Teses sobre abono de permanência e nova Lei de Improbidade marcaram a pauta no direito público

Entre os principais destaques da pauta do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em 2025, na área do direito público, figuraram 47 precedentes qualificados, abordando temas como a inclusão do abono de permanência no cálculo das vantagens dos servidores, o ônus da prova sobre regularidade dos débitos em contas individualizadas do Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep) e a definição do marco inicial para incidência de juros e correção monetária sobre a multa civil por improbidade administrativa.

Também se sobressaíram decisões acerca de prescrição em execuções fiscais, responsabilidade solidária de empresas pertencentes a conglomerados nos crimes da Lei Anticorrupção, critérios objetivos para caracterizar o dano moral coletivo ambiental e da multa de R$ 86 milhões aplicada à Vale por dificultar a fiscalização em Brumadinho (MG).

Em junho, a Primeira Seção definiu, por unanimidade, que o abono de permanência integra a base de incidência das verbas calculadas sobre a remuneração do servidor público, tais como o adicional de férias e a gratificação natalina (13º salário). O colegiado concluiu que o benefício tem natureza remuneratória, uma vez que se incorpora às demais vantagens decorrentes do exercício do cargo, sendo pago de forma contínua enquanto o servidor estiver em atividade.

Segundo a ministra Regina Helena Costa, relatora do Tema 1.233, a inclusão do benefício nas bases de cálculo da gratificação natalina e do adicional de férias decorre da própria definição de remuneração prevista no artigo 41 da Lei 8.112/1990, que engloba o vencimento básico somado às vantagens permanentes. “O fato de o abono estar condicionado à permanência do servidor na ativa não o torna transitório, mas elemento integrante da remuneração enquanto durar a relação de trabalho, porquanto pago a ele de forma contínua, regular e mensal”, explicou.

Participante deve comprovar desfalque no Pasep, salvo nos casos de saque em agência

No mês de outubro, a Primeira Seção estabeleceu, no Tema 1.300, que o Banco do Brasil deve assumir o ônus de comprovar a regularidade dos débitos em contas individualizadas do Pasep quando os saques forem realizados diretamente nos caixas de suas agências. Já nas contestações relativas a pagamentos efetuados por crédito em conta ou na folha salarial, cabe ao beneficiário apresentar as provas necessárias.

Sob a relatoria da ministra Maria Thereza de Assis Moura, o colegiado entendeu que o pagamento mediante saque em caixa de agências é feito diretamente pelo BB. Dessa forma, de acordo com a relatora, a relação é regida por regras sobre a comprovação da quitação, nos termos do artigo 320 do Código Civil, ou seja, é o banco quem deve provar a regularidade da operação e verificar a ocorrência de saques indevidos.

A ministra também foi relatora do Tema 1.311, que fixou a tese de que o curso do prazo prescricional da obrigação de pagar quantia certa pela Fazenda Pública não é suspenso durante o cumprimento da obrigação de implantar em folha de pagamento imposta na mesma sentença.

No julgamento, a Primeira Seção considerou que, embora a implantação em folha influencie diretamente o valor da execução por quantia certa, isso não justifica a suspensão do prazo prescricional. Assim, cabe ao credor, diante do risco de prescrição, iniciar imediatamente a execução das parcelas vencidas, podendo incluir posteriormente as parcelas vincendas ou optar pela quitação direta pela administração.

Anotação positiva sobre EPI afasta risco laboral para fins de aposentadoria especial

Ainda sob o rito dos repetitivos, a Primeira Seção definiu, em abril, que a anotação positiva sobre o uso adequado de equipamento de proteção individual (EPI) descaracteriza, em princípio, o risco laboral para fins de reconhecimento de tempo de aposentadoria especial. O colegiado ainda esclareceu que cabe ao trabalhador, autor da ação previdenciária, demonstrar a eventual ineficácia do EPI, mas a conclusão deve ser favorável a ele em caso de divergência ou dúvida.

A relatora do Tema 1.090, ministra Maria Thereza de Assis Moura, lembrou que o Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar o Tema 555 da repercussão geral, firmou o entendimento de que a indicação de uso adequado de EPI afasta o reconhecimento do tempo especial, salvo se o segurado demonstrar que o equipamento não era utilizado ou não era eficaz. A ministra também citou o posicionamento da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU), o qual considera que a anotação do uso de EPI no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) é suficiente para comprovar a neutralização de agentes nocivos e a preservação da integridade física do trabalhador.

Mantida multa de R$ 86 milhões contra a Vale por dificultar fiscalização em Brumadinho

A tragédia de Brumadinho foi tema de julgamento da Primeira Seção, em abril. Na ocasião, o STJ manteve a decisão da Controladoria-Geral da União (CGU) que aplicou multa de R$ 86 milhões à Vale por omitir informações sobre a estabilidade da barragem de Brumadinho (MG), cujo rompimento, em 2019, resultou em uma tragédia ambiental e humana com 272 mortes. O colegiado confirmou a aplicação da Lei 12.846/2013 (Lei Anticorrupção) ao caso, reforçando a responsabilização das empresas por condutas que atentem contra a administração pública.

Em seu voto, a relatora, ministra Regina Helena Costa, ressaltou que, ao fornecer informações inverídicas e omitir dados relevantes, a Vale prejudicou diretamente a atuação da Agência Nacional de Mineração, comprometendo o desempenho de sua função fiscalizatória e a adoção de medidas que poderiam ter evitado – ou ao menos reduzido – os impactos da tragédia de Brumadinho. Segundo Regina Helena Costa, a omissão privou a autarquia de elementos essenciais para agir a tempo diante de riscos evidentes.

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O desenvolvimento de atividades econômicas de elevado risco caminha ao lado do legítimo exercício do poder fiscalizatório do Estado, impondo-se ao setor econômico o dever de colaborar com as ações estatais mediante cumprimento integral das ordens administrativas.
MS 29.690

Ministra Regina Helena Costa

 

Repetitivos estabelecem novas definições sobre a Lei de Improbidade Administrativa

No julgamento do Tema 1.128, a Primeira Seção resolveu controvérsia sobre o marco inicial para cálculo dos juros e da correção monetária no caso de multa civil por improbidade administrativa: se deveria ser o trânsito em julgado da condenação, a data do evento danoso ou outro marco processual. Conforme o colegiado, na multa civil prevista na Lei 8.429/1992, a correção monetária e os juros de mora devem incidir a partir da data do ato ímprobo, nos termos da Súmula 43 e da Súmula 54 do STJ.

