Projeto que permite continuar divórcio após morte de cônjuge é aprovado por comissão

A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados aprovou, em caráter conclusivo, o Projeto de Lei 198/24, da deputada Laura Carneiro (PSD-RJ), que permite a continuidade do processo de divórcio e de dissolução de união estável após a morte de um dos cônjuges.

De acordo com o texto aprovado, o falecimento de um dos cônjuges após o início da ação de divórcio não leva automaticamente à extinção do processo. Os herdeiros poderão prosseguir com a demanda.

Autonomia
A comissão aprovou o parecer da relatora, deputada Maria Arraes (Solidariedade-PE), favorável ao projeto. “A proposta protege a autonomia da vontade e evita que situações indesejadas prejudiquem o direito do falecido e, potencialmente, de seus herdeiros”, afirmou a relatora.

Violência
A autora do projeto, deputada Laura Carneiro, citou como exemplo o caso de uma mulher vítima de violência doméstica que ingressa com o pedido de divórcio, mas morre antes da decisão judicial.

Se o juiz não decretar o divórcio post mortem, o cônjuge agressor torna-se herdeiro, com prováveis direitos previdenciários e sucessórios.

Fonte: Câmara dos Deputados

Súmula Carf sobre créditos extemporâneos: formalismo que prejudica o direito

O contencioso a respeito do PIS/Cofins está longe de se resolver. Nem mesmo a implementação da reforma tributária é uma promessa de que esse problema chegará ao fim, pois milhões de processos (administrativos e judiciais) existentes continuarão sendo objeto de discussão nos tribunais, como espólio da litigiosidade que gravita em torno dessas contribuições.

E muito disso se deve ao fato de que, a cada avanço normativo, surge uma nova interpretação administrativa que reabre batalhas. O mais recente capítulo envolve o aproveitamento dos chamados créditos extemporâneos [1] e a súmula recentemente aprovada pelo Carf [2] nos seguintes termos:

“O aproveitamento de créditos extemporâneos da contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins exige a apresentação de DCTF e Dacon retificadores, comprovando os créditos e os saldos credores dos trimestres correspondentes”.

À primeira vista, pode parecer mais uma medida para a racionalização e celeridade de julgamentos, o que estaria em sintonia com a busca pela duração razoável dos processos administrativos federais que versem acerca de exigências tributárias [3]. Mas, no fundo, trata-se de algo mais grave: uma interpretação que, com a devida vênia, subverte a lei, esvazia a lógica da não cumulatividade e coloca a existência de uma obrigação acessória acima do direito material.

Tratamento normativo dos créditos extemporâneos

Os artigos 3º, § 4º das Leis nº 10.637/2002 e 10.833/2003 [4] são de clareza vítrea: o crédito não aproveitado em determinado mês pode sê-lo nos meses subsequentes. Nenhuma condição adicional, nenhum requisito de retificação, nenhum apego ao calendário fiscal. A lei é de uma objetividade elogiosa e realista ao admitir que a vida empresarial é complexa e que nem sempre o aproveitamento do crédito será tempestivo.

Embora a corrente predominante no Carf no âmbito das turmas ordinárias tenha entendimento massivo no sentido de que o direito material ao crédito independe da retificação das obrigações acessórias [5], no âmbito da CSRF a divisão interpretativa é clara, podendo ser dividida em duas correntes: uma posição que pode ser chamada de formalista e outra que pode ser cunhada como substancialista.

A corrente formalista, representada pelos acórdãos como 9303-007.510 [6], 9303-009.653 e 9303-009.738, sustenta que sem a retificação dos documentos fiscais correlatos (DCTF e Dacon) não há crédito válido.

Por sua vez, a corrente materialista, exemplarmente destacada nos acórdãos 9303-006.248 [7], 9303-008.635 e 9303-009.893, consagra aquilo que nos parece óbvio: a lei não condiciona o aproveitamento do crédito a esse tipo de burocracia ou, em outros termos, a legislação privilegia a substância em detrimento da forma [8].

A súmula aprovada, todavia, indevidamente sacramenta a primeira visão, de caráter formalista, o que redunda em um notório paradoxo, pois estamos diante de uma súmula que esvazia justamente o direito que a lei quis garantir.

