agora usem dos recursos de defesa mais tradicionais, que vão do “não me lembro de ter escrito isso” ao “não sabia” ou “saí antes” — usando e abusando, assim, da chamada “Teoria do Avestruz”, ou “Ostrich Instructions”, defesa clássica, principalmente no Direito norte-americano, em que o agente se coloca deliberadamente em posição de ignorância.

Parece que a coragem bateu asas, a convicção se escondeu, a jactância emudeceu. Seria assim em batalha? Por aqui, o leão miou.

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Comissão aprova projeto que obriga empresa de inteligência artificial a oferecer ferramenta para proteger direito autoral

A Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 1473/23, que obriga empresas de inteligência artificial (IA) a disponibilizarem ferramentas para autores restringirem o uso de seus conteúdos pelos algoritmos.

 
Deputada Jandira Feghali fala ao microfone
Feghali: direitos autorais serão cada vez mais impactados por inteligências artificiais – Mário Agra/Câmara dos Deputados

O objetivo do autor da proposta, deputado Aureo Ribeiro (Solidariedade-RJ), é preservar os direitos autorais.

Segundo o parlamentar, o termo de uso da OpenAI (desenvolvedora do ChatGPT), por exemplo, já permite fazer reclamação sobre direitos autorais. É possível enviar uma notificação pedindo a exclusão ou desabilitação de conteúdo supostamente infrator. 

Parecer a favor
O p
arecer da relatora, deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), foi favorável à proposta, com emenda.

Ela concordou com Ribeiro que “os autores de textos e proprietários de conteúdo disponíveis na internet podem não querer que os modelos de inteligência artificial coletem informações sobre o conteúdo produzido por eles”.

Proteção preventiva
Segundo Jandira Feghali, a questão ganha ainda mais relevância quando se trata de conteúdos artísticos e culturais. “A intenção é que a efetiva proteção dos direitos do autor seja ‘preventiva’, e não ‘reativa’”, disse.

“Esse é um passo fundamental nesse sentido, pois os direitos autorais têm sido e serão cada vez mais frontalmente impactados pelo rápido desenvolvimento de inteligências artificiais generativas”, acrescentou. 

O projeto prevê prazo de 120 dias para as plataformas se adaptarem à norma e oferecerem aos autores as ferramentas adequadas para controle e proteção de seus direitos autorais, em especial os direitos patrimoniais. 

Mudança
Emenda apresentada pela relatora altera a expressão empresas que “operam” sistemas de IA por empresas que “desenvolvem” esses sistemas. 

“A alteração proposta visa deixar mais claro que a obrigação de desenvolver ferramentas de preservação dos direitos autorais é das proprietárias dos sistemas de IA, ou seja, das empresas que desenvolveram a tecnologia”, explicou.  

Próximos passos
A proposta tramita em caráter conclusivo e será analisada agora pelas comissões de Ciência, Tecnologia e Inovação; e de Constituição e Justiça e de Cidadania.

Para virar lei, precisa ser aprovada pela Câmara e pelo Senado.

 
Fonte: Câmara dos Deputados

Contencioso tributário é analisado pelo TCU

Tribunal decidiu manter o tema “Eficiência da Cobrança e do Contencioso Tributários” na Lista de Alto Risco da administração federal (LAR)

O Tribunal de Contas da União (TCU) analisou, sob a relatoria do ministro Walton Alencar Rodrigues, Relatório de Acompanhamento realizado para verificar o progresso no tratamento dos riscos relativos à “Eficiência da cobrança e do contencioso tributários”. O TCU também avaliou a manutenção do tema na Lista de Alto Risco da Administração Pública Federal (LAR).

Na decisão, o TCU resolveu manter todos os riscos do tema “Eficiência da Cobrança e do Contencioso Tributários” na LAR, para que sejam acompanhados pela Corte de Contas novamente daqui a dois anos.

“De fato, os resultados da nossa fiscalização evidenciam que, em que pese alguns avanços tenham sido observados, os riscos associados à eficiência da cobrança e do contencioso tributários persistem e ainda requerem atenção e acompanhamento por parte deste Tribunal”, observou o ministro Walton Alencar Rodrigues, relator do processo no TCU.

Achados da fiscalização

Em relação à duração do contencioso tributário, verificou-se redução nos prazos médios de tramitação dos processos. Nas Delegacias de Julgamento da Receita Federal (DRJ) houve redução de 2,6 anos para 2,3 anos.

“Já no Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf), houve redução de 3,7 anos para 3,3 anos. Embora tenha havido tal redução, a duração média permanece significativamente acima do prazo legal de 360 dias”, apontou o ministro-relator.