O relator do caso, ministro Afrânio Vilela, destacou que a multa civil é calculada com base no proveito econômico obtido, na extensão do dano ao erário ou no valor da remuneração do agente público, e observou que, em todas essas hipóteses, “o critério legal para a fixação da multa civil remete a um fator relacionado à data da efetivação do ato ímprobo”.

Ainda no campo da improbidade, o colegiado decidiu, em fevereiro, que as disposições da Lei 14.230/2021 são aplicáveis aos processos em curso, para regular o procedimento da tutela provisória de indisponibilidade de bens, de modo que as medidas já deferidas poderão ser reapreciadas para fins de adequação à atual redação dada à Lei 8.429/1992. O ministro Afrânio Vilela, também relator desse repetitivo (Tema 1.257), enfatizou que a tutela provisória de indisponibilidade de bens, por ser passível de revogação ou modificação a qualquer momento, está sujeita à aplicação da nova Lei de Improbidade.

De acordo com o magistrado, considerando as diretrizes do julgamento do Tema 1.199 da repercussão geral pelo STF e o artigo 1º, parágrafo 4º, da Lei 8.429/1992, que determina a aplicação dos princípios do direito administrativo sancionador ao regime da improbidade, não há como afastar a incidência da Lei 14.230/2021 na análise da tutela provisória de indisponibilidade de bens em processos já em curso.

Justiça Federal deve julgar fornecimento de remédio à base de cannabis sem registro na Anvisa

A Primeira Seção também decidiu, em agosto, que as ações destinadas ao fornecimento de medicamentos à base de cannabis não registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) devem ser propostas contra a União, o que atrai a competência da Justiça Federal para processar e julgar tais demandas. O colegiado seguiu o entendimento do ministro Afrânio Vilela ao julgar conflito de competência entre um juízo federal e um estadual de Santa Catarina.

O ministro afirmou que, quando o medicamento solicitado não tem registro na Anvisa, não é possível aplicar o Tema 1.234 do STF, que trata de fármacos registrados pela agência. Ele também informou que os Temas 793 e 1.161, que versam sobre responsabilidade solidária na assistência à saúde e sobre fornecimento de medicamentos não registrados, mas com importação autorizada, não servem para resolver conflitos de competência, pois dizem respeito ao mérito e só podem ser adotados no julgamento das ações principais.

Decisões sobre prescrição na execução fiscal e restrições à isenção de IPI

Já no mês de março, a Segunda Turma firmou dois entendimentos sobre a execução fiscal: para a interrupção do prazo da prescrição intercorrente, basta que a Fazenda Pública encontre bens, independentemente da modalidade de constrição judicial; e, na citação realizada pelo correio com aviso de recebimento (AR), é suficiente que se comprove que ela foi entregue no endereço do executado.

O relator, ministro Francisco Falcão, esclareceu que, para interromper o prazo prescricional, basta que os resultados das diligências da Fazenda Pública para localizar bens do devedor sejam positivos, independentemente da modalidade de constrição judicial adotada. “O bloqueio por meio do Sistema de Busca de Ativos do Poder Judiciário (Sisbajud) ou a indisponibilidade por meio da Central Nacional de Indisponibilidade de Bens (CNIB), quando preenchidos os requisitos, asseguram ao exequente o direito de resguardar o crédito, permitindo, ao mesmo tempo, que o devedor apresente defesa”, declarou.

No mês seguinte, o colegiado também fixou que a Lei 8.989/1995 não exige o registro de restrições na Carteira Nacional de Habilitação (CNH) para que a pessoa com deficiência tenha direito à isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) na compra de carro. Segundo o colegiado, a atuação da administração tributária deve se basear no princípio da legalidade, o que impede a imposição de exigências não previstas expressamente em lei.

“Deve ser conferida ao caso interpretação teleológica e sistêmica, no sentido de privilegiar a finalidade social da norma isentiva de IPI, para inclusão e maior garantia de direitos às pessoas com deficiência, aspecto humanitário do benefício fiscal”, comentou o relator, ministro Afrânio Vilela.

Pelos mesmos motivos – falta de previsão na Lei 8.989/1995 e respeito ao objetivo social da norma –, a Primeira Turma decidiu, em outubro, que a isenção do IPI na compra de carro por taxista não depende da comprovação de exercício anterior da atividade. Na opinião do relator do recurso, ministro Paulo Sérgio Domingues, “restringir o benefício apenas aos taxistas já estabelecidos anteriormente na profissão equivaleria a reduzir o alcance social da lei, criando uma barreira injustificada ao ingresso de novos profissionais”. 

Empresas de conglomerado societário podem responder solidariamente na Lei Anticorrupção

Em junho, a Primeira Turma estabeleceu que empresas que integram conglomerado societário podem responder solidariamente por crimes da Lei Anticorrupção. O relator do recurso, ministro Paulo Sérgio Domingues, explicou que o parágrafo 2º do artigo 4º da Lei 12.846/2013 fixa expressamente a responsabilidade solidária entre as sociedades controladoras, controladas, coligadas ou, no âmbito do respectivo contrato, consorciadas.

O relator ponderou que tal dispositivo tem a finalidade de abranger o maior número de situações possíveis em termos de criação, transformação, agrupamento e dissolução de empresas, impedindo, dessa forma, a ausência de responsabilização em decorrência de lacuna legislativa.

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A responsabilidade da pessoa jurídica subsistirá, ainda que ocorra alteração contratual, transformação, incorporação, fusão ou cisão societária. Desse modo, não há uma condição para a responsabilidade da pessoa jurídica, e sim uma ordem para que essa responsabilidade perdure, mesmo que ocorra alteração contratual, transformação, incorporação, fusão ou cisão societária.

REsp 2.209.077

Ministro Paulo Sérgio Domingues

 

Critérios objetivos para reconhecimento de dano moral coletivo por lesão ambiental

Um mês antes, em maio, a Primeira Turma foi a responsável por definir sete critérios objetivos para reconhecer dano moral coletivo em casos de lesão ambiental. Sob a relatoria da ministra Regina Helena Costa, o colegiado entendeu que os danos ambientais nas áreas da Floresta Amazônica, da Mata Atlântica, da Serra do Mar, do Pantanal e da Zona Costeira configuram ilícitos contra bem jurídico coletivo, exigindo reparação ampla, inclusive em sua dimensão imaterial.

A magistrada destacou que, além da responsabilização por danos materiais, o princípio da reparação integral exige a recomposição total do dano ecológico, o que abrange também a indenização por danos morais difusos.