Crítica à súmula aprovada pelo Carf

A exigência de retificação dos documentos fiscais exigida na súmula aqui criticada não é apenas um capricho. É, em verdade, uma distorção. Primeiro, porque desloca o foco da discussão: em vez de se debater se o crédito existe e se é legítimo, o que acaba sendo objeto de discussão é se o contribuinte cumpriu uma formalidade que a lei jamais impôs. Segundo, porque confere às obrigações acessórias — DCTF e Dacon — uma força que jamais tiveram: transformar-se em condição para a existência de um direito material, de índole constitucional.

Mais grave ainda: o Dacon já não existe. A exigência, portanto, é anacrônica, uma relíquia burocrática que a administração pública insiste em ressuscitar para negar créditos sob uma perspectiva formalista, o que, aliás, nos remete a seguinte pergunta: o que será da súmula quando aplicada a períodos posteriores à extinção dessa obrigação acessória? Nesse caso, a súmula será afastada por meio do distinguishing ou veremos aí o início de uma nova discussão quanto à aplicação equivocada de súmulas no âmbito da realização prática do Direito Tributário [9]?

Em suma: trata-se de um formalismo sem causa [10], que gera custo, litigiosidade e insegurança, sem entregar nenhuma contrapartida de justiça fiscal.

Para os contribuintes, a mensagem é clara: quem não tiver a disciplina de retificar cada obrigação acessória, mesmo que o crédito seja legítimo, corre o risco de perder o direito ao crédito. Não por ter descumprido a lei, mas por não ter atendido a uma forma não contemplada pela ordem jurídica.

Conclusões

Para fins puramente arrecadatórios, pode parecer um triunfo para a administração pública: mais autuações, mais glosas, mais créditos exigíveis no curtíssimo prazo. Mas, a médio e longo prazo, é um verdadeiro tiro no pé: a litigiosidade aumenta, os processos abarrotam o Carf e o Judiciário, e a previsibilidade do sistema tributário se esvai.

A não cumulatividade deveria ser um princípio de racionalidade, o que se afasta com a súmula recém aprovada pela CSRF. Ao impor a retificação de declarações como condição para o crédito, a súmula não apenas cria um requisito inexistente, mas também revoga, por via interpretativa, os artigos 3º, § 4º das Leis nº 10.637/2002 e 10.833/2003.

Com a aprovação desse enunciado, não teremos um avanço em segurança jurídica. Teremos um retrocesso: a consagração de um formalismo que prejudica o Direito e que resultará, seguramente, em um volumoso contencioso judicial tributário.


[1] O que já foi objeto de tratamento nessa coluna por Thais de Laurentiis e Maysa de Sá Pittondo Deligne em preciso texto (aqui).

[2] Por maioria de votos, vencidas as conselheiras Cynthia Elena Campos, Denise Madalena Green Tatiana Josefovicz Belisário.

[3] Essa busca por um processo célere não pode ser um fim em si mesmo, sob pena de outros valores próprios de uma atividade tipicamente prudencial, como é o caso da atividade julgadora exercida pelo CARF, serem deixados de lado, tudo em favor de uma indevida jurisdição “drive-thru”. Aprofundando essas críticas, inclusive promovendo uma macro comparação com os sistemas herdeiros do “common law”, destacamos: RIBEIRO, Diego Diniz. A rescisão da coisa julgada com base em precedentes do STF e do STJ: uma análise crítica no processo judicial tributárioSão Paulo: Noeses, 2024.

[4] Art. 3º Do valor apurado na forma do art. 2o a pessoa jurídica poderá descontar créditos calculados em relação a:
(…)
§4º O crédito não aproveitado em determinado mês poderá sê-lo nos meses subseqüentes.

[5] Vide Acórdãos 3302-013.823, 3402-012.254, 3301-013.421, 3201-006.671, 3201-01.593, 9303-008.635 e 9303-012.977.

[6] CRÉDITOS EXTEMPORÂNEOS. APROVEITAMENTO.
O aproveitamento de créditos extemporâneos de PIS não cumulativo está condicionado a apresentação dos Dacon retificadores dos respectivos trimestres, demonstrando os créditos e os saldos credores trimestrais, bem como das respectivas DCTF retificadoras.