Por sua vez, na Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), responsável pela cobrança judicial dos créditos tributários, houve redução no prazo médio de tramitação das execuções fiscais, de 17 anos em 2020 para 12,2 anos em 2023.

“Ainda assim, trata-se de tempo excessivo, que compromete a efetividade da cobrança e a recuperação dos créditos devidos à União”, ponderou o relator.

Quanto à efetividade na arrecadação no processo administrativo fiscal, verificou-se ligeiro aumento no Carf: a arrecadação passou de 2,25% para 2,94% em relação ao valor total das autuações mantidas pelo Conselho.

“Apesar do crescimento, esse percentual ainda é baixo, indicando que menos de 3% dos valores das autuações confirmadas pelo Carf são efetivamente arrecadados”, enfatizou o ministro-relator da Corte de Contas, Walton Alencar Rodrigues.

“Como se vê, todos esses riscos representam problemas crônicos do país, nos quais o Tribunal já realizou diversas ações, mas não observou progresso satisfatório em sua solução. A manutenção dessas questões na Lista de Alto Risco é, portanto, essencial para que continuem sendo monitorados e recebam a devida atenção por parte dos órgãos responsáveis”, alinhavou o ministro-relator.

O que é LAR

A Lista de Alto Risco da Administração Pública Federal, publicada inicialmente pelo TCU em 2022, foi inspirada na High Risk List do Government Accountability Office (GAO), órgão de controle dos Estados Unidos.

“A elaboração da LAR considerou trabalhos realizados pelo Tribunal de Contas da União nos cinco anos anteriores e, com base nos critérios estabelecidos, foram listados temas que possuíam alto risco de comprometer a qualidade das políticas e dos serviços públicos ofertados à sociedade”, explicou o ministro-relator Walton Alencar Rodrigues.

A primeira edição da LAR inclui 29 áreas que representam riscos significativos para a administração federal, seja pela vulnerabilidade à fraude, desperdício, abuso de autoridade, má gestão ou pela necessidade de mudanças profundas para que os objetivos das políticas públicas sejam alcançados.

“Os 29 temas identificados na primeira LAR são, de fato, de extrema relevância, tais como a conformidade dos pagamentos de pessoal e benefícios sociais; a gestão de benefícios administrados pelo INSS; o cumprimento das regras fiscais; a transparência e efetividade das renúncias tributárias; e a ‘eficiência da cobrança e do contencioso tributários’, tema foco da presente fiscalização”, asseverou o ministro Walton Alencar Rodrigues.

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Falência é ineficiente, mas não há consenso para desburocratizá-la

Tramita no Senado Federal o Projeto de Lei 3/2024, de autoria do Poder Executivo, que altera novamente a Lei de Recuperação Judicial e Falência (Lei 11.101/2005). Aprovado em regime de urgência na Câmara dos Deputados, em março de 2024, visa a aprimorar o processo de falência. O texto permite que os credores tenham mais participação em decisões importantes, como a aprovação de um plano de falências e a nomeação de um gestor fiduciário, responsável por administrar a venda de bens e dívidas da empresa, no lugar do atual administrador judicial, figura que costuma chamar a atenção pelas altas remunerações e pela forma de escolha pelo juiz.

Num esforço para apresentar medidas que alavanquem a economia, o Ministério da Fazenda convidou os juristas Daniel Carnio CostaEduardo Secchi MuñozPedro Teixeira e Filipe Aguiar para elaborar um anteprojeto de lei que solucionasse os problemas da falência, já que a reforma da Lei 11.101 em 2020 focou mais na recuperação judicial. O consenso foi de que a falência demora muito e os credores recebem pouco. “Há indicadores de que o Brasil é um dos países que menos recupera crédito no sistema falimentar”, explica Carnio.

Os estudiosos chegaram à conclusão de que o que atrapalha é o excesso de burocarcia. Cada passo no processo de falência pressupõe uma prévia decisão judicial. E cada decisão judicial pressupõe a oitiva prévia de todos no processo — credor, devedor, administrador, Ministério Público. Até que surja uma decisão de fato do juiz, três anos se passaram para fazer a venda de um bem da massa falida, que já se deteriorou e perdeu valor.

A ideia então foi fazer com que a falência funcionasse mais ou menos como funciona a recuperação judicial. Na Câmara dos Deputados foram apresentados sete substitutivos ao texto original que transformaram o PL 3 em algo mais amplo e diferente do texto original. Além de desfigurado, foi colocado em regime de urgência, aprovado e encaminhado ao Senado, onde se encontra, já sem o regime de urgência. A tendência é de que o caminho até a aprovação seja mais lento.

