O aumento do número de deputados e a governabilidade responsável

Se aprovada pelo Senado, proposta pode corroer ainda mais a racionalidade do processo legislativo do país

Elaborado por parlamentares preocupados apenas e tão somente com suas bases eleitorais, portanto sem nenhum compromisso com o futuro econômico e social do país, o aumento de 513 para 531 vagas na Câmara dos Deputados poderá, caso venha a ser aprovado pelo Senado, corroer ainda mais a racionalidade do processo legislativo do país, multiplicando os problemas técnicos e os embates políticos na formulação de políticas públicas.

E isso ocorrerá especialmente no âmbito poder central, pois as pressões em favor da multiplicação dos diferentes tipos de emendas parlamentares irão aumentar, limitando a discricionariedade do governo federal.

Pela concepção original do regime democrático federalista e bicameralista, que foi adotado primeiramente pelos Estados Unidos no final do século 18, a distribuição dos assentos na Câmara dos Deputados é definida com base no número de eleitores de cada estado.

Por isso, nesse país a maioria dos assentos é ocupada pelos estados mais geograficamente maiores e mais populosos, como Nova York, Texas e Califórnia. Para compensar essa desigualdade, o Senado exerce um papel equilibrador, evitando que os estados pequenos e com menor número de eleitores fiquem sem condição de atender suas demandas.

Com o objetivo de preservar os interesses da minoria frente a uma eventual voracidade dos parlamentares dos estados mais populosos, assegurando desse modo um certo equilíbrio federativo, o Senado americano representa os estados. Independentemente de seu tamanho geográfico e do tamanho de suas respectivas populações, todos eles têm dois senadores.

Com isso, o estado do Maine, com 1,4 milhão de habitantes e uma área geográfica de 91.633 km² tem nessa casa legislativa a mesma força política do estado da Califórnia, que conta com quase 40 milhões de habitantes vivendo numa área geográfica de 423.970 mil km².

Ainda que tenha se inspirado no modelo federalista e bicameralista americano, por várias razões o Brasil o desvirtuou com a passagem do tempo. Por razões de espaço, chamo a atenção de apenas um deles.

Trata-se de um fator de manipulação dos resultados eleitorais que ficaram evidenciados durante a ditadura militar, especialmente entre 1975 e 1977. Consciente de que na eleição de 1978 o MDB – então partido de oposição – ganharia as eleições, permitindo a ascensão de um civil ao poder e devolvendo os militares aos quartéis, o presidente da República, general Ernesto Geisel, promoveu a fusão dos estados do Rio de Janeiro e da Guanabara, sob alegação de que eles formavam uma só unidade socioeconômica. Depois, dividiu Mato Grosso, capital Cuiabá, criando o estado de Mato Grosso do Sul, capital Campo Grande.

Como no Sudeste o MDB tinha enorme peso eleitoral, a fusão da Guanabara com o Rio de Janeiro retirou três vagas no Senado e reduziu significativamente o número de deputados da região na Câmara. Inversamente, como no Centro-Oeste a Arena predominava, a criação do estado de Mato Grosso do Sul deu-lhe mais três vagas no Senado e mais uma bancada na Câmara. Com isso, a ditadura se manteve, “elegendo” por maioria congressual, em outubro de 1978, o general João Baptista Figueiredo.

Mesmo com a redemocratização do país essa estratégia voltou a ser posta em prática. Na Constituinte, por exemplo, parlamentares das regiões Centro-Oeste e Norte – as menos populosas do país – dela se valeram para aumentar seu poder no Congresso. Criaram o estado do Tocantins, com base numa área antes pertencente a Goiás. Converteram os territórios de Roraima e do Amapá em estados. Independentemente de suas respectivas populações serem diminutas, deram-lhe o direito de contar na Câmara com um mínimo de oito vagas. Ao mesmo tempo, aprovaram um teto de 70 deputados para os estados mais populosos, o que prejudicou principalmente São Paulo.

O agravamento da distância entre a super-representação das regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste e a sub-representação das regiões Sudeste e Sul foi uma das consequências dessas mudanças. Esse problema agora vai aumentar ainda mais pois, das 18 novas vagas previstas, 12 se destinam às regiões já sobrerrepresentadas.

Outro problema está no fato de que, além do aumento de R$ 64,6 milhões nos gastos da Câmara, os ocupantes das novas vagas quase certamente ampliarão as pressões para transferir – sem qualquer critério técnico – recursos da União para suas bases.

Para se ter ideia desse problema, entre 2020 e 2024, Roraima, que tem uma população de cerca de 717 mil habitantes, recebeu, em média, R$ 1.900 por habitante em emendas parlamentares. Já São Paulo, que tem quase 46 milhões de habitantes, recebeu, em média, somente R$ 38 por habitante, em emendas parlamentares.

Distorções como essas se tornam ainda mais preocupantes quando os centros de pesquisa advertem que o valor das emendas parlamentares aprovado para 2025, no total de R$ 50,4 bilhões, já é superior à somatória dos recursos livres para investimento direto de 30 dos 39 ministérios do governo federal. E chegam às raias do absurdo, uma vez que, por meio de emendas parlamentares e de bancada, os parlamentares controlam diretamente os gastos em suas bases eleitorais, o que reduz a dependência dos parlamentares com relação à Presidência da República.

Em sua defesa, muitas autoridades municipais e estaduais alegam que a Constituição aumentou os gastos das prefeituras e estados com direitos sociais sem criar novas fontes de recursos para que os entes subnacionais pudessem cumprir as novas obrigações.

O problema, contudo, é que não se pode despir um santo para vestir outro. Dito de outro modo: não se pode exaurir recursos federais, destinados a toda sociedade brasileira em seu conjunto, para repassá-los – sem transparência e rastreabilidade – a municípios e estados que se limitam a gastá-los mais com interesses paroquiais, eleitoreiros e cartoriais do que com políticas estruturantes.

Quanto maior é a manutenção de estratégias de feudalização de poderes locais de porte pequeno e médio em pleno século 21, sob a justificativa provinciana e inverídica de muitos prefeitos de que eles conhecem o país melhor do que os tecnocratas de Brasília, mais surgem indagações que precisam de respostas urgentes num contexto econômico como o atual, que exige mais foco e qualidade nos gastos públicos, priorização na formação de capital humano, reorganização de despesas e negociações com os três níveis de poder para a formulação, implementação de políticas de médio e longo prazo.

Quais as noções que prefeitos e governadores têm das obrigações do Estado? A que estratégia as diferentes autoridades governamentais podem recorrer para assegurar mais qualidade na formulação de políticas públicas e na gestão de recursos escassos?

Quando parlamentares fisiológicos e prefeitos desprovidos de maior formação técnica vão compreender que, mais do que tentar aumentar os valores de suas emendas para desperdiçá-los com shows sertanejos e campinhos de futebol, é preciso diferenciar Estado e governo?

Quando, em vez de sobrecarregar Tribunais de Contas e o Ministério Público, irão agir com vistas à criação de condições mínimas para uma governabilidade fundada em competência técnica, impessoalidade, planejamento, definição de metas e uma coordenação eficiente capaz de recuperar a noção de poder público?