[7] CRÉDITOS DA CONTRIBUIÇÃO NÃO CUMULATIVA. RESSARCIMENTO. CRÉDITOS EXTEMPORÂNEOS. PEDIDO DE RESSARCIMENTO. Na forma do art. 3º, § 4º, da Lei nº 10.833/2003, desde que respeitado o prazo de cinco anos a contar da aquisição do insumo, o crédito apurado não-cumulatividade do PIS e Cofins.

[8] Inclusive, para dar efetividade substancial ao princípio da não-cumulatividade no âmbito do PIS e da Cofins, princípio esse que apresenta guarida constitucional e, portanto, deve se sujeitar a uma hermenêutica que dê máxima efetividade a tal norma.

[9] Exatamente como já ocorrido em relação à aplicação da súmula Carf nº 11, o que foi denunciado por Carlos Augusto Daniel Neto em textos primorosos (aquiaqui e aqui) e cuja equivocada aplicação em matéria aduaneira foi felizmente corrigida pelo Superior Tribunal de Justiça, por meio de precedentes vinculantes formados no âmbito do REsp nº 2.147.578 e 2.147.583.

[10] É no mínimo paradoxal ver que o Carf, quando se trata de analisar planejamentos tributários e decidir acerca da manutenção ou não de débitos fiscais, acertadamente prestigia o propósito negocial e, em última ratio, a substância em detrimento da forma, mas ao tratar de créditos em favor do contribuinte, muda de posição e dá prevalência a uma racionalidade estritamente formalista em desfavor de uma posição substancialista.

Fonte: Conjur

Comissão aprova regras para demarcação de terras indígenas

A Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara dos Deputados aprovou projeto que repete o texto da Lei do Marco Temporal para definir como terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas aquelas que, na data da promulgação da Constituição, eram, simultaneamente:

  • habitadas por eles em caráter permanente;
  • utilizadas para suas atividades produtivas;
  • imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar; e
  • necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

Etapas da demarcação
O texto define ainda etapas para a análise da demarcação, como o acompanhamento do processo pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e a realização de audiências nos municípios envolvidos.

Após a análise pelo Ministério da Justiça, o Executivo deverá editar medida provisória para demarcar a área indígena, caso seja reconhecida.

Parecer favorável
A comissão aprovou o parecer do relator, deputado Alceu Moreira (MDB-RS), favorável ao Projeto de Lei 6093/23, da deputada Coronel Fernanda (PL-MT).

Moreira mudou a versão original para prever que o grupo técnico responsável pelos estudos de demarcação seja contratado por meio de licitação. Segundo ele, isso garante “mais uma camada de transparência ao processo, impedindo a instrumentalização dos estudos”.

Pelo texto aprovado, o grupo técnico será composto por:

  • antropólogos;
  • engenheiros agrônomos e agrimensores;
  • historiadores;
  • servidores da Funai;
  • servidores dos municípios envolvidos;
  • parlamentares estaduais e municipais; e
  • representantes dos ocupantes das terras em disputa.

O grupo terá até seis meses para apresentar parecer sobre a demarcação, prazo que poderá ser prorrogado uma vez.

Indenização
A proposta prevê que a propriedade rural como um todo – benfeitorias e terra nua – deverá ser indenizada antes da demarcação. O marco legal atual prevê a indenização apenas das benfeitorias de boa-fé.

Próximos passos
A proposta será analisada, em caráter conclusivo, pelas comissões da Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais; de Finanças e Tributação; e de Constituição e Justiça e de Cidadania.

Para virar lei, a proposta precisa ser aprovada pela Câmara e pelo Senado.

Fonte: Câmara dos Deputados

Execução não depende da manifestação do juízo arbitral sobre validade de cláusula compromissória

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que é possível o prosseguimento de uma ação de execução mesmo diante da ausência de pronunciamento do juízo arbitral acerca do contrato que a instrumentaliza, no qual há a pactuação de cláusula compromissória.

De acordo com os autos, uma empresa fornecedora de produtos alimentícios ajuizou execução de títulos decorrentes do contrato firmado com um restaurante. Em embargos à execução, o restaurante alegou incompetência daquele juízo estatal, por haver cláusula arbitral no contrato.

O caso chegou ao STJ após o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) determinar a suspensão do processo de execução até o juízo arbitral se manifestar sobre a validade do título executivo.