A proposta do Executivo ocorre três anos após uma grande mudança na lei falimentar, justificada, dentre outros termos, por mais presteza na recuperação de ativos, assim como pelo crescimento no número de empresas que encerraram as atividades em 2023. Houve aumento de 8% em relação ao ano de 2022, de acordo com levantamento do Serasa Experian. Os pedidos de falência, entretanto, subiram 40% em um ano.

A forma açodada e desvirtuada como o PL passou pela Câmara preocupou a comunidade jurídica. Alguns especialistas argumentam que as mudanças são essenciais para modernizar o sistema falimentar brasileiro e estimular a recuperação empresarial. Outros expressam preocupações sobre possíveis efeitos colaterais, como a complexidade adicional nos processos e a proteção dos direitos dos credores.

A indicação dos gestores fiduciários pela assembleia de credores, por exemplo, suscitou controvérsia. Uma das correntes sustenta a possibilidade de desequilíbrio diante do tamanho de um credor na votação que representar a maioria. Outra corrente defende que a figura de um profissional escolhido pelos reais detentores do direito, que são os credores, pode melhorar o ambiente de negócios e otimizar o processamento da falência.

“O capítulo da Lei de Falência precisava de um ajuste, de um alinhamento às novas tendências. O processo não pode ser ineficiente a ponto de gerar insegurança. A pessoa tem o crédito, tem o direito, e, às vezes, não consegue alcançar, em tempo razoável, a satisfação do seu direito”, avaliam André Vasconcellos, vice-presidente do conselho do Instituto Brasileiro de Relações com Investidores (Ibri), e Victor Nepomuceno, sócio do escritório Oliveira e Nepomuceno Advogados. “O propósito do PL, de acelerar os processos de falência, pagar o crédito e reduzir o spread bancário, pode promover, de fato, um melhor ambiente de negócios no país”, dizem.

Carlos Alberto Garbi, desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo, diz que “os administradores judiciais estão com medo porque, de certa forma, mexe com o mercado deles. Mas quem são os interessados nas falências? São os credores. O credor deve ter o direito de escolher. Não o juiz. Quando o credor nomeia o administrador, muda tudo. A falência é outra. Porque o credor assume a responsabilidade. Ele nomeou o administrador; se a falência não for para frente, ele troca o administrador. Empresas administradoras judiciais vão ganhar esse mercado trabalhando melhor. Hoje, como é que ela ganha o mercado? Se aproximando do juiz, com a confiança do juiz. Mas o juiz não é o cliente dela. O cliente dela é o credor. Tirar isso do juiz é a melhor coisa que se pode fazer, para o juiz, para os credores e para o próprio administrador”, avalia.

Outro ponto polêmico no PL é o que estabelece um prazo limite de mandato para administradores judiciais nas falências, impondo obrigação de imediata substituição de todos os administradores judiciais em quase todas as falências que estivessem em andamento após tal período, ou seja, de forma imediata à vigência da nova legislação, caso aprovado.

Para André Estevez, professor de Direito Empresarial na PUCRS, advogado e administrador judicial, esse critério não faz muito sentido. “A simples definição temporal não é critério seguro ou razoável para indicar uma adequada ou inadequada atuação. Existem muitos casos de falências que tramitam por mais de uma década de forma desorientada em atuações técnicas questionáveis. Por outro lado, o longo tempo de tramitação pode se justificar facilmente por problemas práticos que podem derivar de dificuldades de citação em ações que visam atingir o patrimônio, busca de bens no exterior, controvérsias envolvendo ocultação de bens, entre outros motivos habituais”, pondera.

Segundo o promotor Fernando Nogueira, do Ministério Público de São Paulo, o PL 3/2024 traz uma série de preocupações e alguns conceitos imprecisos. “Parece faltar uma regulamentação mais clara sobre alguns pontos, como os limites remuneratórios, os deveres e a responsabilidade desse gestor fiduciário”, disse Nogueira durante o 2º Ciclo de Insolvência Empresarial, na USP. Ele também chamou a atenção para o fato de que o PL não garante a participação dos credores minoritários no processo de escolha do gestor.

Segundo especialistas, para que fosse possível aplicar as regras de limite de tempo e a proibição de atuação do mesmo administrador judicial, seria necessário um número de administradores que hoje não existe no Brasil. Se mantida essa regra, poderá colapsar todo sistema, afirmam.

“A infinita maioria dos estudiosos do Direito Empresarial teceu duras críticas ao projeto e a forma como o processo legislativo relâmpago foi conduzido sem que houvesse um debate aprofundado a seu respeito e, mais do que isso, alijando a efetiva participação dos atores da área”, escreveu o advogado, administrador judicial e professor da USP Oreste Laspro em sua coluna de insolvência na revista eletrônica Consultor Jurídico.