Fonte: Jota

Comprador de imóvel em leilão não deve pagar dívida tributária anterior

O comprador de um imóvel em leilão não é responsável por dívida tributária anterior ao arremate do bem.

Com esse entendimento, a Vara Única de Porangaba (SP) declarou inexigíveis os impostos referentes aos exercícios anteriores ao arremate de um imóvel em hasta pública. A decisão atendeu ao pedido dos compradores em um mandado de segurança.

Segundo o processo, os autores arremataram o bem em fevereiro de 2022. Embora a carta de alienação tenha sido expedida no mesmo dia, foi registrada na matrícula em setembro daquele ano.

Os compradores relatam que pediram a guia para o pagamento dos tributos devidos a partir da data da arrematação. A prefeitura informou, porém, que só emitiria uma guia com o valor total dos débitos, incluindo os exercícios de 2017 a 2022.

A administração municipal invocou o artigo 130 do Código Tributário Nacional (Lei 5.172 /1966), que prevê a sub-rogação de créditos tributários relativos a impostos sobre a propriedade do imóvel ao comprador.

Cobrança indevida

Em sua decisão, o juiz Mário Henrique Gebran Schirmer argumentou que o parágrafo único do próprio artigo 130 do CTN ampara o pedido dos compradores. O dispositivo afirma que “no caso de arrematação em hasta pública, a sub-rogação ocorre sobre o respectivo preço”, o que isenta o adquirente de responsabilidade por débitos preexistentes.

Conforme lembrou o julgador, o entendimento foi consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Tema 1.134, que fixou a seguinte tese: “Diante do disposto no art. 130, parágrafo único, do Código Tributário Nacional, é inválida a previsão em edital de leilão atribuindo responsabilidade ao arrematante pelos débitos tributários que já incidiam sobre o imóvel na data de sua alienação”.

“Portanto, assiste razão ao impetrante, na medida em que o adquirente não pode ser responsabilizado pelo pagamento dos débitos tributários relativos a fatos imponíveis ocorridos em momento anterior à realização da hasta pública”, escreveu o julgador.

Os advogados Paulo Roberto Athie Piccelli e Alessandra Kawamura, do escritório Paulo Piccelli e Advogados Associados, representaram os compradores do imóvel.

Clique aqui para ler a decisão
Processo 1000971-76.2024.8.26.0470

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TRF3 concede isenção do IPI para carro novo adquirido por beneficiário do BPC

Colegiado considerou que regulação não impede acumulo do benefício para pessoas com deficiência com a isenção tributária para carros

O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) concedeu isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para aquisição de carro novo por pessoa com deficiência que recebe o Benefício de Prestação Continuada (BPC). Na decisão, a 4ª Turma considerou que a legislação veda o acúmulo apenas dos benefícios previdenciários, não impedindo a concessão de benefício fiscal para PCDs, prevista na lei do IPI.

A ação foi proposta por um homem com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e beneficiário do BPC que pedia o acesso à isenção do IPI, negada por decisão administrativa da Receita Federal. Segundo os autos, o homem, apresentado como “incapaz para os atos da vida civil”, já teria requisitado o acesso ao benefício fiscal em outras compras de carros.

Em primeiro grau, a 1ª Vara Federal de Jaú negou o direito à isenção ao afirmar que, por ter feito sucessivas aquisições de carros novos em valores superiores a R$ 40 mil, o beneficiário demonstrou riqueza incompatível com um titular do BPC. A sentença considerou que, por receber o benefício para pessoas em situação de miserabilidade econômica e social, o homem não teria renda para cumprir o requisito de acesso à isenção do IPI, que exige a comprovação de disponibilidade patrimonial compatível com o valor do veículo.

“As sucessivas aquisições de automóveis novos em valores consideráveis demonstram signos presuntivos de riqueza absolutamente incompatíveis com um titular de benefício assistencial de prestação continuada, cuja finalidade é subtrair da miséria pessoas com deficiência ou idosas, a partir de 65 anos de idade”, afirmou o juiz federal Samuel de Castro Barbosa Melo.

Ao revisar o caso, a desembargadora federal Leila Paiva, relatora da ação, considerou que não cabe à Receita Federal fazer deduções sobre a situação econômica familiar em casos de requerimento de isenção do IPI. Para ela, a análise deve verificar somente se o contribuinte é portador de algum tipo de deficiência e se comprovou a disponibilidade financeira compatível com o valor do veículo.

“Eventual capacidade econômica do requerente ensejaria tão somente a revisão do benefício assistencial pela autoridade competente, não sendo motivo para negativa de isenção do IPI para aquisição de veículo automotor”, destacou.

No recurso, o beneficiário sustenta que não forjou a sua situação financeira para conseguir o BPC e que a compra dos veículos decorre da venda de imóvel pelo seu pai. Segundo a ação, por ser “incapaz para os atos da vida civil”, o carro seria utilizado por sua mãe com a finalidade de facilitar a locomoção.

O colegiado deu provimento ao recurso do beneficiário, entendendo que o acesso ao BPC não restringe a concessão de isenção tributária do IPI para aquisição de veículo automotor.

O caso tramita na ação 5000157-44.2020.4.03.6117

Fonte: Jota

Declaração Universal dos Direitos da Humanidade: mudanças climáticas e chamado mudança

Homem passando diante de termômetro de rua indicando temperatura de 40 graus

Paradoxo na civilização: o estado de emergência climática

O mundo atual foi tomado pela mobilização contínua dos termos alarme, urgência, exceção, emergência. Este conjunto de termos é seguido por um outro conjunto de termos: perigo, risco, extremo, epidemia, calamidade, enchente, catástrofe. Aparentemente, está-se diante de um grupo de palavras em circulação no discurso cotidiano. Mas, e o que vem a seguir? Que consequências delas se pode extrair?

Ora, um outro conjunto de palavras: fome, mortes, migrações forçadas, refugiados climáticos. Enfim, diante deste dicionário de termos (da crise climática) e de uma gramática do tempo (da história do presente), forma-se a linguagem e a equação dos de nossos dias. Está-se diante de um conjunto de fatores que esgotam as possibilidades de saída, diante do ponto-de-não-retorno em que nos encontramos. Isto já deveria ter sido suficiente para criar o alarme e, para além dele, tomarem-se as medidas necessárias. O tema tem chamado a atenção, pelas situações extremas enfrentadas pela população e, em artigo recente, o filósofo Vladimir Safatle defendeu a ideia de se decretar um Estado de emergência climática [1].

A ameaça que surge no horizonte (e, não se trata mais de um horizonte distante, mas do horizonte do agora) tem a característica de fazer soar a sirene, na medida em que torna a exceção (catástrofe como acontecimento que escapa ao ordinário) algo duradouro (permanente, constante) [2] e, exatamente por isso, desastroso à capacidade humana de reorganização. Aliás, a qualidade dos eventos excepcionais é exatamente esta, qual seja, o efeito de surpresa provocado pelo caráter não controlado, não previsível e de consequências arriscadas. De certa forma, as “trombetas escatológicas” já soaram e a humanidade não escutou, tendo-se passado a época dos paliativos e medidas de longo prazo. A questão já está posta para o presente (e nem concerne mais, apenas, às futuras gerações).