Apenas a execução atinge patrimônio do devedor

A relatora, ministra Nancy Andrighi, destacou que é do árbitro o poder-dever de resolver qualquer controvérsia sobre existência, validade e eficácia da cláusula compromissória e do contrato que a contém.

Por outro lado, a ministra ressaltou que a jurisprudência do STJ considera possível o imediato ajuizamento de ação de execução de um título executivo, mesmo que o contrato do qual se originou contenha cláusula compromissória. Conforme explicou, o juízo estatal é o único que pode promover a penhora e a execução forçada do patrimônio do devedor.

Por esse motivo, Nancy Andrighi enfatizou que não seria justo exigir que o credor, portador de título executivo, fosse obrigado a iniciar um processo arbitral apenas para obter um novo título do qual já entende ser titular.

Suspensão da execução não é automática

A relatora apontou a possibilidade de coexistência do processo de execução com o procedimento arbitral. “A simples existência de cláusula compromissória arbitral não é suficiente, por si só, para impedir o ajuizamento de eventual ação de execução ou para fundamentar a sua extinção”, completou.

Ela reconheceu a possibilidade de suspensão da execução, mas observou que tal ato não pode ocorrer de forma automática, apenas pelo fato de haver cláusula compromissória no contrato. Segundo disse, para a suspensão da execução, é necessário requerimento do interessado ao juízo estatal.

No entendimento da ministra, a falta de instauração do procedimento de arbitragem pela executada, para discutir questões relativas ao contrato que possam influenciar na execução, não justifica a suspensão desta até a decisão do juízo arbitral.

Leia o acórdão no REsp 2.167.089.

Fonte: STJ

O grande litigante da Justiça brasileira

Com quase 4,5 milhões de processos em tramitação, o Instituto Nacional do Seguro Social, o mal-amado INSS, é o maior litigante da Justiça brasileira. Melhor dizendo, é o ente mais demandado na Justiça brasileira, já que em 99% das causas em que está envolvido aparece no polo passivo. Se o INSS joga na defesa perante os tribunais, quem joga no ataque é o Fisco, o maior litigante no polo ativo, com cerca de 2,3 milhões de ações propostas em 2024.

Em 86% dos casos envolvendo a Previdência, os processos correm na Justiça Federal. A 1ª Região, que atende a estados do Centro-Oeste, Norte, e Nordeste mais o Distrito Federal, respondeu por 39% da demanda, seguida pela 5ª Região, que também atende a estados do Nordeste (19%). As demandas à Justiça questionam decisões do INSS sobre aposentadorias (30% dos casos), auxílio por incapacidade laboral (25%), benefícios assistenciais (15%), salário-maternidade (10%) e pensão por morte (5%). Outros 16% dos processos tratam de questões administrativas relacionadas à prestação destes benefícios.

A escalada de novas ações na Justiça foi progressiva. Em 2020, chegaram 1,8 milhão de demandas contra o INSS. Esse número já ultrapassava a casa dos 3,4 milhões em 2024 – aumento de 88,3% em quatro anos, de acordo com dados do Conselho Nacional de Justiça.

Por sua função social e o seu tamanho, faz sentido que a autarquia responda a uma montanha de processos: são mais de 40 milhões de beneficiários ativos que receberam R$ 877 bilhões em 2024, entre benefícios previdenciários (aqueles pagos aos segurados que contribuíram para fazer jus ao benefício) e benefícios assistenciais (concedidos àqueles em situação de vulnerabilidade social que não contribuíram com o INSS). E mais cerca de 60 milhões de contribuintes da Previdência Social, que aportaram em contribuições mais de R$ 670 bilhões em 2024.

Um bom motivo para tanta litigância está na legislação, em constante processo de mutação, quase sempre para complicar. Desde 1998, já ocorreram três reformas da previdência – uma no governo Fernando Henrique Cardoso, outra no Lula-1 e a terceira com Bolsonaro. E mais duas minirreformas, com Dilma e Temer. A primeira delas rende processos na Justiça até hoje, com a chamada revisão da vida toda.

E tem outras complicações. Uma poderia ser mal resumida numa palavra: perícia. Os milhões de pedidos de auxílio, como auxílio-doença ou auxílio-acidente, dependem de provas e de comprovação pericial. E o setor de perícias do INSS, além de ser responsável pelas imensas filas de atendimento, também produz controvérsias e contestações que, em boa parte, vão parar na Justiça.