Os desembargadores do TJ de São Paulo, Alexandre Lazzarini, Maurício Pessoa, Jorge Tosta e Cesar Ciampolini (aposentado em 2024) somaram-se a um extenso coro de especialistas que manifestaram preocupação a respeito da proposta.

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‘Uruguay nomás’: a democracia plena na América do Sul

O Uruguai está localizado estrategicamente posicionado no centro entre Brasil e Argentina, sendo o segundo menor território de um país sul-americano depois do Suriname. Com população de aproximadamente 3,4 milhões de habitantes, o Uruguai é terceiro país menos populoso da América do Sul, perdendo apenas para o Suriname e a Guiana.

O Uruguai é o único país da América do Sul que ostenta a condição de full democracy (democracia plena) de acordo com Índice de Democracia publicado pela unidade de inteligência da revista The Economist [1]. Segundo o ranking, o Uruguai é o país mais democrático da América do Sul com pontuação média de 8.66 sobre 10. Essa pontuação inclui quatro categorias: processo eleitoral e pluralismo, funcionamento do governo, participação política, cultura política e liberdades civis. Na categoria processo eleitoral e pluralismo, o Uruguai alcança impressionantes 10 pontos! Na categoria liberdades civis, recebeu 9.71, o que, novamente, impressiona.

Mas como podemos traduzir esses números?

Essas quatro categorias são decorrentes de uma cultura uruguaia de respeito a sua democracia constitucional, desde a redemocratização em 1985, assim entendida como uma democracia liberal representativa com ampla participação popular.

No início do ano de 2024, os deputados do Partido Nacional [2], de centro direita, apresentaram um projeto de lei para combater os chamados “deepfakes”, um acrônimo usado para se referir a áudios, imagens ou vídeos gerados por edição ou por meio de inteligência artificial (IA), que imitam a aparência e a voz característica de uma pessoa.

No projeto, buscaram garantir que a campanha eleitoral não seja contaminada por anúncios e notícias enganosas, e propõe penas de um a seis anos de prisão para quem gerar vídeos falsos sobre políticos ou pré-candidatos presidenciais de diferentes partidos.

Na véspera das eleições presidenciais, os partidos políticos uruguaios firmaram com as principais lideranças de imprensa um pacto onde se comprometeram a “não gerar ou promover notícias falsas ou campanhas de desinformação em detrimento de oponentes políticos” [3].

As eleições presidenciais de 2024, tanto no primeiro, como no segundo turno, transcorreram sem intercorrências relevantes, tendo sido Yamandú Orsi, da Frente Ampla, eleito no segundo turno, por pequena margem de diferença em relação ao candidato do Partido Nacional, Álvaro Delgado.

No último mês, além da eleição presidencial, os uruguaios também foram as urnas para decidir duas questões: uma relativa a direitos sociais sobre a forma de previdência social, em plebiscito impulsionado pela central única sindical (PIT-CNT) [4], onde se propunha a redução da idade mínima para aposentadoria de 65 para 60 anos e a abolição da previdência privada, alterando o art. 67 da Constituição; e  outra relativa às liberdades individuais, em plebiscito sobre a autorização de operações policiais nas residências durante a noite, modificando o artigo 11 da Constituição. Ambos foram rejeitados.

Na forma do artigo 331 da Constituição uruguaia, uma reforma constitucional pode ser iniciada por participação popular direta, desde que seja alcançado o percentual mínimo de 10% dos cidadãos, por iniciativa de dois quintos dos membros da Assembleia Geral (Poder Legislativo). Em ambos os casos, a reforma só se efetivará se alcançada a maioria absoluta em votação popular ou plebiscito.

Além disso, também podem os poderes legislativo e executivo iniciarem uma reforma constitucional, cujo projeto deve ser aprovado pela maioria absoluta dos membros da Assembleia Geral e, nesse caso, deve o poder executivo convocar uma Convenção Nacional Constituinte que deliberará sobre a reforma da Constituição e submeterá o projeto ao referendo popular.

Por fim, as leis constitucionais (ou de hierarquia constitucional) podem ser aprovadas por dois terços do total de membros de cada casa legislativa, mas para efetivamente modificarem a Constituição precisam de concordância da maioria absoluta do eleitorado, que deve ser convocado especialmente para votação das referidas leis.

Essa complexa fórmula integrada de máxima participação popular direta, em sinergia com a democracia representativa, para decidir temas estruturais da democracia constitucional uruguaia já levou a população a decidir sobre temas capitais e sensíveis como: a derrogação da lei de anistia; a independência do orçamento do Poder Judiciário; estatização da água potável; monopólio da empresa nacional de petróleo (Ancap); reformas eleitorais; reformas previdenciárias; diminuição da idade penal, entre outras.