É por isso que o etnólogo francês Bruno Latour, em sua obra Diante de Gaia, nos convoca a aprender a ouvir, pois o apelo não é desmedido e nem deve ser em vão [3]. O fato é que, debruçados sobre o tempo presente, deveríamos reconhecer que algo deu errado em nossa concepção “civilizatória“. Nada disso é novidade, pois o ambientalismo já vem chamando a atenção para estes riscos desde os anos 1970. A invocação constante do termo “Antropoceno” designa um conjunto de impactos humanos sobre o planeta que não devem ser negligenciados para uma análise mais detida da questão [4]. Em poucas palavras, a transição da ‘civilização do carbono’ a uma ‘civilização de economia verde’ depende de uma severa reversão do estado avançado em que se encontra a degradação ambiental em todo o mundo.

Esgotamento da natureza e os riscos à humanidade

A questão chama a atenção para o papel da reflexão filosófica em tempos de eventos extremos. A equação arriscada do presente aconselha a uma revisão crítica, profunda e consciente — para a qual, através da ideia de sustentabilidade, o filósofo Leonardo Boff já vem chamando há tempos [5] — de qual é, e de qual tem sido, a nossa relação com a natureza, de qual lugar lhe destinamos, de como a abordamos e de que forma temos retribuído à generosidade com a qual ela nos abrigou durante séculos. Se a tudo que contorna o homem se deve chamar (simplesmente) de coisa, então, tudo o que circunda o homem foi tornado (à imagem e semelhança do mercado) objeto, e é exatamente esta a visão de mundo a ser alterada. Impõe-se pensar que humanos e não-humanos formam uma unidade de vida, onde se um sofre, os demais também sofrem [6].

Mudanças climáticas e o chamado à mudança

As mudanças climáticas vieram para ficar e, com seus impactos, elas alteram tudo. Elas são capazes de colapsar a ordem estabelecida. De fato, não é mais possível continuar a insistir no mesmo modelo. A lógica continuísta do sistema econômico insiste num modelo falido e desastroso, na medida em que exploratório e predatório. Os limites planetários já foram rompidos, e, agora, urge reconhecer que a árdua tarefa de reparação, proteção e cuidado demandará esforços significativos para produzir efeitos concretos (de curto, médio e longo prazo).

Assim, as mudanças climáticas contêm em si uma mensagem, qual seja, o chamado à mudança. O chamado à mudança envolve: 1) mudança de consciência; 2) mudança de concepção; 3) mudança de atitude; 4) mudança de políticas; v.) mudanças econômicas. Nestes termos, a mudança hoje não é uma questão de posição de mundo, ideologia política, ou ainda, de opção moral. Antes, ela deve ser capaz de conclamar a todo(a)s por algo de interesse comum. Sem mudança não há futuro possível! A proteção da natureza é hoje a (própria) proteção do homem, na forma da proteção às presentes gerações e, também, às futuras gerações [7].

Palavra de ordem do momento: desaquecimento ou barbárie

imperativo categórico kantiano de nosso tempo não é outro, senão: “Age de modo a preservar o meio ambiente para garantir a sobrevida planetária da humanidade!”. Trata-se de um imperativo que relaciona o eu ao outro, inequivocamente. É isto, ou barbárie. Mais ainda, ao acompanhar o pensamento da filósofa francesa Corine Pelluchon, é para dizer que a palavra de ordem destes tempos é: “Reparemos o mundo!” [8].

Isto significa que não é necessário aguardar o retorno a um estado de natureza hobbesiano — o que implicaria a guerra de todos contra todos (homo homini lupus) — para ter consciente que diante de recursos escassos e condições limítrofes de sobrevivência, a guerra generalizada seria o tônus da coexistência planetária.

A escassez de alimentos, os prejuízos na agricultura, o desaparecimento de espécies e a perda da subsistência para comunidades tradicionais implicam num risco exasperado para a humanidade. Sem nenhum exagero, os dados da Acnur apontam que dos 120 milhões de deslocados forçados do mundo, ¾ são de pessoas que vivem em países atingidos por fortes consequências decorrentes das mudanças climáticas [9].

Ações globais, esforços concertados, mudanças estruturais e políticas públicas são necessárias, devem estar integradas e são de implementação imediata, para que se possa (ao menos) minorar os efeitos daquilo que já está em curso no mundo. De toda forma, torna-se urgente que um paradigma normativo seja votado pela ONU para representar o locus simbólico desta nova fronteira de luta pelo direito e, também, para apontar no sentido de um consenso global sobrea temática, manifestação de uma baliza normativa comum a todos os povos.

Teor normativo da Declaração e a economia verde

Atualmente, o paradigma normativo que pode servir de baliza normativa comum é a Declaração Universal dos Direitos da Humanidade (Déclaration Universelle des Droits de l´Humanité – Paris, 2015). No dia 13 de maio de 2025 (Genebra – Palácio das Nações Unidas), celebrou-se a data em que a Declaração completou 10 anos de existência (2015-2025), tendo sido confeccionada por ocasião da COP 2015, realizada em Paris (França).

O evento celebrativo tem sentido ambíguo, ao menos do ponto de vista jurídico. E isso porque, de um lado, enaltece a sua existência como intenção normativa, mas, de outro lado, cria um ambiente de pressão por sua adoção pela ONU, pois passados 10 anos, luta-se (ainda) por sua transformação num documento que confere complementação e atualidade à Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), agora sob os desafios diretos das mudanças climáticas.

Em sua tessitura enunciativa, a Declaração Universal dos Direitos da Humanidade está composta por quatro princípios, seis direitos e cinco deveres. Ela inaugura uma visão integrativa entre humanos e não-humanos, em seu artigo 5º [10]. A sua proposta geral está voltada para o estímulo a uma economia verde, de baixo carbono e que valorize a preservação ambiental, o replantio e a conservação dos ecossistemas da biosfera, conectando os interesses das presentes e futuras gerações, bem como as diversas formas de vida que coexistem no planeta. Em verdade, ela é um convite à renovação da esperança em torno da preservação da vida e da integração das diversas formas de vida num único espírito de fraternidade universal. O nosso dever primeiro é o de confirmar a sua importância e suportar a sua aprovação como sendo o documento jurídico símbolo de nossa era.


Bibliografia

ACNUR. Sem escapatória: na linha de frente das mudanças climáticas, conflitos e deslocamento forçado. Novembro, 2024. Disponível em https://www.acnur.org/br/media/sem-escapatoria-na-linha-de-frente-das-mudancas-climaticas-conflitos-e-deslocamento-forcado. Consultado em 28.04.2025.

AGAMBEN, Giorgio. Estado de exceção. Tradução de Iraci D. Poleti. São Paulo: Boitempo, 2004.

ANGUS, Ian. Enfrentando o antropoceno: capitalismo fóssil e a crise do sistema terrestre. Trad. Glenda Vincenzi e Pedro Davoglio. São Paulo: Boitempo, 2023.

BOFF, Leonardo. Sustentabilidade. Petrópolis: Vozes, 2012.