Fonte: STJ

STJ autoriza Fisco a arbitrar ITCMD frente a critérios estaduais para cálculo

Os estados têm plena liberdade para eleger o critério de apuração da base de cálculo do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), mas isso não impede que, conforme autorizado pelo Código Tributário Nacional, o Fisco estadual calcule-o por arbitramento.

A conclusão é da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, que fixou tese vinculante, por maioria de votos, em julgamento sob o rito dos recursos repetitivos.

O ITCMD é o imposto cobrado pelos estados quando há a transmissão não onerosa de bens ou direitos, como ocorre na herança ou na doação entre pessoas vivas.

A base de cálculo do tributo é o valor venal dos bens ou direitos transmitidos, como prevê o artigo 38 do Código Tributário Nacional. Mas cada estado tem o poder de editar normas sobre como esse valor deve ser apurado.

O STJ definiu que, mesmo diante dessa definição feita por leis estaduais, o Fisco pode calcular o imposto por arbitramento sempre que as informações disponíveis não refletirem o valor real do bem.

O arbitramento, nessas hipóteses, é previsto no artigo 148 do Código Tributário Nacional. Se o Judiciário veda categoricamente essa possibilidade ao Fisco, ele ofende a lei federal — e agora a tese vinculante do STJ.

Arbitramento do ITCMD

O voto vencedor foi do ministro Marco Aurélio Bellizze, que abriu a divergência e foi acompanhado por Benedito Gonçalves, Sérgio Kukina, Paulo Sérgio Domingues, Teodoro Silva Santos, Afrânio Vilela e Francisco Falcão.

Ele explicou que as formas de apuração inicial do ITCMD eleitas pela lei estadual não se confundem com o procedimento de arbitramento, que deve ser excepcional, subsidiário e vinculado.

Isso significa que o arbitramento só cabe quando os critérios eleitos pela lei estadual mostrarem-se inidôneos para calcular o valor venal do bem, ou se os documentos apresentados pelo contribuinte forem omissos.

O Fisco, portanto, tem a prerrogativa de fazer o lançamento por arbitramento e não possui nenhuma discricionariedade para decidir que isso será feito fora das hipóteses traçadas no artigo 148 do CTN.

“O procedimento de arbitramento não consubstancia prerrogativa genérica que poderia ser ignorada ou afastada pela lei local, tampouco ser genericamente suprimida por decisão judicial”, afirmou o ministro Bellizze.

Foram aprovadas as seguintes teses:

1) A prerrogativa da administração fazendária de promover o procedimento administrativo de arbitramento do valor venal do imóvel transmitido decorre diretamente do CTN, em seu artigo 148 (norma geral);

2) A legislação estadual tem plena liberdade para eleger o critério de apuração da base de cálculo do ITCMD. Não obstante, a prerrogativa de instauração do procedimento de arbitramento nos casos do artigo 148 do CTN, destinada a apuração do bem transmitido em substituição ao critério inicial que se mostrou inidôneo a esse fim, não implica em violação do Direito estadual, tampouco pode ser genericamente suprimida por decisão judicial. Seu exercício dá-se pela instauração regular prévia do procedimento individualizado apenas quando as declarações, informações ou documentos apresentados pelo contribuinte, necessários ao lançamento tributário, mostrarem-se omissos ou não merecerem a fé à finalidade a que se destinam, competindo à administração fazendária comprovar que a importância então alcançada encontra-se absolutamente fora do valor de mercado, observada necessariamente a ampla defesa e o contraditório.

Interpretação da lei estadual

Ficou vencida isoladamente a ministra Maria Thereza de Assis Moura, que votou no sentido de dar aos Tribunais de Justiça estaduais a decisão sobre a possibilidade de cada Fisco arbitrar a base de cálculo do ITCMD.

Em sua análise, a discussão é fundada no direito local. Assim, não pode ser analisada pelo STJ porque não cabe recurso especial para discutir interpretação de lei estadual. Isso porque a discussão trata da forma de apuração, não da base de cálculo.

Teses propostas por ela:

1) O direito estadual estabelece a forma de apuração do valor venal, base de calculo do ITCMD;

2) A discussão sobre o cabimento do arbitramento da base de cálculo do ITCMD em face da existência de valor de referência é fundada no direito estadual;

3) Não cabe recurso especial contra decisão que aplica os artigos 9 e 13 da Lei 10.705/2000 de São Paulo para afastar o arbitramento da base de cálculo do ITCMD.

Tema relevante

Como mostrou a revista eletrônica Consultor Jurídico, parte dos estados decide que o cálculo do ITCMD partirá de valor coincidente com a base de apuração do IPTU ou do ITR.

Para o contribuinte, a adoção da base de cálculo a partir do valor de referência é mais interessante porque evita a necessidade de avaliação do bem, e porque índices como o IPTU costumam ser mais modestos do que o real preço de mercado.

No STJ, a jurisprudência já indicava que o Fisco pode arbitrar a base de cálculo do ITCMD quando o valor declarado pelo contribuinte se mostrar incompatível com os preços praticados no mercado.

REsp 2.175.094
REsp 2.213.551

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Aposentadoria por invalidez não pode se basear em laudos antigos, decide juíza

A aposentadoria compulsória por invalidez de um servidor público precisa estar fundamentada nos laudos médicos mais completos e recentes. A decisão que desconsidera isso viola o dever de motivação previsto no artigo 50 da Lei do Processo Administrativo (Lei 9.784/1999).

Com base nesse entendimento, a juíza Aline Cristina Breia Martins Juíza, da 3ª Vara Cível e Empresarial de Marabá (PA), determinou a suspensão imediata da aposentadoria por invalidez imposta a uma oficial de Justiça e ordenou a sua reintegração provisória ao cargo.

Segundo os autos, a aposentadoria da servidora por invalidez foi fundamentada em um laudo da Junta Médica Oficial do Tribunal de Justiça do Pará. O documento se baseou em diagnósticos prévios que apontavam que a servidora sofria de transtorno afetivo bipolar e fibromialgia.

O documento, porém, ignorou laudos recentes, emitidos por profissionais que a acompanham regularmente — psiquiatra, reumatologista, psicóloga e fisioterapeuta. Esses documentos atestavam que a servidora teve melhora na condição clínica e estava apta para o exercício da função, ainda que com eventuais ajustes de jornada.

Laudo genérico

Ao analisar o caso, a juíza avaliou que o parecer da Junta Médica Oficial do TJ-PA que embasou a aposentadoria era “notoriamente genérico”, pois limitou-se a reiterar diagnósticos prévios sem analisar os laudos assistenciais apresentados pela autora.