Outra complicação é a corrupção. Com imensa ramificação, tanto de atividades como de agentes e clientes, a Previdência está longe de ter um controle qualificado sobre suas contas e os benefícios que distribui. Os escândalos e os golpes contra o instituto ou contra os segurados são recorrentes.

O último deles foi o de associações de aposentados fantasmas que cobravam contribuição de segurados sem autorização. O montante capturado a conta-gotas das aposentadorias e pensões de milhões de beneficiários passou dos R$ 6 bilhões. Para evitar que mais de nove milhões de ações sobrecarregassem ainda mais o Judiciário, um acordo interinstitucional foi homologado em julho de 2025 pelo Supremo Tribunal Federal para viabilizar, de forma extrajudicial, o ressarcimento dos aposentados e pensionistas afetados. A medida foi articulada por AGU, INSS, DPU, MPF e OAB e previu devolução integral dos valores, com atualização monetária. O cronograma de pagamento foi operacionalizado fora do processo judicial, com adesão voluntária dos beneficiários.

Em 2024, o INSS recebeu mais de 15 milhões de pedidos de benefícios, entre previdenciários e assistenciais. Desse total, o instituto concedeu sete milhões e indeferiu oito milhões. O beneficiário que teve o pedido recusado pode recorrer administrativamente para que o INSS reveja a decisão. Mas, se não tiver o pedido atendido, pode ir buscar seu direito na Justiça. Em 2024, cerca de quatro milhões das concessões de benefícios ocorreram por decisão administrativa do INSS e um milhão por decisão judicial.

Anuário da Justiça ouviu os atores envolvidos nesse sistema para entender as razões da litigiosidade. Dadas as circunstâncias, o presidente do INSS, Gilberto Waller Júnior, não chega a se surpreender com a elevada judicialização. E diz que o instituto está tomando providências para enfrentar o desafio.

Segundo ele, o INSS tem dialogado com as instituições do sistema de Justiça com vistas a resolver parte dos litígios de forma administrativa. “Se uma tese já se pacificou, estamos verificando o que podemos fazer internamente para absorvê-la e evitar novas demandas judiciais”, afirmou.

A dificuldade de internalizar precedentes qualificados é apontada como um entrave. Segundo a juíza auxiliar da Presidência do Conselho Nacional de Justiça, Lívia Peres, esse é um ponto sensível: “Nem sempre há a incorporação das teses na via administrativa”, pontuou. Ela diz que, desde 2018, o CNJ vem desenvolvendo projetos para melhor gerenciar os processos do INSS. Entre as iniciativas desenvolvidas está o PrevJud.

O sistema permite o envio automatizado de ordens judiciais ao INSS e a devolução estruturada de informações da autarquia. Com a automação, a expectativa é que o prazo de cumprimento das decisões seja reduzido de 20 dias para apenas uma hora.

Outra frente é a padronização dos critérios técnicos para a concessão de benefícios assistenciais a pessoas com deficiência. A proposta de criação de um instrumento único de avaliação biopsicossocial foi elaborada por um grupo de trabalho e aguarda deliberação final pelo colegiado do CNJ.

A natureza alimentar dos benefícios e o perfil vulnerável do público atendido justificam a atenção do CNJ ao tema. “Cada processo tem uma pessoa atrás de um benefício. Por isso, temos que ter cautela, porque uma negativa pode prejudicar a subsistência dela”, destacou Lívia Peres.

O CNJ também aposta na tecnologia para dar conta da demanda judicial por benefícios previdenciários decorrentes de incapacidade. Nesse sentido, a Resolução 595/2024 tornou obrigatório o uso do Sistema de Perícias Judiciais (Sisperjud) pelos tribunais. Destinado a peritos médicos judiciais, padroniza o formato das perícias.

A Advocacia-Geral da União também está na área. Diretora da Procuradoria Seccional Federal de Contencioso Previdenciário, Kedma Iara Ferreira explica que mais de 80% das ações judiciais acompanhadas pela AGU envolvem o INSS. A procuradora relata o caso do programa Pró-estratégia, que permitiu à AGU analisar, entre 2023 e 2025, cerca de 32 mil processos no Superior Tribunal de Justiça. Com isso, desistiu de recorrer em 12 mil casos, que tinham jurisprudência pacificada. Outra iniciativa, o Desjudicializa Prev, criado em parceria com o CNJ, faz a seleção de temas previdenciários com jurisprudência consolidada para subsidiar a celebração de acordos, abstenções ou mesmo desistências recursais. Até maio de 2025, mais de dez mil processos haviam sido encerrados com base nesse modelo.