Com os exemplos atuais e das práticas democráticas constantes, desde que o Uruguai recuperou sua democracia constitucional em meados dos anos 80 do século passado, é possível ver um processo eleitoral limpo e democrático, que garante eleições autênticas no país, associada a uma cultura de democracia e de participação popular constante na tomada de decisões políticas fundamentais.

A rejeição dos uruguaios pelo modelo de polarização e a preferência por moderação fazem o país avançar com largos passos de vantagem relativamente as liberdades civis, políticas e econômicas em relação aos demais países da região.

A título de exemplo, o Uruguai foi o primeiro país sul-americano a estabelecer o aborto legalizado e seguro, desde 2012.  É o primeiro país a prever a isenção de pena no caso do chamado homicídio piedoso, quando o autor do homicídio comete o crime em razão de reiteradas súplicas da vítima, isso desde 1934. Em 2013, o Uruguai se tornou o primeiro país do mundo a legalizar e regulamentar a produção e o consumo da cannabis.

A condição de democracia plena do Uruguai é condizente com outra conquista do país: o primeiro colocado no Índice de Estado de Direito do World Justice Project [5].

Bons perdedores

Toda essa prosperidade de direitos políticos e civis faz com que o Uruguai receba ainda outro título: o de sexto país mais livre do mundo, obviamente o mais livre da América do Sul, de acordo com o Freedom in the World, da ONG americana Freedom House [6].

Com isso, lembro a música de Jorge Drexler que diz “¿quién le roba un beso a Maracaná? Uruguay nomás. Uruguay nomás…”, que faz alusão aos gritos da torcida da garra charrúa pela seleção de futebol, a celeste, quando comemora o feito histórico de ter ganhado a Copa do Mundo do Brasil em pleno Maracanã, em 1950.

Precisamos reconhecer racionalmente nossa derrota em relação aos uruguaios no futebol e na vida democrática, como um incentivo a aprimorarmos o nosso Estado Democrático de Direitos e as suas liberdades de forma plena na América do Sul. Quem sabe assim, poderíamos deixar essa derrota de 7×1 para traz, dessa vez não contra a Alemanha, mas contra o Uruguai, que nos dá uma goleada de democracia constitucional na prática. Até que consigamos, vamos seguir a música orgulhosa da torcida e dizer: “Uruguay nomás, Uruguay nomás”! … é o Uruguai e nenhum mais [7].


[1] https://www.eiu.com/n/campaigns/democracy-index-2023/

[2] http://www.diputados.gub.uy/data/docs/LegActual/Repartid/R1098.pdf

[3] https://www.undp.org/es/Firma_reafirmacion_pacto_etico_desinformacion

[4] https://ladiaria.com.uy/politica/articulo/2024/4/el-pit-cnt-alcanzo-el-minimo-de-270000-firmas-para-realizar-el-plebiscito-sobre-seguridad-social/

[5] https://worldjusticeproject.org/sites/default/files/documents/WJP-Global-ROLI-Spanish.pdf

[6] De acordo com os parâmetros o Uruguai alcança 96 pontos sobre 100 no medidor de respeito as liberdades https://freedomhouse.org/

[7] “Uruguai nomás” é uma expressão uruguaia que significa “Uruguai e nada mais” ou “Vamos, Uruguai!”. É usada para celebrar vitórias, conquistas e outras alegrias, e é considerada um ícone nacional. A expressão é uma abreviação de “Uruguai no más”, que por sua vez é uma abreviação de “Uruguai y nada más”.

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Comissão aprova proibição de agente público manter conta em paraíso fiscal

A Comissão de Administração e Serviço Público da Câmara dos Deputados aprovou projeto de lei que proíbe ocupantes de cargo ou emprego no governo federal de manter contas bancárias em “paraísos fiscais” – países ou regiões autônomas com pouca ou nenhuma cobrança de tributo e falta de transparência em relação aos titulares dos ativos. A medida altera a Lei de Conflito de Interesses.

Discussão e votação de propostas legislativas. Dep. Sâmia Bomfim (PSOL-SP)
Sâmia Bomfim: atos que configuram conflito de interesses fragilizam a democracia – Mário Agra/Câmara dos Deputados

O texto também considera conflito de interesse o servidor ou empregado público possuir investimentos cujo valor ou cotação possa ser afetado por política ou decisão sobre a qual tenha informação privilegiada. Essa prática poderá levar o agente público a responder por improbidade administrativa.