Essa omissão, segundo a julgadora, compromete a validade da decisão. Ela ressaltou que os laudos atualizados apontam, inclusive, que a própria atividade profissional tem função terapêutica para a servidora, “de modo que o afastamento compulsório pode acarretar prejuízos irreversíveis à sua saúde mental”.

“A exigência de motivação não se satisfaz com a mera reprodução de fórmulas padronizadas ou com conclusões destituídas de análise do caso concreto. Conforme estabelece o art. 50 da Lei no 9.784/99, a Administração Pública está obrigada a indicar expressamente os fundamentos de fato e de direito de suas decisões, especialmente quando afetam diretamente a esfera jurídica de seus administrados”, disse a juíza.

A servidora foi representado pelo advogado Kayo César Araújo da Silva.

Clique aqui para ler a decisão
Processo 0811960-92.2025.8.14.0028

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Comissão aprova proibição de usucapião por marido agressor quando mulher fugir de violência

 

A Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 1504/25, pelo qual o agressor fica impedido de pedir usucapião de imóvel compartilhado pelo casal quando a mulher tiver deixado a residência para fugir de violência doméstica.

O usucapião é o direito de adquirir a propriedade de um bem pelo uso contínuo e incontestado durante certo tempo. Pela legislação atual (Código Civil), existe a figura da “usucapião familiar”, que permite a um cônjuge adquirir a propriedade integral do imóvel se o outro abandonar o lar por dois anos.

A proposta, de autoria do deputado Marcos Tavares (PDT-RJ), busca evitar que essa regra seja usada contra vítimas de violência. Pelo texto, a saída do imóvel motivada pela necessidade de proteger a integridade física ou psicológica da mulher e de seus familiares não poderá ser considerada abandono de posse.

A relatora, deputada Gisela Simona (União-MT), defendeu a aprovação da medida, que garante à vítima de violência doméstica o direito de retornar ao imóvel conjugal, uma vez cessadas as condições de ameaça, sem prejuízo de sua titularidade sobre o bem.

A medida vale para casos de violência física, psicológica, moral, patrimonial ou sexual, conforme definido na Lei Maria da Penha. Se virar lei, a norma será aplicada inclusive aos processos de usucapião já em andamento.

Fonte: Câmara dos Deputados

STJ julga se cabe ação rescisória para adequar decisão definitiva a tese posterior

A ação rescisória não é instrumento uniformizador de jurisprudência. Assim, não serve para adequar decisão definitiva a algum entendimento posterior, mesmo que tenha sido fixado por meio de tese vinculante.

Esse entendimento foi oferecido pela ministra Regina Helena Costa, da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Tema 1.299 dos recursos repetitivos.

Até o momento, apenas a relatora dos recursos especiais afetados votou. O julgamento foi interrompido nesta quarta-feira (10/12) por pedido de vista da ministra Maria Thereza de Assis Moura.

Rescisória para adequação

A possibilidade da ação rescisória é discutida no âmbito de uma demanda específica, sobre a compensação do reajuste de 28,86% sobre a Retribuição Adicional Variável (RAV) com o reposicionamento funcional de servidores previsto pela Lei 8.627/1993.

Em 2013, a 1ª Seção decidiu sob o rito dos repetitivos que “o índice de 28,86% incide normalmente sobre a RAV”.

As rescisórias sobre o tema buscam desconstituir decisões que transitaram em julgado antes dessa tese, admitindo a compensação do reajuste com o reposicionamento funcional dos servidores.

Para Regina Helena Costa, não é possível usar esse instrumento para desconstituir as decisões que se tornaram definitivas antes de 11 de setembro de 2013, aplicando-se a Súmula 343 do Supremo Tribunal Federal, que diz que “não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais”.

“A ação rescisória não é instrumento uniformizador de jurisprudência, sendo imprópria sua propositura para fazer prevalecer posicionamento posterior à formação da coisa julgada, mesmo quando oriundo de julgamento submetido aos repetitivos”, disse a relatora.

Divergência de posições

O tema é gerador de divergência no STJ. A 2ª Turma vinha mantendo a posição de que, se o reajuste sobre a RAV era alvo de interpretações díspares quando foi decidido, ele não pode ser alterado por meio de rescisória após a pacificação.

Já a 1ª Turma mudou o posicionamento para concluir que, nas hipóteses em que, após o julgamento, a jurisprudência, ainda que vacilante, tiver evoluído para sua pacificação, a rescisória pode ser provida, afastando-se a Súmula 343 do STF.

O caso em julgamento agora é importante justamente porque esse uso da ação rescisória para adequação de julgados anteriores a posições jurisprudenciais mais recentes ganhou força no Brasil.

A própria 1ª Seção do STJ afastou a Súmula 343 do STF quando decidiu, em fevereiro de 2023, que cabe rescisória para adequar o resultado de um processo tributário a uma nova orientação formada no Judiciário.

Essa autorização decorreu de uma situação considerada excepcional: tratava-se de acórdão relativo a ação coletiva sobre cobrança de tributo de trato continuado — IPI sobre a revenda de produtos importados.

Em setembro de 2024, a 1ª Seção afastou novamente a Súmula 343 do STF ao decidir que a Fazenda pode usar a rescisória para adequar sentenças definitivas anteriores à modulação da “tese do século”, restringindo o aproveitamento de créditos de PIS e Cofins.

Súmula 343 do STF

A posição, que gerou críticas na comunidade jurídica, passou a ser citada em petições enviadas ao STJ, na tentativa de ser replicada em outras situações, o que gerou até um alerta feito pelo ministro Gurgel de Faria, em junho de 2023.

No julgamento desta quarta, a ministra Regina Helena indicou que, de fato, o STJ não abandonou a Súmula 343, mas ela deixou claro que a posição se restringe à análise do reajuste de 28,86% sobre a RAV dos servidores.

“O exame sobre a possibilidade de superar a Súmula 343 limita-se à hipótese de direito material versada nos autos, dela não se podendo extrair orientação vinculante de espectro geral ou efeito expansivo para situações que não guardem identidade com a controvérsia examinada.”

A ministra sugeriu a seguinte tese:

Aplica-se o óbice do verbete sumular 343 do STF às ações rescisórias ajuizadas com base em ofensa a literal de disposição de lei (artigos 485, inciso V do CPC de 1973 e artigo 966, inciso V do CPC de 2015) que visem desconstituir títulos judiciais transitados em julgado antes do julgamento do Tema Repetitivo 548 em 11 de setembro de 2013 nos quais tenha sido reconhecida, para efeito de aplicação do reajuste de 28,86% sobre a retribuição adicional variável (RAV), a possibilidade de compensação do percentual com os supervenientes reposicionamentos funcionais da carreira de auditor fiscal da receita federal implementados pela Lei 8.627/1993.