COOKE, Maeve, Reenvisioning freedom : human agency in times of ecological disaster, in Constellations, London, Sage, 30, 2023, p. 119-127.

GORDILHO, Heron José de Santana. Direito ambiental pós-moderno. Curitiba: Juruá, 2009.

KRENAK, Ailton, Ecologia política, in Ethnoscientia, v. 3, n. 2, 2018, ps. 01-02. Disponível em https://periodicos.ufpa.br/index.php/ethnoscientia/article/viewFile/10225/Krenak%202018. Acesso em 01.04.2025.

LATOUR, Bruno. Diante de Gaia: oito conferências sobre a natureza no Antropoceno. Trad. Maryalua Meyer. São Paulo: UBU, 2020.

PELLUCHON, Corine. Reparemos o mundo: humanos, animais, natureza. Trad. Felipe Rodolfo de Carvalho. Porto Alegre: Editora Zouk, 2024.

SAFATLE, Vladimir. Decretar o estado de emergência climática, in Folha de São Paulo, Tendências e Debates, 01 de fevereiro de 2025. Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2025/02/decretar-o-estado-de-emergencia-climatica.shtml. Acesso em 27/03/2025.


[1] Safatle, Decretar o estado de emergência climática, in Folha de São Paulo, Tendências e Debates, 01.02.2025.

[2] Cf. Agamben, Estado de exceção, 2004, p. 19.

[3] “As advertências de Cassandra só serão levadas em conta se dirigidas a pessoas que têm ouvido para as trombetas escatológicas” (Latour, Diante de Gaia: oito conferências sobre a natureza no Antropoceno, 2020, p. 248).

[4] A respeito, consulte-se Angus, Enfrentando o antropoceno: capitalismo fóssil e a crise do sistema terrestre, 2023.

[5] “Ela é fruto de um processo de educação pela qual o ser humano redefine o feixe de relações que entretém com o universo, com a Terra, com a natureza, com a sociedade e consigo mesmo dentro dos critérios assinalados de equilíbrio ecológico…” (Boff, Sustentabilidade, 2012, p. 149).

[6] “Da mesma forma, a ecologia, a justiça social e a causa animal estão ligadas, porque elas pressupõem igualmente refletir sobre os limites planetários e sobre o lugar que conferimos, no seio da nossa existência, aos outros, humanos e não humanos” (Pelluchon, Reparemos o mundo: humanos, animais, natureza, 2024, p. 39).

[7] Cf. Gordilho, Direito ambiental pós-moderno, 2009, p. 85 e seguintes.

[8] “Pois a hora da reparação é aquela do evitamento do pior e da superação do caos” (Pelluchon, Reparemos o mundo: humanos, animais, natureza, 2024, p. 20).

[9] A este respeito, consulte-se o Relatório da Acnur. Sem escapatória: na linha de frente das mudanças climáticas, conflitos e deslocamento forçado. Novembro, 2024.

[10] Art. 5º: “L’humanité, comme l’ensemble des espèces vivantes, a droit de vivre dans un environnement sain et écologiquement soutenable”; “A humanidade e todas as espécies vivas têm o direito de viver num ambiente saudável e ecologicamente sustentável”.

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Sob o CPC/1973, honorários só podem ficar abaixo de 1% do valor da causa se houver justificativa específica

Com base no artigo 20, parágrafo 4º, do Código de Processo Civil (CPC) de 1973, a fixação de honorários advocatícios em patamar inferior a 1% do valor da causa é considerada irrisória, salvo justificativa específica que demonstre a adequação da verba de sucumbência.

Esse entendimento levou a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) a reformar decisão da Primeira Turma que fixou honorários em valor abaixo do mínimo legal. Para a Corte Especial, a afirmação de que o percentual de 1% seria exorbitante no caso não foi fundamentada adequadamente.

Segundo o processo, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) arbitrou os honorários sucumbenciais em R$ 10 mil, numa causa de R$ 240 milhões em 2015. Houve recurso ao STJ, cuja Primeira Turma aumentou o valor para R$ 200 mil.

Nos embargos de divergência submetidos à Corte Especial, foram indicados como paradigmas acórdãos que consideraram irrisória a fixação de honorários abaixo de 1%.

Jurisprudência presume que menos de 1% é valor irrisório

O relator dos embargos de divergência, ministro Sebastião Reis Júnior, destacou o fato de que, em todos os julgados analisados no caso, o arbitramento de honorários advocatícios foi discutido tendo como parâmetro o artigo 20, parágrafo 4º, do CPC de 1973.

Ele apontou que, tanto no acórdão da Primeira Turma quanto nos dois paradigmas apresentados pela parte embargante, o impedimento da Súmula 7 do STJ foi afastado diante do reconhecimento de que os honorários advocatícios haviam sido fixados em patamares irrisórios pelos tribunais de origem.

“Não obstante ser possível, diante das circunstâncias fáticas do caso, arbitrar equitativamente honorários advocatícios abaixo de 1% do valor da causa, faz-se necessária justificativa apta a superar a presunção firmada por esta corte”, disse.

Na hipótese em julgamento, o ministro observou que o acórdão embargado não fez nenhuma consideração quanto ao trabalho desenvolvido pelo advogado, nada dizendo sobre a natureza ou importância da causa, o tempo gasto, o lugar da prestação do serviço ou o grau de zelo exigido do profissional. A decisão – apontou – limitou-se a afirmar que o percentual de 1% sobre o valor da causa representaria uma condenação exorbitante em honorários e transbordaria os parâmetros firmados pelo STJ.

Na avaliação do relator, não há razão concreta para justificar essa afirmativa, e por isso deve prevalecer o entendimento de que são presumidamente irrisórios os honorários fixados abaixo de 1% do valor da causa.

Leia o acórdão no EREsp 1.652.847.

Fonte: STJ

Projeto aumenta pena para crime de estelionato cometido contra maior de 60 anos

O Projeto de Lei 461/25 reduz de 70 para 60 anos a idade a partir da qual se aplica o acréscimo de pena de 1/3 ao dobro quando o crime de estelionato for cometido contra idoso ou vulnerável.

Em análise na Câmara dos Deputados, o texto foi apresentado pela deputada Ely Santos (Republicanos-SP) e altera o Código Penal.

“Atualmente, o Código Penal estabelece essa proteção apenas para pessoas com 70 anos ou mais, mas a legislação brasileira já reconhece como idoso aquele que possui 60 anos ou mais, conforme o Estatuto do Idoso”, afirma a deputada.

“Considerando que pessoas a partir dos 60 anos frequentemente são mais vulneráveis a fraudes e golpes financeiros, é imprescindível adequar a legislação penal para garantir maior proteção a essa parcela da população”, acrescenta Ely Santos. 

Fonte: Câmara dos Deputados

STJ vai fixar tese sobre citação por app de mensagens ou redes sociais em ações civis

A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça vai definir tese vinculante sobre a validade da citação em ações cíveis por meio de aplicativo de mensagens ou de redes sociais.

O colegiado afetou dois recursos especiais ao rito dos repetitivos, sob relatoria do ministro Sebastião Reis Júnior. A previsão regimental é de que o julgamento seja feito em até um ano.