O texto aprovado foi o substitutivo da relatora, deputada Sâmia Bomfim (Psol-SP), ao Projeto de Lei 3433/21, do deputado Ivan Valente (Psol-SP) e apensados (PLs 3454/21, 3455/21 e 3456/21). Sâmia reuniu dispositivos das quatro propostas em único texto.

“A prática de atos que configuram conflito de interesses não apenas fere os princípios da moralidade e da impessoalidade, como também mina a confiança da sociedade nas instituições, corroendo os pilares da democracia”, afirmou a relatora.

Próximos passos
O projeto será analisado, em caráter conclusivo, pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania.

Para virar lei, o texto precisa ser aprovado pela Câmara e pelo Senado.

Fonte: Câmara dos Deputados

STF inicia julgamento sobre atuação das redes sociais no Brasil

O Supremo Tribunal Federal (STF) inicia, nesta quarta-feira (27), o julgamento de três ações que tratam da responsabilidade de provedores de internet na remoção de conteúdos com desinformação e disseminação de discurso de ódio de forma extrajudicial, sem determinação expressa pela Justiça.

A Corte vai julgar ações relatadas pelos ministros Luiz Fux, Edson Fachin e Dias Toffoli. Oo processos foram liberados para análise em agosto deste ano.

No caso da ação relatada por Dias Toffoli, o tribunal julgará a constitucionalidade da regra do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014) que exige ordem judicial prévia para responsabilização dos provedores por atos ilícitos.

No processo relatado pelo ministro Fux, o STF vai discutir se uma empresa que hospeda site na internet deve fiscalizar conteúdos ofensivos e retirá-los do ar sem intervenção judicial.

A ação relatada por Fachin analisa a legalidade do bloqueio do aplicativo de mensagens WhatsApp por decisões judiciais.

No ano passado, o Supremo realizou audiência pública para discutir as regras do Marco Civil da Internet.

O objetivo foi ouvir especialistas e representantes do setor público e da sociedade civil para obter informações técnicas, econômicas e jurídicas antes de julgar a questão.

Fonte: EBC

STF julga nesta quarta-feira (27/11) o Marco Civil da Internet; saiba o que está em jogo

Corte julga a partir desta quarta três ações que envolvem o MCI e discute futuro de artigo sobre responsabilização das plataformas digitais

O Supremo Tribunal Federal (STF) começa a julgar nesta quarta-feira (27/11) o conjunto de ações que discutem a constitucionalidade do Marco Civil da Internet, especialmente de seu artigo 19. O dispositivo prevê que as plataformas, provedores de internet e sites só podem ser responsabilizados civilmente caso não removam o conteúdo ilícito após ordem judicial.

O Marco Civil da Internet, sancionado em 2014, disciplina o uso da Internet no Brasil. A lei foi concebida para estabelecer deveres e direitos de plataformas digitais, provedores de internet e usuários. No entanto, apesar de avanços significativos, uma década depois, parte da legislação enfrenta questionamentos quanto à responsabilidade de plataformas por conteúdo ilícito de terceiros.

Entre os principais, estão as alegações de que a evolução tecnológica e o crescimento da audiência digital colocam à prova a sua adequação frente ao cenário atual. Nesse contexto, uma década depois, o Supremo discute a eficácia da legislação diante de um cenário tecnológico muito mais complexo.

Ações pautadas

Estão na pauta do STF três ações, o recurso extraordinário 1.037.396, (tema 987) discute a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet, de relatoria do ministro Dias Toffoli, o RE 1.057.258 (tema 933), que também trata de moderação de conteúdo, refere-se a fatos anteriores à edição do Marco Civil da Internet, de relatoria do ministro Luiz Fux, e a ADPF 403, de relatoria do ministro Edson Fachin. 

Esta ADPF foi ajuizada por conta das decisões judiciais em diferentes tribunais de Justiça brasileiros que determinaram a suspensão do aplicativo WhatsApp, após a empresa informar que não poderia fornecer os dados requisitados pelos magistrados por conta da segurança da criptografia. Em agosto deste ano, os três relatores pediram ao ministro Luís Roberto Barroso, presidente da Casa, para que as pautasse juntas.

Em setembro, a Advocacia-Geral da União (AGU) pediu ao Supremo para ingressar como amicus curiae nos dois recursos extraordinários que estão em pauta. À época, a AGU defendeu que, “em casos específicos, há a possibilidade de as plataformas digitais serem responsabilizadas, independentemente de haver ordem judicial prévia para a remoção do conteúdo, considerando o dever de precaução que devem ter as empresas, por iniciativa própria ou por provocação do interessado”.