EREsp 1.431.163
EREsp 1.910.729

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Apple não é obrigada a vender celular com carregador, diz juiz

O juiz Alessandro Bandeira, do 2º Juizado Especial Cível e das Relações de Consumo de São Luís, rejeitou a pretensão de um consumidor que ajuizou ação indenizatória depois de comprar um iPhone que não veio com o carregador.

O autor alegou prática de venda casada, ou seja, a obrigação de adquirir determinado produto do mesmo vendedor junto à compra original.

Conforme os autos, o consumidor comprou o celular e, depois de perceber que o aparelho vinha sem o carregador, ajuizou a ação. Segundo o autor, o smartphone tornou-se impróprio para uso, tendo em vista que ele não tinha o dispositivo compatível com a nova entrada do aparelho (USB tipo C).

O consumidor argumentou ainda que foi obrigado a comprar um adaptador de corrente original da Apple (peça que conecta o fio à tomada). Ele pediu, então, que a fabricante e o e-commerce pelo qual adquiriu o celular pagassem reparação por dano moral, além de restituir o valor gasto com o adaptador.

Em sua defesa, a Apple disse que não houve venda casada porque, no momento da compra, a informação sobre os acessórios que acompanham o celular estava clara. O e-commerce alegou ilegitimidade passiva, já que só intermediou a compra.

Sabia de tudo

O magistrado rejeitou todos os pedidos do autor. Para ele, não houve venda casada. “O carregamento do celular pode ser realizado sem a necessidade de um adaptador de tomada específico. O consumidor, portanto, mantém a liberdade de escolha, podendo decidir pela compra do adaptador vendido pela fabricante ou, caso prefira, buscar adaptadores vendidos por fabricantes distintos que possuem o produto à venda no mercado de consumo”, disse o magistrado.

Para o juiz, não houve coação ou imposição por parte do fornecedor, e o celular comprado poderia funcionar normalmente sem a “aquisição adicional”. Além disso, ele afirmou que o consumidor sabia o que estava comprando.

“A escolha do produto e a efetivação da compra indicam que a demandante estava ciente das condições de compra do aparelho, inclusive do fato de que ele não viria acompanhado de um carregador externo para conexão direta com tomadas, mas apenas do cabo para carregamento”, disse o juiz. Com informações da assessoria de imprensa do TJ-MA.

Processo 0802842- 69.2025.8.10.0007

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Da rigidez do Estado-Engrenagem à adaptabilidade do Estado-Organismo

O paradigma do Estado-Engrenagem está em colapso. Por décadas, concebemos o Estado como uma máquina previsível, um sistema de engrenagens perfeitamente ajustadas operando com base em três pilares que desmoronaram: a lei como pressuposto holísticoa organização em silos e o cidadão/gestor como ator plenamente racional.

É preciso questionar esses pressupostos idealizados no modo de compreender a atuação dos agentes públicos de execução e de controle. O sistema jurídico já alterou essas premissas em leis, práticas e decisões judiciais. Muitos simplesmente não acompanharam o giro normativo. A partir do questionamento dessas premissas e dos instrumentos legais disponíveis, pode-se ampliar significativamente os espaços de inovação e experimentação na administração pública. Nesse propósito, sintetizo adiante argumentos que apresentei sobre o tema no Insper/SP, a convite do movimento Pessoas à Frente, preservando o máximo possível a oralidade e a leveza da exposição presencial. [1]

Fraturas do modelo tradicional

Ilusão da lei holística

O pressuposto de uma lei holística que abraça toda a complexidade da realidade administrativa não é realista. Desde a EC 32/2001, temos clareza de que parte da decisão sobre funcionamento e estruturação da administração pública cabe ao próprio administrador. Não é mais necessário editar medida provisória para transferir um órgão de um ministério para outro. Um regulamento de organização pode estabelecer essa alteração sem afetar os direitos e deveres dos cidadãos. [2]

A administração pública, contudo, evita usar essa prerrogativa. O que ela não pode é criar órgãos ou extinguir órgãos. Mas diante dos órgãos existentes e das competências já criadas por lei, pode remanejar competências e órgãos, delegar e reordenar, otimizando a máquina administrativa. Pode fundir, cindir, estabelecer mecanismos como os centros de competência. O gestor pode e deve participar do processo normativo de funcionamento e estruturação da administração.

Problema dos silos organizacionais

A organização em silos — a ideia de que a administração pode trabalhar bem com cada um no seu cantinho — simplesmente não funciona. O mundo atual exige coordenação inter e intra-administrativa radical. O sistema jurídico já compreendeu isso e aprovou mecanismos que incentiva e operam a integração.

Mas ainda há lacunas a preencher. Falta disciplinar na administração pública sistemas de prevenção, de concentração decisória em matéria de controle, em certa medida semelhantes aos disponíveis no sistema de justiça. A excessiva demora da liberação da autorização de simples pesquisa da margem equatorial pela Petrobras ilustra bem o problema: órgãos de diferentes Ministérios Públicos, órgãos ambientais estaduais e federais, cada um a seu tempo e a seu modo a exigir as mesmas informações e a estabelecer mecanismos de controle duplicados ou redundantes, sem incidência de mecanismo algum de prevenção. Uma cacofonia de controles, que engendra custos e protela decisões públicas.

Mito do gestor plenamente racional

O terceiro pressuposto equivocado é que tanto o gestor quanto o cidadão são racionais, com compreensão clara, informada e precisa da realidade em todas as situações. Se o gestor não consegue realizar a entrega, presume-se que foi negligente, inoperante, ineficaz, inepto, merecendo censura. Muitas vezes não é nada disso. O gestor não consegue, do mesmo modo que o cidadão, ser plenamente racional e trabalhar sempre com evidências. Ele é vulnerável a informações incompletas, à pressão do tempo e a recursos limitados. E tudo isso pode e deve ser apurado nos processos administrativos.

Instrumentos para a transformação

Vencendo a aversão ao risco

A reforma da Lei de Improbidade Administrativa e a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Lindb), modificada pela Lei nº 13.655/2017, enfrentaram a aversão ao risco. Mas não é suficiente. É preciso reconhecer que o erro é absolutamente normal na administração pública e implantar essa mentalidade como algo ínsito no processo administrativo de controle.