O tema não é novo, mas foi pouco explorado na jurisprudência do STJ. Até hoje, só foi decidido colegiadamente três vezes — duas delas pela 3ª Turma, que julga temas de Direito Privado.

Por esse motivo, os ministros Ricardo Villas Bôas Cueva e Raul Araújo se opuseram à afetação e ficaram vencidos. Para eles, seria necessário mais acórdãos para amadurecimento do debate.

O ministro Sebastião Reis Júnior citou dados da Comissão Gestora de Precedentes, que identificou 76 decisões monocráticas sobre o tema.

“No contexto apresentado, pode-se ter como madura a matéria submetida ao rito do recurso especial repetitivo, circunstância que possibilita a formação de um precedente judicial dotado de segurança jurídica”, disse.

Citação por WhatsApp

Para a 3ª Turma do STJ, a citação por WhatsApp é nula, mas pode ser validada se cumprir seu papel de dar plena e inequívoca ciência ao destinatário sobre a ação judicial da qual é alvo.

Isso implica que a citação seja feita por meio de conteúdo límpido e inteligível, de modo a não suscitar dúvidas no citado.

Como mostrou a revista eletrônica Consultor Jurídico, essa estratégia para citação por vezes causa mais problemas do que soluções, por criar insegurança jurídica e impulsionar nulidades.

De acordo com o Código de Processo Civil, a citação pode ser feita pelo correio, por meio de carta precatória ou rogatória, por oficial de Justiça, em cartório judicial ou por publicação de edital (quando o paradeiro do citando é desconhecido).

Em 2015, foi acoplada ao Código de Processo Civil a hipótese de citação por meio eletrônico (e-mail), mas não existe obrigatoriedade e há uma série de regulamentações que têm de ser cumpridas.

Sinal dos tempos

Fato é que o WhatsApp e aplicativos análogos têm sido cada vez mais incorporados nos atos judiciais — talvez nenhum tão relevante quanto a citação.

O Conselho Nacional de Justiça já autoriza que a intimação seja feita dessa forma — o informe de que houve um novo ou ato em um processo já conhecido e em andamento.

Também têm sido admitidos diversos tipos de notificação, como a feita ao devedor, desde que se comprove o envio e entrega da mensagem — posição recentemente unificada pelo STJ.

A Corte Especial ainda decidiu não suspender os processos ou recursos especiais que tratem sobre o tema enquanto aguarda o julgamento e definição da tese.

Clique aqui para ler o acórdão de afetação
REsp 2.160.946
REsp 2.161.438

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Um milhão de habeas corpus no STJ: mais ou menos justiça?

O instrumento jurídico mais ágil para preservar o direito à liberdade, quando utilizado de forma desvirtuada – às vezes totalmente abusiva –, acaba por prejudicar a própria prestação de justiça a quem precisa.



Ao longo do dia 12 de dezembro de 2024, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) recebeu 625 habeas corpus – um número tão elevado quanto comum na rotina da corte –, mas o conteúdo de um deles chamou atenção: trazia o pedido de prisão do presidente da Rússia, Vladimir Putin, sob o argumento de que a medida seria necessária para cumprir decisão emitida pelo Tribunal Penal Internacional.

Classificado pelo presidente da corte, ministro Herman Benjamin, como “inusitado“, o caso é curioso não apenas pelo personagem em questão, mas pela contradição entre o pedido e a natureza do habeas corpus – instituto criado para assegurar a liberdade da pessoa, não para restringi-la.

Ainda assim, a petição, como todas que chegam à Justiça, precisou ser analisada e decidida – não apenas de forma monocrática, mas também em colegiado e pela Vice-Presidência do STJ, após sucessivos recursos internos –, juntando-se aos mais de um milhão de habeas corpus recebidos pelo tribunal em sua história – marca atingida em 30 de abril deste ano.

Em uma era marcada pelo avanço da litigância em larga escala, o habeas corpus ocupa lugar central no cotidiano do STJ. Concebido para ser acionado diante de ameaça ou coação ilegal ao direito de ir e vir, tornou-se, ao longo dos anos, uma das ações mais manejadas na Justiça brasileira, revelando não apenas o alcance democrático do instituto, mas também o uso distorcido que dele tem sido feito.

Por trás da impressionante quantidade de habeas corpus impetrados no STJ, emergem questões como as fragilidades do sistema recursal, as dificuldades estruturais das cortes sobrecarregadas e a defasagem entre legislação e jurisprudência.

As consequências vão muito além do atraso na tramitação dos processos. O excesso de habeas corpus, especialmente nos colegiados de direito penal, tem prejudicado o cumprimento da missão mais importante do STJ: uniformizar a aplicação das leis por meio do julgamento do recurso especial.

Impetrações sem suporte legal mínimo justificam a aplicação de multas

Absurdos como o requerimento de prisão do presidente russo não são raros. No plantão judiciário de 20 de dezembro de 2024 a 31 de janeiro deste ano, foram protocolados no STJ habeas corpus para impedir a cantora Cláudia Leitte de participar de uma audiência pública e invalidar um pregão eletrônico do Tribunal Superior do Trabalho para aquisição de itens utilizados em eventos.

Após analisar uma série de habeas corpus de um mesmo impetrante, o presidente do STJ aplicou multa de R$ 6 mil pela reiteração de pedidos sem qualquer base constitucional ou legal. O comportamento – que, segundo afirmou Herman Benjamin no julgamento do HC 980.750, configura ato atentatório à dignidade da Justiça e litigância ímproba – foi punido com base no artigo 77, II e IV, e parágrafos 2º ao 5º, do Código de Processo Civil (CPC), entre outros dispositivos legais.

Em 2024, muitas situações semelhantes foram identificadas nos mais de 89 mil habeas corpus analisados apenas pela Terceira Seção – órgão do STJ que julga os casos da área criminal.

Características do habeas corpus o tornam um instrumento atrativo

A lista de habeas corpus manifestamente incabíveis, com temas que passam longe de qualquer violação ao direito de locomoção, é extensa e variada. A corte já recebeu, por exemplo, um pedido de guardas municipais para obter porte de arma. Em outro caso, o impetrante pretendia uma espécie de “licença para beber e dirigir”: ele queria um habeas corpus preventivo para não se submeter ao exame de bafômetro.

Houve ainda o habeas corpus manejado contra o Tribunal de Justiça do Piauí para questionar a substituição do peticionamento em papel pelo peticionamento eletrônico. Na ocasião, a ministra Laurita Vaz (aposentada), relatora, definiu a pretensão como “descabida” e afirmou que demandas como aquela só contribuíam para o abarrotamento dos tribunais.

A preocupação manifestada por Laurita Vaz e pelo presidente do STJ se confirma em números. O tribunal demorou 30 anos para atingir a marca de 500 mil habeas corpus, mas levou apenas seis anos para dobrar o quantitativo.

O cenário da Terceira Seção ilustra o problema. Segundo o ministro Ribeiro Dantas, que presidiu o colegiado de março de 2023 a fevereiro de 2025 e é o relator do HC 1.000.000, os habeas corpus correspondem a quase 70% dos casos analisados nos órgãos julgadores de direito penal. “Isso desfigura, de certa maneira, o que se espera da jurisdição do STJ em matéria criminal”, avalia o magistrado.