Mais recentemente, a AGU lançou a plataforma Pacifica, voltada à autocomposição extrajudicial de litígios a partir do cruzamento de dados e normativos internos, evitando que o segurado acione a Justiça. Segundo informações do Painel INSS, do CNJ, um quarto dos processos envolvendo o INSS foi solucionado por meio da conciliação em 2024.

A AGU anunciou a criação da Coordenação de Prevenção de Litígios (CPL), com a missão de alinhar as práticas administrativas da autarquia com a atuação judicial da Procuradoria-Geral Federal. A coordenação vai atuar em três eixos: tratamento de focos de judicialização; aprimoramento da comunicação interinstitucional com INSS, PGF e Judiciário; e qualificação do processo administrativo com integração à defesa judicial. “A ideia é que as pessoas não precisem ir ao Judiciário porque demos uma resposta ágil para a demanda”, resume Kedma Iara Ferreira.

Na Defensoria Pública da União, o foco também está nas soluções extrajudiciais. A alta procura pelos serviços da instituição explica essa opção. De 2018 a 2025, o órgão fez quase quatro milhões de atendimentos na área previdenciária. Desse total, cerca de 245 mil viraram ações judiciais. “Benefícios de Prestação Continuada, os BPCs, são os principais atendimentos da DPU”, contou a defensora pública Patrícia Bettin Chaves, coordenadora da Câmara Previdenciária.

A DPU também tem buscado solucionar problemas estruturais a partir do diálogo. Um exemplo é o grupo interinstitucional integrado por Ministério Público Federal, Tribunal de Contas da União, Controladoria-Geral da União, INSS e AGU, que se reúne a cada dois meses para debater o atendimento à população na área previdenciária e assistencial.

A iniciativa tem permitido soluções sem judicializar, como o acordo que permitiu o uso de registro nacional migratório por estrangeiros como alternativa à biometria obrigatória e a gratuidade nas ligações feitas para o número 135. Outro avanço foi o acordo de cooperação assinado com o INSS que permite à DPU requerer benefícios para seus assistidos diretamente nos sistemas administrativos da autarquia.

O presidente do INSS, Gilberto Waller Júnior, reconhece que a digitalização ampla não resolveu os problemas de acesso à autarquia. “O INSS foi muito para o digital, mas isso não facilitou o atendimento ao nosso segurado, que tem um perfil diferente, que precisa de contato presencial”, disse. E prometeu investimentos para a reabertura de agências.

Fonte: Conjur

O princípio tributário da defesa do meio ambiente

Uma das grandes protagonistas da reforma tributária foi a defesa do meio ambiente. Embora esse tema tenha aparecido em diversos dispositivos, o foco deste texto será o princípio da defesa do meio ambiente incluído no § 3º do artigo 145 da Constituição pela Emenda Constitucional nº 132.

Esse § 3º traz, segundo vemos, dois grandes desafios interpretativos: determinar a ordem de precedência entre os princípios ali previstos explicitamente e os outros princípios constitucionais tributários implícitos e, uma vez que simplicidade, cooperação, transparência, justiça tributária e defesa do meio ambiente já eram princípios constitucionais implícitos, estabelecer se a sua positivação expressa trouxe alguma modificação em sua eficácia. Vejamos.

Relação entre princípios explícitos e implícitos

 A questionável decisão do Poder Legislativo de incluir o § 3º no artigo 145 da CF traz a incômoda questão sobre a relação destes princípios com outros que seguem implícitos no texto constitucional.

O caso mais evidente é o do princípio da segurança jurídica, certamente um dos pilares do Sistema Tributário Nacional, que segue sendo inferido da CF pela via interpretativa, sem ter, contudo, expressão verbal explícita.

De outra parte, há que se lidar com a própria redação do § 3º do artigo 145, que estabelece que o Sistema Tributário Nacional deve observar os princípios ali apontados, numa redação mais típica das regras do que dos princípios.