No sistema francês, os servidores do Conselho de Estado são obrigados a passar dois anos em estágio nos órgãos controlados antes de integrar o órgão de controle. Precisam saber como funciona o órgão controlado para depois integrar o órgão de controle. No Brasil, o agente faz concurso para o TCU, passa 120 dias em estágio e capacitação, e vira controlador sem ter ideia de como funciona a administração real, desafiada pela incompletude das informações e a complexidade das limitações orçamentárias e materiais existentes.

Silêncio administrativo: além do positivo e negativo

A resposta preventiva tradicional do direito administrativo à inércia decisória é o silêncio positivo e negativo. Mas há problemas graves nisso. O silêncio negativo, embora cômodo, torna insegura a situação do beneficiário da declaração, abrindo apenas a via processual sem resposta efetiva. O silêncio positivo, enfatizado na Lei da Liberdade Econômica de 2019, cria riscos de desproteção ambiental e insegurança jurídica.

Propus em 2016 o silêncio translativo como alternativa. Esse mecanismo cria ônus para o servidor que não decide: passado o prazo assinalado na lei, a matéria é afetada em caráter original — não recursal — para outra autoridade, com imediata responsabilização disciplinar do gestor omisso. Cria-se arquitetura de incentivos para decidir no prazo. A área ambiental já tem esse mecanismo na legislação, sem dar esse nome: se um órgão municipal não atua, o estadual ou federal pode atuar translativamente. [3]

Posteriormente propus o reconhecimento dogmático do silêncio ablativo, ainda mais radical: a lei substitui o administrador, fulminando o espaço de decisão administrativa. Exemplo: na Lei Nacional do Ministério Público, consta norma que se o governador não escolhe o procurador-geral de justiça na lista tríplice em 15 dias, o mais votado é automaticamente definido por lei como o escolhido. O STF validou isso. Inúmeras situações poderiam ser resolvidas por silêncio ablativo, prevendo solução alternativa legal à omissão decisória. [4]

Centros de competência e decisão coordenada

É espantoso que os centros de competência não sejam estudados nos livros jurídicos. Temos em São Paulo o Poupatempo, na Bahia o SAC desde 1995, no governo federal o Colab, organismos matriciais com equivalentes em vários Estados. Alguns são órgãos formados pela cooperação operativa de vários órgãos em atuação simultânea, dando resposta uniformizada, padronizada e sistematizada ao cidadão em tempo reduzido. O Colab, especificamente, ao consolidar serviços comuns de 13 ministérios — logística, informática, gestão de pessoal — demonstrou que a integração matricial funciona: economizou R$ 2,7 bilhões em três anos, com relatórios de avaliação de impacto que comprovam a eficiência ganho. [5]

Esse é um instrumento de otimização organizativa que já existe, disposto em diversas normas. Não é preciso criar centro de competência por lei: os órgãos já estão criados, as competências já estão dadas. Um regulamento de organização que integre a força operativa desses órgãos já cria o centro de competência.

A decisão coordenada, introduzida na lei de processo administrativo da Bahia em 2006 e dez anos depois na lei federal, estabelece mecanismo processual sincrônico e concentrado. Em vez do passeio do processo entre órgãos A, B, C até resposta final, convoca-se sessão única onde todos devem se pronunciar. Nos casos de urgência, os órgãos que não se pronunciam perdem competência. Ninguém quer perder poder na administração pública. Criam-se incentivos à decisão e participação coordenada. [6]

O Estado-Organismo: novo paradigma

Proponho o modelo heurístico do Estado-Organismo ou Estado Adaptativo, que integra quatro elementos fundamentais: aprendizado, abertura, autovinculação e articulação.

Aprendizado: Denota o Estado que se defronta com contextos diversos de realidade e busca descobrir variantes de resposta a partir da experimentação. Os sandboxes regulatórios implementados pelo Banco Central, Susep e agências reguladoras, ilustram bem esse paradigma. Por igual, os municípios são microcosmos excelentes para testar iniciativas. Bolsa Família, Médico de Família — muitos nasceram dessa experimentação no nível micro.

Abertura: é o Estado que dialoga com parceiros, cidadãos, terceiro setor, empresariado. Estado que não dialoga isola-se e não aprende. O Estado como plataforma de colaboração, abrindo-se para lideranças novas, mecanismos de entrada pelo topo, concursos distintos em diferentes modalidades, não uma única forma de acesso generalista.

Autovinculação: se amplio o espaço de flexibilidade decisória do gestor, devo aumentar a exigência de autovinculação, o respeito a precedentes, a uniformização interpretativa. A Lei 9.784 estabelece no artigo 50, VII, que a administração deve motivar especialmente os atos que deixem de aplicar jurisprudência firmada, valorizando o precedente administrativo e a coerência, que valoriza a igualdade diacronicamente, como filme, não como foto.

Articulação: romper com os silos, operar em rede. A ideia ingênua de que o sistema hierárquico reconduz ao presidente da República toda a matéria administrativa é equívoco desmentido pela própria Constituição. Na administração central, temos em verdade uma “Hidra de Lerna”: União, Estado, Município possuem corpos centrais com múltiplas cabeças autônomas — poderes legislativo, judiciário, executivo, Ministério Público, Tribunais de Contas. É preciso incentivar a coordenação de unidades autônomas em torno de projetos, não a coordenação mecânica ou hierárquica. [7]

Lindb e o novo controle

A Lei nº 13.655/2017, proposta intelectualmente por Carlos Ari Sundfeld e Floriano de Azevedo Marques Neto, mas de iniciativa do senador Antonio Anastasia, requalifica a temática do controle.

O artigo 20 exige análise do contexto decisório e das consequências práticas, vedando decisão baseada apenas em valores abstratos sem identificar custos e benefícios. A prescrição impõe um ônus argumentativo para o controlador: ele precisa justificar porque sua decisão é A, B ou C, analisando obstáculos e as dificuldades reais do gestor.

O artigo 22 combate a expectativa irrealista de que o gestor sabe tudo, vê tudo, pode tudo. A análise é sempre ex post facto, posterior à realidade concreta que era de penumbra, incerta, indefinida — como vimos na Covid-19. Exigir do gestor a decisão ótima nesse cenário era absurdo. O gestor trabalha com recursos limitados, sob pressão temporal, muitas vezes sob desespero e angústias.

O artigo 28 ajuda fundamentalmente ao exigir que a responsabilização só ocorra provado o dolo ou erro grosseiro. Cria-se bloqueio à responsabilização por decisões de boa-fé, erros simples, riscos singelos inerentes a qualquer processo decisório.

Formação do controlador

A transformação paradigmática sugerida exige sair do foco da punição para a orientação, prevenção e parceria. Sair da visão retrospectiva irrealista para análise do contexto real e dos resultados. Sair do formalismo para oferecer segurança ao gestor.