Previsto no artigo 5º, inciso LXVIII, da Constituição Federal, o habeas corpus é um poderoso aliado na proteção do direito à liberdade de locomoção, pois é gratuito, não exige maiores formalidades e tem tramitação mais rápida. 

Na mesma linha do texto constitucional, o atual Código de Processo Penal (CPP) dispõe no artigo 647: “Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir, salvo nos casos de punição disciplinar.”

Devido às suas características, o habeas corpus se tornou um instrumento atrativo também para quem deseja outras coisas que não preservar a liberdade do indivíduo diante de coações ou ameaças ao direito de locomoção. Não é de estranhar, portanto, o aumento de sua utilização nos últimos anos, sobretudo com a facilidade de acesso aos tribunais trazida pelo processo eletrônico.

O que mais preocupa o Judiciário, pelo volume, não são nem os pedidos que de tão despropositados chegam a soar folclóricos, e sim o uso do habeas corpus como panaceia para tentar reformar toda e qualquer decisão desfavorável no processo penal – inclusive proferidas em outros habeas corpus –, em substituição aos recursos previstos na legislação.

História da Justiça no Brasil revela uso amplo do habeas corpus

A utilização do habeas corpus no Brasil é antiga. Ribeiro Dantas conta que ele surgiu no país por meio de decretos, nos tempos do Império, mas a sua introdução expressa no ordenamento jurídico se deu no CPP de 1832. A Constituição republicana de 1891 elevou o instituto à categoria de garantia constitucional.

“É essa Constituição (não se sabe até hoje se foi de propósito ou se foi um esquecimento, isto é, se foi um silêncio simples ou um silêncio eloquente) que diz que se daria habeas corpus para qualquer violação por ilegalidade ou abuso de poder. Não se explicitava que era o direito à livre locomoção”, recorda o ministro.

Com isso, prossegue Ribeiro Dantas, advogados reivindicavam diversos direitos por meio de habeas corpus, e o Supremo Tribunal Federal (STF) reconhecia o caráter mais amplo da ação. Apenas em 1926, uma emenda constitucional definiu que o habeas corpus deveria ser impetrado para assegurar a liberdade de locomoção. Mesmo assim, o instrumento já havia se consolidado, nas palavras do magistrado, como um “bebê grandão”.

Modelos adotados em outros países são mais restritivos

O ministro Rogerio Schietti Cruz, membro da Terceira Seção e presidente do Núcleo de Gerenciamento de Precedentes e de Ações Coletivas (Nugepnac) do STJ, aponta que o habeas corpus, de fato, se estabeleceu como um instrumento de uso mais extenso e flexível, especialmente em comparação com modelos adotados em outros países.

“No Brasil”, relata Schietti, “o habeas corpus foi ampliando seu leque de incidência de tal modo que, hoje, tudo que ocorre no processo penal, ou mesmo antes dele, pode ser objeto de um habeas corpus. É uma tradição nossa difícil de mudar, porque se você, de alguma forma, criar limitações, isso causará reações, além da desproteção a alguns direitos que são alcançados por uma interpretação bem ampla do instituto”.

A dificuldade para limitar o habeas corpus à sua finalidade expressamente prevista na Constituição e no CPP tem a ver também com o fato de que o Brasil viveu – em um passado não muito distante – mais de 20 anos de ditadura militar. Nesse período, entre as muitas arbitrariedades perpetradas pelo Estado, houve a edição do Ato Institucional número 5 (AI-5), cujo artigo 10 suspendeu a concessão do habeas corpus nos casos enquadrados como “crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular”.

Com a redemocratização, a chamada Constituição Cidadã de 1988 restabeleceu o devido processo legal, e o habeas corpus – impulsionado pelo sentimento de rejeição ao arbítrio anterior – passou a ser admitido na jurisprudência para corrigir situações apenas indiretamente ligadas à liberdade de locomoção.

Habeas corpus substitutivo de recurso próprio e overruling

Segundo o defensor público Marcos Paulo Dutra, coordenador de Defesa Criminal e do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, o habeas corpus, atualmente, simboliza a democratização do acesso à Justiça e é um instrumento fundamental para a superação de entendimentos jurisdicionais (overruling).

“Quando pensamos na guinada promovida pelo STJ a respeito do reconhecimento pessoal e fotográfico, isso se deu por meio do habeas corpus, o que é sensacional”, afirma o defensor.

Ao falar sobre o aumento das impetrações, ele lembra o debate jurisprudencial em torno da admissibilidade do chamado habeas corpus substitutivo de recurso especial ou substitutivo de recurso ordinário constitucional.

“O STJ tem uma jurisprudência consolidada que não admite o denominado habeas corpus substitutivo. Mas, em muitíssimos casos, os ministros, com acerto, evoluem e acabam concedendo a ordem de ofício, tamanhas as teratologias identificadas”, observa Dutra.

Via paralela mais ágil e desestímulo ao uso do recurso especial

Na avaliação do advogado criminalista Caio César Domingues de Almeida, autor do livro Habeas Corpus na Jurisprudência dos Tribunais Superiores, a atual arquitetura recursal tem levado os operadores do direito a enxergar no habeas corpus uma via paralela – e mais ágil – para garantir a apreciação de questões urgentes, especialmente quando há alguma possibilidade de risco à liberdade do acusado.

Para ele, o sistema atual desestimula o uso regular do recurso especial, cujas exigências procedimentais muitas vezes inviabilizam o exame do mérito.

Como forma de enfrentar o número excessivo de habeas corpus, o advogado sugere uma flexibilização que permitisse à defesa pleitear medidas de urgência diretamente no corpo do recurso especial, à semelhança do que já ocorre com a concessão de habeas corpus de ofício em certos casos. “Essa possibilidade traria mais segurança aos advogados, que hoje recorrem ao habeas corpus temendo que a discussão de direito nem sequer seja apreciada nos tribunais superiores”, diz.

Ministro alerta para necessidade de atualização do CPP

Essa percepção encontra eco no próprio STJ. O ministro Ribeiro Dantas alerta que o uso massivo do habeas corpus se relaciona diretamente com a defasagem do CPP, em vigor desde 1941. Para ele, a legislação brasileira não foi atualizada para lidar com a complexidade e as demandas do processo penal contemporâneo, especialmente no que se refere à celeridade na análise de decisões interlocutórias que afetam a liberdade do réu.

Ribeiro Dantas traça um paralelo histórico com o uso excessivo do mandado de segurança entre as décadas de 1970 e 1990, quando esse instrumento funcionava como uma espécie de “válvula de escape” para ineficiências do processo civil.

Segundo ele, somente após reformas profundas no CPC – que tornaram os mecanismos recursais mais funcionais e acessíveis –, o mandado de segurança perdeu seu caráter emergencial e passou a ser utilizado de forma mais racional. No processo penal, no entanto, o ministro destaca que faltam instrumentos processuais adequados para lidar com situações que não podem esperar.

“Nesses casos, o habeas corpus muitas vezes se apresenta como a única via rápida e eficaz, diante de recursos ordinários excessivamente formais, complexos e morosos”, comenta o ministro.