“Não é razoável que empresas que lucram com a disseminação de desinformação permaneçam isentas de responsabilidade legal no que tange à moderação de conteúdo. Essas plataformas desempenham um papel crucial na veiculação de informações corretas e na proteção da sociedade contra falsidades prejudiciais. A ausência de uma obrigação de diligência nesse processo permite que a desinformação se propague de forma descontrolada, comprometendo a confiança pública e causando danos consideráveis”, ressalta trecho do documento enviado ao STF.

O caput do artigo 19 tem a seguinte redação: “Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário”.

Liberdade de expressão

“O artigo 19, hoje, é a regra básica a respeito da responsabilidade das plataformas”, explica o advogado especialista em direito digital Marcelo Crespo, coordenador do curso de direito da ESPM. A norma se relaciona diretamente com a licitude de conteúdo na internet. Crespo, no entanto, considera que o dispositivo tende a ser usado pelas empresas como meio de se esquivar de responsabilizações. “O artigo 19 é bastante conveniente para as empresas e plataformas de tecnologia”, afirma.

Segundo ele, por causa da redação do dispositivo, “existe uma narrativa” de se falar que o artigo 19 quer proteger a liberdade de expressão, embora, para ele, esse não seja exatamente o interesse das empresas com a não responsabilização dos conteúdos.. “As plataformas têm interesses próprios em ganhar dinheiro com alguns conteúdos, inclusive com fake news, porque elas geram engajamento, geram receita”, declara.

Antes do Marco Civil da Internet, diz Crespo, havia uma relação “mais equilibrada” entre as empresas e as vítimas online, já que caso alguém se sentisse ofendido por um conteúdo publicado na internet, não era necessário, inicialmente, recorrer à Justiça. O procedimento comum era realizar uma notificação extrajudicial, exigindo que o conteúdo fosse retirado do ar por causar ofensa.

“Nesse cenário, as plataformas não tinham obrigação legal de remover o material, mas o processo era, de certa forma, mais equilibrado. Por um lado, a plataforma poderia optar por não remover o conteúdo; por outro, ela não gostaria de ter que ficar respondendo várias ações judiciais”, declara.

Um dos principais questionamentos sobre a moderação de conteúdos pelas plataformas é o risco de censura. O advogado Renato Opice Blum, do escritório Opice Blum, rebate as críticas que equiparam a remoção de discursos de ódio à restrição da liberdade de expressão.

“Bloquear discurso de ódio é censura? Aí, vamos para o conceito de censura que está ligado diretamente à liberdade de expressão. […] Quando se tem identificação de discurso de ódio, não é liberdade de expressão, o propósito é outro. Você não quer falar, você quer atacar”, afirmou o advogado.

No entanto, ele reconhece que os algoritmos das plataformas podem cometer erros ao remover conteúdos legítimos. Opice Blum refuta a ideia de que os algoritmos tenham vieses intencionais, os atribuindo a falhas de programação.

Apoio ao artigo 19

Por outro lado, estudo conduzido pelo Reglab, think tank especializado em mídia e tecnologia, mostrou que 48% das manifestações coletadas defenderam a manutenção do artigo, argumentando que ele equilibra a liberdade de expressão e responsabilidade das plataformas. O apoio veio de setores diversos, incluindo organizações que tradicionalmente divergem das grandes empresas de tecnologia, como algumas ONGs e instituições acadêmicas. A academia frequentemente adota posições críticas às big techs, especialmente em questões relacionadas à privacidade e regulação de mercado. Entidades da sociedade civil e academia representaram 50% da amostra, com mais da metade desses se manifestando a favor da constitucionalidade (59%).

A análise indica que os argumentos favoráveis à constitucionalidade “apresentaram uma variedade argumentativa maior que outras posições. Embora essa multiplicidade também possa refletir a necessidade de uma defesa mais robusta, isso também pode sugerir que o art. 19 possui um caráter mais estruturante, adaptável e democrático”.

Entre os argumentos mais citados pelos grupos que apoiam a constitucionalidade, estão a preservação da liberdade de expressão e o estímulo à inovação tecnológica. Para empresas, como afirmou a Meta em sua manifestação, o artigo reduz riscos jurídicos e mantém custos operacionais previsíveis. Já a sociedade civil e a academia destacam que o modelo atual protege direitos fundamentais e previne a censura prévia.

“Não é correto afirmar que o artigo 19 serve como escudo para provedores evitarem remoções de conteúdos ilegais. Ele apenas estabelece regras para garantir a proporcionalidade e evitar a censura prévia”, afirmou o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) em manifestação. Para defensores da constitucionalidade, a decisão judicial como pré-requisito para a remoção de conteúdos é apontada como um mecanismo que respeita o devido processo legal e garante a liberdade de expressão.Os processos são: Recurso Extraordinário (RE) 1037396 (Tema 987 da repercussão geral), Recursos Extraordinários (RE) 1057258 (Tema 533 da repercussão geral) e Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 403.