Mas como incentivar isso? A segurança jurídica é base para a experimentação administrativa, transformando risco em oportunidade de aprendizado. Mas também é preciso mudar a formação dos controladores.

No Brasil, temos concurso público, depois curso de formação concentrado (média de 120 dias), sem imersão obrigatória nos órgãos fiscalizados. A formação ocorre integralmente dentro do órgão de controle, transmitindo tradição, sem foco em conviver com a realidade concreta do decisor. É uma formação endógena, que reproduz costumes e perpetua distanciamentos.

No sistema francês, ao contrário, há períodos prolongados de imersão prática nos órgãos controlados — não como visitantes, mas como membros temporários das equipes. Futuros controladores vivem o drama de enfrentar a névoa da realidade, as dificuldades orçamentárias, as urgências políticas, as incertezas informacionais, descobrindo na prática como isso é desafiador. Só depois dessa vivência concreta assumem funções de controle. O resultado é previsível: controladores com empatia maior e compreensão mais realista de quem decide sob pressão.

O administrador médio — alguns chamam de “médium”, porque precisa tentar prever como o órgão de controle entenderá no futuro aqueles fatos e decisões — é atacado por essa exigência de fugir de padrões ideais e abstratos. A Lindb exige isso. Mas esse modelo somente se concretizará quando ampliarmos a empatia do controlador.

Controlar melhor

Hoje temos descompasso: formação teórica distante da prática, padrões abstratos de controle, figuras idealizadas como o “administrador médio” sem conteúdo concreto, sistema de controle com viés punitivo e retrospectivo desincentivando a inovação.

Como controlador, defendo a formação mais imersiva, realista, empática no controle público. O arcabouço legal da Lindb ajuda, exigindo o primado da realidade, fim da idealização de fatos, proteção do erro simples e de boa-fé. Com esse arcabouço legal e a formação empática, temos possibilidade de mudança efetiva.

Os Tribunais de Contas começam a mudar. O TCU mostra evolução, decisões apuram cada vez mais o contexto real dos órgãos correcionado, evitando sancionamento injusto. Isso precisa se generalizar. Os ministros Antonio Anastasia, Bruno Dantas e Benjamin Zymler tem encabeçado esse avanço. A consensualidade assume algum protagonismo, o que traz o mundo dos fatos para mais perto desta ilustre Corte Administrativa.

A questão fundamental não é controlar mais, mas controlar melhor. Precisamos de novo padrão de controle conformativo e prospectivo, permitindo a experimentação e o abandono do fetiche da culpa. A recalibração do controle com legalidade, contexto, segurança jurídica, eficiência.

Existem instrumentos legais e conceitos novos para serem explorados, mecanismos inovadores de incentivo à coordenação, a presteza, a economia operacional. Centros de competência, silêncio translativo e ablativo, decisão coordenada, experimentação disciplinada, sistemas de prevenção e concentração de controle, formação empática de controladores — essas não são propostas abstratas. São realidades que já vigem parcialmente no sistema, mas precisam ser estudadas, compreendidas e otimizadas.

O desafio está posto. A transformação de mentalidades é possível. Paradigmas de compreensão sofrem mutações que somente com o tempo conseguimos identificar com clareza. Falta apenas incentivar essa virada realista e empática, que assume a falibilidade humana como inerente a qualquer atividade, e ampliar a vontade institucional para operacionalizar o que o ordenamento já permite e o que a racionalidade administrativa exige com a máxima urgência.

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[1] Novembro, 2026. Palestra integral disponível pelo link

[2] Ver aqui

[3] Revista Colunistas, 22/12/2016, nº 317. Ver, ainda, ConJur.

[4] ConJur

[5] ConJur

[6] ConJur

[7] ConJur

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STF encerra primeiro dia do julgamento do marco temporal

O Supremo Tribunal Federal (STF) encerrou o primeiro dia das sustentações das partes envolvidas em quatro processos que tratam do marco temporal para demarcação de terras indígenas.

Dois anos após a Corte declarar o marco inconstitucional, os ministros voltaram a julgar a questão na sessão desta quarta-feira (10). Foram ouvidas as sustentações das principais entidades que fazem parte da discussão.

O julgamento vai continuar nesta quinta-feira (11), quando a Corte pretende encerrar a fase das manifestações das partes. A data da votação dos ministros será marcada posteriormente.

Em 2023, o STF considerou que o marco temporal é inconstitucional. Além disso, o marco também foi barrado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que vetou a Lei 14.701/2023, na qual o Congresso validou a regra. Contudo, os parlamentares derrubaram o veto de Lula.

Dessa forma, voltou a prevalecer o entendimento de que os indígenas somente têm direito às terras que estavam em sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal, ou que estavam em disputa judicial na época.

Após a votação do veto presidencial, os partidos PL, PP e Republicanos protocolaram no STF ações para manter a validade do projeto de lei que reconheceu a tese do marco temporal.

As entidades que representam os indígenas e partidos governistas também recorreram ao Supremo para contestar novamente a constitucionalidade da tese. 

Sustentações

O advogado Ricardo Terena falou pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e reafirmou que os direitos fundamentais dos indígenas são inegociáveis. Terena sustentou que a tese do marco temporal é uma afronta aos direitos indígenas e um desafio à autoridade da Constituição.

“Quando achamos que a Constituição seria plena para nós, povos indígenas, ela continuou sendo quase. Desde o protocolo das ações diretas de inconstitucionalidade, a lei não foi suspensa e sua promessa de paz social jamais se concretizou nos territórios indígenas”, disse. 

Indígena e advogado, Dinanam Tuxá se manifestou na condição de representante do PSOL. Ele fez um relato sobre sua situação pessoal e disse que sua comunidade foi removida de um território indígena, em função da construção de uma usina hidrelétrica na Bahia, e ainda não conseguiu retomar o território.

“Não aceitamos ser removidos para áreas equivalentes. Para nós, não há território substituível. Nós temos relações espirituais e ancestrais com os territórios pelos quais lutamos. Nosso território é indissociável de quem somos”, afirmou. 

O advogado Rudy Maia Ferrraz, representante do PP, defendeu a segurança jurídica para pacificar a questão das demarcações.

“Precisamos buscar a resolução de conflitos. A lei, ao estabelecer um parâmetro objetivo, que é o marco temporal, traz previsibilidade e confiabilidade aos processos de demarcação”, defendeu.