A grande questão que se coloca é: este dispositivo, ao listar os princípios que devem ser observados pelo Sistema Tributário Nacional, criou uma ordem de precedência entre princípios? Por exemplo, na hipótese de colisão, é possível sustentar que a justiça tributária tem um peso maior do que a segurança jurídica?

Tendo refletido bastante sobre o tema, parece-me que sim, que este dispositivo estabelece justamente uma ordem de precedência entre princípios de modo que, diante de uma situação concreta em que seja necessária uma ponderação entre justiça tributária e segurança jurídica, por exemplo, deve ser dada prevalência à primeira.

Naturalmente, isso não significa a derrotabilidade de regras constitucionais de segurança, como a legalidade, a anterioridade e a irretroatividade, diante de argumentos de justiça fiscal. Esses direitos fundamentais do contribuinte, estando previstos na Constituição Federal, não podem ser derrogados pelo legislador infraconstitucional e o julgador com base em argumentos de justiça.

Contudo, na hipótese de uma colisão em um caso difícil no qual se faça necessária a ponderação entre valores, princípios e interesses constitucionais, cremos que o § 3º do artigo 145 deva ser interpretado como estabelecendo uma ordem de precedência.

Parece-nos que esta conclusão aplica-se com ainda mais força ao princípio da defesa do meio ambiente. Como veremos adiante, a CF já tinha um sistema de proteção do meio ambiente bastante sólido. Assim sendo, cremos que a explicação da inclusão deste princípio no § 3º do artigo 145 só se justifica pela pretensão de atribuir-lhe uma normatividade distinta da que possuía até a entrada em vigor da EC 132. É o que passamos a analisar.

Defesa do meio ambiente antes e depois da EC 132

Como apontamos, a CF já era pródiga em dispositivos sobre a proteção do meio ambiente, tendo como pilar principal o artigo 225, segundo o qual “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

A seu turno, o inciso VI do artigo 170 já previa a defesa do meio ambiente como princípio geral da ordem econômica, estabelecendo que “a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: […]” da “defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação”.

A defesa do meio ambiente aparece em diversos outros dispositivos constitucionais, podendo-se citar, por exemplo, o artigo 5º, LXXIII (ação popular para anular ato lesivo ao meio ambiente), artigo 23, incisos VI e VII (competências comuns da União, estados e municípios para proteger o meio ambiente, combater a poluição e preservar florestas, a fauna e a flora), artigo 24, incisos VI, VII e VIII (competência concorrente para legislar sobre florestas, conservação da natureza, defesa do solo, proteção ao meio ambiente e controle da poluição), artigo 129, III (atribui ao Ministério Público a função de promover o inquérito civil e a ação civil pública para proteção do meio ambiente); artigo 174, § 3º (função do Estado no planejamento e controle ambiental das atividades garimpeiras), artigo 186, II (condiciona o cumprimento da função social da propriedade rural à utilização adequada dos recursos naturais e preservação do meio ambiente); artigo 200, VIII (atribui ao SUS a competência para colaborar na proteção do meio ambiente); artigo 216, V (inclui os conjuntos urbanos e sítios de valor paisagístico e ecológico no patrimônio cultural brasileiro).

Fica claro, portanto, que a relevância da defesa do meio ambiente como valor e princípio constitucional não decorre da EC 132, pois está expressamente prevista em diversos dispositivos constitucionais.

Essa consagração da defesa do meio ambiente no texto constitucional anterior à EC 132 a tornou um elemento de discriminação relevante para fins tributários.

Com efeito, sabe-se que a questão central do princípio da isonomia está em se estabelecer critérios para separar discriminações constitucionalmente legítimas de diferenciações inconstitucionais. Já que as pessoas são diferentes, o papel da isonomia não está em igualar formalmente os desiguais, mas em se estabelecer os critérios de discriminação que são compatíveis com a CF.

Nesse sentido, a defesa do meio ambiente sempre foi um critério de diferenciação legítimo em matéria tributária. Por exemplo, a concessão de um benefício fiscal para uma atividade que contribua para um meio ambiente equilibrado já era compatível com o princípio da isonomia antes da EC 132.

Segundo vemos, e em linha com o que afirmamos acima, não nos parece razoável defender que a determinação, no § 3º do artigo 145, de que o Sistema Tributário Nacional observe a defesa do meio ambiente teria mera função simbólica, reforçando a relevância que o tema já tinha no texto constitucional anterior.