Leis em descompasso com jurisprudência geram “avalanche” de ações

Para o jurista Guilherme de Souza Nucci, desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, o maior problema não se encontra no manejo do habeas corpus ou na esfera do processo penal, mas sim na falta de atualização de alguns normativos, como a Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas).

O magistrado, que é autor de obras na área do direito penal e do direito processual penal, aponta que as drogas respondem por mais de 50% da carga de trabalho da Justiça criminal, mas esse dado não recebe a devida atenção por parte do legislador. O resultado dessa lentidão é que os tribunais superiores acabam definindo parâmetros que já poderiam estar no texto legal, como é o caso da descriminalização, decidida no STF, do porte de até 40 gramas de maconha para uso pessoal.

Outro exemplo citado pelo magistrado diz respeito à incidência do princípio da insignificância. Ele lembra que, nesse caso, o STJ já estabeleceu filtros em sua jurisprudência.

“Mas onde está na lei? Não tem. Então, o advogado vai reclamar junto ao STJ o tempo todo. Nós temos que atualizar a lei penal utilizando os próprios institutos que os tribunais estão adotando, para que pare a avalanche de habeas corpus reclamando, muitas vezes, o óbvio”, declarou Nucci.

Uma resposta efetiva diante da violação de direitos

Em meio ao debate sobre o uso excessivo do habeas corpus, a história do vídeo abaixo mostra como, apesar das distorções e do volume preocupante de impetrações, esse instrumento continua a representar uma resposta efetiva à violação de direitos fundamentais. No caso de Romário dos Santos, foi a decisão do STJ no HC que fez a diferença entre uma condenação injusta e o restabelecimento da paz em sua vida.​

A série especial HC 1 milhão: mais ou menos justiça? debate o aumento expressivo do uso desse instrumento constitucional, trazendo diferentes pontos de vista sobre o fenômeno e o seu impacto nas atividades dos tribunais.

No próximo domingo: o papel de cada ator do Sistema de Justiça no ingresso massivo de habeas corpus no STJ.

Fonte: STJ

Tributação das altas rendas e miscelânea metódica no cálculo do redutor previsto pelo PL 1.087

O Brasil tem um sistema tributário regressivo e que, portanto, termina por onerar proporcionalmente mais quem tem menos capacidade contributiva. Isso decorre de muitos fatores distintos, mas, fundamentalmente, em razão de termos um sistema majoritariamente baseado na tributação sobre o consumo (que é ínsita e estruturalmente regressiva) em comparação com a tributação da renda e do patrimônio.

Esse efeito regressivo é acentuado no âmbito do imposto de renda das pessoas físicas por um histórico longo de não correção monetária da tabela que prescreve as faixas de tributação e, ainda, pela previsão de poucas e concentradas faixas de alíquotas nominais. Isso gera a tributação de rendas de pessoas com baixa capacidade contributiva, com a fixação de uma progressividade acentuada apenas nas faixas iniciais de renda.

Parece encontrar foros de consenso a ideia de que algum ajuste de rota é necessário. Em que pese esse diagnóstico, a reforma da tributação sobre o consumo, com a criação dos novos Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), com uma alíquota combinada que pode girar em torno de 28%, parece desmentir a conclusão de que os últimos movimentos legislativos estão modalizados com esse propósito.

De todo modo, no âmbito da tributação da renda, surge agora o Projeto de Lei nº 1.087/25, que tem por objeto a implantação, no Brasil, de uma espécie de imposto mínimo sobre a renda, destinado a contribuintes que tenham auferido renda superior a R$ 600 mil. O projeto prevê a incidência desse Imposto de Renda das Pessoas Físicas Mínimo (IRPFM) sobre pessoas que aufiram rendas superiores a esse valor, sendo que a aplicação da alíquota máxima de 10% fica reservada para contribuintes que aufiram R$ 1,2 milhão ou mais.

Como começa a ser exposto pela doutrina especializada, o projeto pode ser criticado por diversos fundamentos, a começar pela falta de transparência quanto ao real objetivo da mudança que, ao final e ao cabo, pretende tributar dividendos recebidos por pessoas físicas [1], ainda que a hipótese de incidência prevista seja ligeiramente mais ampla. Além disso, já surgem vozes sustentando que o IRPFM não é propriamente um adicional do imposto de renda das pessoas físicas, tratando-se, em verdade, de um novo imposto que apenas poderia ser criado por meio de lei complementar [2]. Também não faltam críticas quanto ao fato de o IRPFM não distinguir sociedades de capital e sociedades de pessoas, o que gera uma tributação potencialmente injusta e desigual [3].

O objetivo deste pequeno texto é tratar de um ponto específico do projeto: a criação do que foi chamado, no texto do PL, de um “redutor” do IRPFM no caso de pagamento de lucros e dividendos. O redutor deve ser aplicado para evitar que a cobrança do imposto mínimo acarrete uma tributação final que, considerada a carga tributária da pessoa jurídica e da pessoa física segundo parâmetros próprios fixados no projeto, ultrapasse a alíquota nominal do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro (CSL). De modo bastante objetivo, o redutor é aplicado quando a soma das alíquotas efetivas da pessoa jurídica e da pessoa física ultrapassar o limite da alíquota nominal combinada.

A presença desse redutor parece ser uma resposta antecipada do governo a eventuais críticas sobre o fato de que, no final do dia, haverá tributação de dividendos, sem a redução correspondente das alíquotas incidentes na tributação corporativa. A resposta que o redutor parece ofertar é: ninguém pagará mais do 34%, mesmo que venha a ser considerada a carga tributária cumulada da pessoa jurídica e da pessoa física após a incidência do IRPFM. O projeto, portanto, nessa óptica, apenas eliminaria uma situação de subtributação.

O mecanismo, no entanto, merece revisão, especialmente na parte em que prevê a mensuração da carga tributária efetiva das pessoas jurídicas pela razão entre o valor efetivamente pago de IRPJ e CSL e o lucro contábil apurado no exercício pelas pessoas jurídicas.

Não há dúvida de que a apuração das bases de cálculo do IRPJ e da CSL parte do lucro contábil apurado pelas entidades, mas, por uma série de razões jurídicas (razões essas que são sempre tomadas como relevantes pelo legislador) com ele não se confunde. O chamado lucro real é, nos termos da legislação de regência, calculado a partir do lucro contábil com adições e exclusões que o legislador considera pertinentes, para que a renda (tributável do ponto de vista jurídico) do contribuinte possa ser efetivamente onerada.

Isso não deve causar qualquer surpresa, já que a contabilidade é informativa e preparada com propósitos de reconhecimento, mensuração e evidenciação da posição econômica do contribuinte, enquanto a norma tributária, voltada à oneração da renda, não acolhe, de forma direta, a base de cálculo contábil, realizando ajustes, ora para aumentar a base (adições), ora para reduzi-la (exclusões). O lucro contábil e o lucro real, portanto, dificilmente coincidem, pois são grandezas diversas que servem a propósitos absolutamente distintos. No lucro presumido, do mesmo modo, quase sempre existe um descasamento entre o lucro contábil e o lucro fiscal, apurado pela aplicação de um percentual de presunção fixado em lei. A regra simplificadora se aplica para a mensuração da base tributável.