Fonte: Jota

Paredes São de Vidro: Mais ou menos poder? O que o Supremo prefere?

Segundo episódio da nova temporada do podcast contextualiza como a Constituição foi recebida pelo Supremo

Até o início da década 1990, o Supremo Tribunal Federal (STF) era conhecido por seguir o escrito. Manter o que já estava posto. Foi por isso que um caso sobre licença maternidade parecia simples, afinal, a legislação era clara sobre o direito da mãe. No entanto, uma pergunta reversa a esse caso ilustra como o Supremo foi ganhando cada vez mais poderes e protagonismo. O segundo episódio da nova temporada do Paredes São de Vidro detalha o contexto da época, em que a Corte recebia uma nova Constituição.

O podcast do JOTA que conta os bastidores do STF relembra neste novo episódio que o Supremo costumava se isentar e deixar a função de preencher lacunas para o Congresso Nacional. Quem ajuda a fazer a conexão entre o momento que o Supremo vivia e a sua transição é o ministro aposentado Otávio Gallotti, relator do processo de Cláudia* — uma mãe que brigava pelo direito à licença-maternidade para cuidar de uma filha adotada.

As regras eram claras: a Constituição dizia que quem tem direito à licença-maternidade é a mãe que gestou o filho. Cláudia não havia gestado a criança, logo, não teria direito à licença. Mas e o direito da criança? “Pensar em novas soluções para além do texto, ou em novas interpretações diante de novos problemas, fazer uma leitura mais expansiva da lei ou até mesmo interpretar a lei para fazer a história avançar, como costuma dizer o ministro Luís Roberto Barroso – nada disso era a cara de Gallotti”, relata no episódio o diretor de Conteúdo do JOTAFelipe Recondo, que apresenta o podcast.

E Gallotti não estava sozinho nessa. Com a Constituição de 1988 havia ficado mais fácil recorrer ao Supremo, e a sociedade esperava uma Corte mais avançada para defender a Constituição e dar efetividade a este novo plano de direitos e de garantias. Os ministros daquela composição, porém, logo nos primeiros julgamentos não pareciam dispostos a aceitar as atribuições que a Assembleia Constituinte havia oferecido.

Como isso mudou? Este segundo episódio da nova temporada do Paredes São de Vidro traz o contexto para responder a essa pergunta. Além disso, mostra como o caso de Cláudia entra nesse cenário.

Fonte: Jota

STF prorroga para 2025 prazo de conciliação sobre marco temporal

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu prorrogar os trabalhos da audiência de conciliação sobre o marco temporal para demarcação de terras indígenas para 28 de fevereiro de 2025. As reuniões estavam previstas para terminar em 18 de dezembro.

Em agosto deste ano, a Articulação dos Povos Indígenas (Apib), principal entidade que atua na defesa dos indígenas, se retirou da conciliação. A entidade entendeu que os direitos dos indígenas são inegociáveis e não há paridade no debate. No ano passado, o plenário do Supremo decidiu a favor dos indígenas e considerou o marco inconstitucional.

Após a Apib deixar a conciliação, Mendes decidiu manter os debates mesmo sem a presença dos indígenas. Segundo o ministro,  “nenhuma parte envolvida na discussão pode paralisar o andamento dos trabalhos”.

Pela tese do marco temporal, os indígenas somente têm direito às terras que estavam em sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal, ou que estavam em disputa judicial na época.

Conciliação

A audiência foi convocada pelo ministro Gilmar Mendes, relator das ações protocoladas pelo PL, o PP e o Republicanos para manter a validade do projeto de lei que reconheceu o marco e de processos nos quais entidades que representam os indígenas e partidos governistas contestam a constitucionalidade da tese.

Além de levar o caso para conciliação, Mendes negou pedido de entidades para suspender a deliberação do Congresso que validou o marco, decisão que desagradou os indígenas. As reuniões estavam previstas para seguir até 18 de dezembro deste ano.

Na prática, a realização da audiência impede a nova decisão da Corte sobre a questão e permite que o Congresso ganhe tempo para aprovar uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para confirmar a tese do marco na Constituição.

Em dezembro do ano passado, o Congresso Nacional derrubou o veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao projeto de lei que validou o marco. Em setembro, antes da decisão dos parlamentares, o Supremo decidiu contra o marco. A decisão da Corte foi levada em conta pela equipe jurídica do Palácio do Planalto para justificar o veto presidencial.

Fonte: EBC