Gabrielle Tatith Pereira, advogada do Senado, defendeu a constitucionalidade da lei que validou o marco temporal. A representante do Senado disse que a Constituição garante os direitos dos povos indígenas. 

Segundo Gabrielle, também é necessário garantir que pessoas que obtiveram títulos de terras concedidos pelo Estado ao longo dos anos tenham a posse da terra reconhecida.

“É legítima a pretensão das comunidades indígenas de ver reconhecida a terra tradicionalmente ocupada. De outro lado, também é legítima a pretensão do proprietário de boa-fé, com título outorgado pelo Estado há décadas”, argumentou.  

Fonte: EBC

Vice-presidente do TST vê resultado ‘inegável’ no modelo de trabalho da China

Embora funcione em um sistema próprio, que não pode ser comparado sem ressalvas com o brasileiro, o modelo de trabalho da China deu resultado “inegável” à economia do país. Essa avaliação é do ministro Guilherme Caputo Bastos, vice-presidente do Tribunal Superior do Trabalho.

Caputo Bastos falou sobre o assunto em entrevista à revista eletrônica Consultor Jurídico durante o IV Congresso Nacional e II Internacional da Magistratura do Trabalho, promovido em Foz do Iguaçu (PR) no final de novembro. O Anuário da Justiça do Trabalho 2025 foi lançado no evento.

“É inegável o boom que este país, que tem um sistema muito próprio e específico, alcançou em termos de produtividade, de eficiência dos seus mercados”, afirma o vice-presidente do TST.

Para que o Brasil siga o mesmo rumo, Caputo Bastos avalia que o primeiro desafio é a modernização da legislação. Na visão dele, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) precisa ser atualizada para lidar com as transformações sociais.

“A nossa CLT, que é a bíblia de qualquer um que opera o Direito do Trabalho, tem que ser capaz de se modernizar, de se atualizar, para que nós possamos também enfrentar os novos tipos de relação social que vão surgindo com o tempo”, avalia o ministro.

Essa modernização, segundo Caputo Bastos, é essencial porque a Justiça do Trabalho tem sido constantemente chamada a dar respostas sobre novas relações trabalhistas.

O ministro afirma que o Direito, sobretudo o Direito do Trabalho, deve atuar como um freio para impedir abusos nas relações laborais, mas não pode permitir que isso atrapalhe o empreendedorismo e o crescimento do país.

“Não podemos eleger esse princípio (do combate aos abusos) como uma coisa que impeça o empreendimento, que impeça que o país cresça, que o país produza riqueza, e que essa riqueza seja distribuída entre todos e possibilite dar aos nossos cidadãos uma vida melhor.”

Clique aqui para ver a entrevista ou assista abaixo:

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Medidas atípicas de execução independem de patrimônio do devedor

A adoção de medidas atípicas de execução, como bloqueio de cartões ou apreensão do passaporte do devedor, não pode depender de indícios de que ele tenha como saldar a sua dívida. Ainda assim, sua necessidade deve ser avaliada com parcimônia e razoabilidade.

Essa é a opinião de advogados ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico sobre as teses vinculantes fixadas pela 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, em julgamento recente.

Ficou decidido que a adoção dessas medidas precisa ser subsidiária, fundamentada e baseada na ponderação entre o princípio da maior efetividade da execução e o da menor onerosidade para o executado.

Com ou sem bens?

O principal acerto do colegiado, segundo os advogados, foi afastar a obrigação de demonstrar a existência de indícios de patrimônio do devedor, até por uma consequência lógica: as medidas atípicas não seriam necessárias nesse caso.

“Muitas vezes não há indícios positivos ou negativos de bens no patrimônio do devedor e, mesmo assim, a medida coercitiva pode se mostrar útil. Às vezes o devedor tem bens, mas não vive uma vida de ostentação”, pondera José Miguel Garcia Medina.

Ele destaca a necessidade de que as medidas coercitivas sejam usadas com parcimônia e talhadas para cada situação específica.

“Não faz sentido estabelecer uma medida severa como é a apreensão do passaporte em relação a alguém que não faz viagens internacionais, por exemplo. Não vai surtir resultado. É preciso usar a medida adequada para o tipo de obrigação que está em jogo.”

Rodrigo Forlani Lopes, sócio do escritório Machado Associados, entende que a ocultação de patrimônio para o deferimento de medida atípica seria um requisito inviável: se o credor tivesse prova mínima, já seria suficiente recorrer às medidas típicas como a penhora.

“As medidas atípicas existem justamente para lidar com a resistência de quem supostamente tem meios, mas impede que o patrimônio seja localizado. O critério relevante, portanto, não é a prova de riqueza, mas a necessidade concreta da medida, sua subsidiariedade e a proporcionalidade, nos termos definidos pelo STJ.”

Leitura de comportamento

O advogado acrescenta que cabe ao juiz analisar a postura do executado, como a ocorrência de comportamento que sugira tentativa de frustrar a execução. É o que vai indicar a utilidade da medida atípica em cada caso concreto.

“Por isso, a eficácia não pode ser presumida e exige fundamentação específica sobre como aquela medida pode, de fato, contribuir para o adimplemento.”

Regina Céli Martins, sócia do VBD Advogados, nota que a intenção dos ministros do STJ foi evitar que se aplicassem essas medidas contra quem se tornou juridicamente insolvente. Logo, é preciso observar casuisticamente o cabimento desses atos.

“Da forma prevista anteriormente, isto é, o credor ter o dever de demonstrar indícios da existência de bens, acabaria por tornar a tese praticamente inaplicável, pois, havendo indícios da existência de bens, o credor pediria a execução de tais bens, e não a aplicação de medidas atípicas.”

Teses fixadas

As turmas de Direito Privado do STJ têm jurisprudência pacífica quanto ao cabimento dessas medidas e já decidiram que elas devem durar o tempo suficiente para dobrar a renitência do devedor.

Em julgamento de 2023, o Supremo Tribunal Federal também validou o uso de meios atípicos de execução, entendendo que eles valorizam o acesso à Justiça e aumentam a eficiência do sistema.

Leia a tese:

Nas execuções cíveis submetidas exclusivamente ao Código de Processo Civil, a adoção judicial de meios executivos atípicos é cabível, desde que, cumulativamente:

1) Sejam ponderados os princípios da efetividade e da menor onerosidade do executado;

2) Seja realizada de modo prioritariamente subsidiário;

3) A decisão contenha fundamentação adequada às especificidades do caso;

4) Sejam observados os princípios do contraditório, da proporcionalidade e da razoabilidade, inclusive quanto à sua vigência temporal.

REsp 1.955.539
REsp 1.955.574

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