Condão de embaralhar

Se assim o é, a chamada carga tributária efetiva suportada pelas empresas será, em regra, de 34%, já que o imposto pago deveria ser dividido pela base imponível tributária (o lucro real ou o lucro presumido), e não sobre uma base (o lucro contábil) que sequer serve como parâmetro de mensuração da renda auferida pela pessoa jurídica.

De modo singelo: o tributo pago por uma pessoa jurídica, calculado pela aplicação da alíquota de 34% sobre a base legalmente prescrita, conforma uma carga efetiva de 34%. A tentativa de se mensurar a carga efetiva com base em outros parâmetros, como o lucro contábil, é arbitrária, notadamente porque esse dado serve a outro propósito e sequer é juridicamente tributável como renda. Como já decidiu o Supremo Tribunal Federal (RE nº 606.107), conceitos contábeis e jurídicos não se confundem, sendo indevida a subordinação da tributação a critérios contábeis.

O mecanismo de tributação mínima, como posto no projeto, tem o condão de embaralhar uma série de subregimes tributários que foram (ou deveriam ter sido) pensados com o objetivo de cumprir certas políticas públicas, já que ele gera um efeito transversal na tributação de todas as espécies de renda. Isso termina gerando uma tributação de rendimentos que, por algum fundamento constitucional, foram desonerados. Ora, ou esses rendimentos foram desonerados com um objetivo nobre e, portanto, não podem ser, depois, onerados (ainda que via um IRPFM). Ou, não, não estão amparados num fundamento constitucional (são “privilégios odiosos”) e, então, o caminho deve ser a revogação da desoneração e não sua tributação sub-reptícia.

Anda mal, portanto, o projeto de lei quando cria essa espécie de redutor, altamente complexo e que dificilmente surtirá efeitos concretos, já que é construído com base em uma miscelânea de critérios distintos, talvez porque moldado apenas para servir de resposta à crítica de que o projeto aumenta a tributação das pessoas físicas sem reduzir, de forma correspondente, a tributação das pessoas jurídicas, embaralhando o atual modelo brasileiro de integração da tributação da renda.


[1] SCAFF, Fernando Facury. Tributação disfarçada de dividendos e distribuição disfarçada de lucros. Conjur, 14/04/2025. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2025-abr-14/tributacao-disfarcada-de-dividendos-e-distribuicao-disfarcada-de-lucros/

[2] BIFANO, Elidie Palma. Projeto de Lei 1.087/25: estamos diante de mais uma confusão tributária? Conjur, 02/04/2025. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2025-abr-02/o-projeto-de-lei-1-087-25-estamos-diante-de-mais-uma-confusao-tributaria/

[3] DERZI, Misabel; e MOURA, Fernando. Isenção de IR até R$ 5.000: atecnias em busca de maior justiça tributária. Conjur, 28/03/2025. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2025-mar-28/pl-1087-2025-atecnias-em-busca-de-maior-justica-tributaria/

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Repetitivo define percentuais e fixa base de cálculo para honorários na desistência de desapropriação

Sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 1.298), a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu que a fixação de honorários advocatícios devidos pelo autor, em caso de desistência de ação de desapropriação por utilidade pública ou de constituição de servidão administrativa, deve seguir os percentuais definidos no artigo 27, parágrafo 1º, do Decreto-Lei 3.365/1941 (entre 0,5 e 5%), tendo como base de cálculo o valor atualizado da causa.

De acordo com o colegiado, esses percentuais não são aplicáveis somente se o valor da causa for muito baixo, hipótese em que os honorários serão arbitrados por apreciação equitativa, nos termos do artigo 85, parágrafo 8º, do Código de Processo Civil (CPC).

Com a fixação da tese jurídica, podem voltar a tramitar os recursos especiais e agravos em recurso especial que discutem a mesma questão e que estavam suspensos à espera desse julgamento. O entendimento definido pela Primeira Seção deverá ser observado pelos tribunais de todo o país na análise de casos semelhantes.

Base de cálculo segue regra supletiva do artigo 85, parágrafo 2º, do CPC

O ministro Paulo Sérgio Domingues, relator do repetitivo, destacou que o Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar a ADI 2.332, já debateu a constitucionalidade da regra sobre honorários inserida no Decreto-Lei 3.365/1941. Na ocasião, foi reconhecida a validade da base de cálculo e dos percentuais da verba sucumbencial definidos especificamente para ações expropriatórias.

Na hipótese de desistência da ação de desapropriação ou de constituição de servidão administrativa, entretanto, o ministro explicou que não há como aplicar a base de cálculo prevista no decreto-lei. Segundo ele, isso se dá porque a sentença não definirá indenização alguma, uma vez que não ocorrerá perda da propriedade imobiliária ou imposição de ônus ou restrição para a fruição do bem imóvel pelo seu proprietário.

“À falta de condenação ou de proveito econômico efetivo, já foi dito que não há suporte jurídico para o estabelecimento da base de cálculo dos honorários nos moldes do artigo 27, parágrafo 1º, do Decreto-Lei 3.365/1941, de modo que essa base será fixada de acordo com norma jurídica supletiva prevista no artigo 85, parágrafo 2º, do CPC, tomando-se em conta, então, o valor atribuído à causa”, afirmou o ministro.

Percentual dos honorários independe de existência de condenação

Quanto aos percentuais dos honorários, o relator avaliou que os valores previstos no Decreto-Lei 3.365/1941 representam norma especial que não depende da existência ou inexistência de condenação do expropriante. Segundo ele, a desistência da ação não faz desaparecer o suporte jurídico de aplicação do decreto-lei – que, como lei especial, prevalece sobre a norma geral.

Paulo Sérgio Domingues acrescentou que o entendimento deve ser flexibilizado quando o valor da causa for irrisório. Nesse caso, prosseguiu o ministro, devem ser afastados os parâmetros especiais de percentuais e base de cálculo de honorários para que seja aplicado o arbitramento por apreciação equitativa, a fim de impedir que a verba sucumbencial seja fixada em patamar incompatível com a dignidade do trabalho advocatício.

Instâncias ordinárias não aplicaram as disposições do decreto-lei

Um dos recursos representativos da controvérsia (REsp 2.129.162) foi interposto em ação movida pela Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) para a constituição de servidão administrativa sobre um imóvel particular, com o objetivo de construir uma linha de distribuição de energia elétrica. Quase um ano depois, após a concessionária desistir da ação, o juízo de primeiro grau arbitrou os honorários em 10% do valor da causa, com base nos artigos 85 e 90 do CPC. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais manteve o parâmetro adotado, deixando de aplicar a regra do artigo 27, parágrafo 1º, do Decreto-Lei 3.365/1941.

“Deve ser reformado o acórdão recorrido, já que a solução do caso concreto que dele emana está em desconformidade com a jurisprudência sedimentada no âmbito deste STJ, bem como com a tese jurídica ora estabelecida”, concluiu o ministro ao determinar o retorno do processo ao tribunal de origem para que os honorários sejam novamente arbitrados.

Leia o acórdão no REsp 2.129.162.

Fonte: STJ