Dessa forma, a previsão explícita da defesa do meio ambiente como princípio vetor do Sistema Tributário Nacional lhe atribuiria uma prevalência em uma hipótese de colisão, reduzindo, ainda, o ônus argumentativo para o estabelecimento de discriminações tributárias com fundamento na defesa do meio ambiente. Esta seria, então, a função do § 3º do artigo 145 da CF, transformar a defesa do meio ambiente de um critério que poderia ser levado em conta pelo legislador tributário em um critério que deve ser considerado pelo legislador tributário.

Essa conclusão, no entanto, não resolve uma das principais colisões potenciais do princípio da defesa do meio ambiente, o seu conflito com o princípio da capacidade contributiva.

Colisão entre defesa do meio ambiente e capacidade contributiva

Um dos aspectos mais complexos da extrafiscalidade tributária é a potencial colisão de valores, princípios e interesses constitucionalmente relevantes com o princípio da capacidade contributiva. Com efeito, é comum que a utilização indutora dos tributos resulte na criação de benefícios fiscais para pessoas, físicas ou jurídicas, que teriam capacidade contribuitiva para pagar seus tributos como os demais contribuintes.

Um exemplo claro desta situação temos na lei que rege o IPVA no Estado do Rio de Janeiro. Desde 1 de janeiro de 2016, a lei do IPVA fluminense estabelece alíquota de 1,5% para veículos híbridos (com ao menos um motor cuja fonte de energia seja elétrica) e de 0,5% para veículos com propulsão exclusivamente elétrica. Veja-se a redação dos incisos VI-A e VII  do artigo 10 da Lei nº 2.877/1997:

“Art. 10. A alíquota do imposto é de: […]
VI-A – 1,5% (um e meio por cento) para veículos que utilizem gás natural ou veículos híbridos que possuem mais de um motor de propulsão, usando cada um seu tipo de energia para funcionamento sendo que a fonte energética de um dos motores seja a energia elétrica;
(Inciso VI-A do art. 10 acrescentado pela Lei nº 7.068/2015 , vigente a partir de 02.10.2015, com efeitos a contar de 01.01.2016)
VII – 0,5% (meio por cento) para veículos que utilizem motor de propulsão especificado de fábrica para funcionar, exclusivamente, com energia elétrica;
(Inciso VII do art. 10 alterada pela Lei nº 7.068/2015 , vigente a partir de 02.10.2015, com efeitos a contar de 01.01.2016)”

Não pretendemos debater aqui se os veículos elétricos são realmente mais vantajosos para a defesa do meio ambiente do que os veículos a combustão, uma vez que não parece haver um plano, por exemplo, para o que será feito com todas essas baterias no longo prazo. Ou seja, veículos elétricos certamente são mais sustentáveis no seu uso, mas geram a necessidade de mineração dos insumos necessários para as baterias e impõem o debate sobre seu descarte.

Contudo, esta não é a questão que nos desafia. Imaginemos, por exemplo, um carro elétrico de uma montadora de veículos de luxo que custe em torno de R$ 1 milhão de reais. Sem dúvida estamos diante de um bem destinado ao topo da pirâmide de distribuição de renda no Brasil, que, segundo vemos, não requer gasto tributário para suportar suas decisões de consumo.

Uma isenção como a concedida pelo Estado do Rio de Janeiro, se está – e vamos assumir que esteja – fundamentada na defesa do meio ambiente, ao não estabelecer um teto para a sua aplicação, confronta diretamente com o princípio da capacidade contributiva, fazendo com que proprietários de carros de luxo paguem um IPVA mais baixo do que aqueles que têm carros substancialmente mais baratos.

Caso esse conflito fosse com outro princípio, segundo a premissa que estabelecemos acima, a questão poderia ser solucionada alegando-se uma precedência do princípio da defesa do meio ambiente. Entretanto, o grande desafio desta situação é que o artigo 145, § 3º, também destacou o princípio da justiça tributária como um princípio que deve ser observado pelo Sistema Tributário Nacional. E agora?

É possível sustentar que, em casos em que presente de forma inequívoca a defesa do meio ambiente como fundamento da regra, seria uma opção do legislador infraconstitucional eventualmente optar pela prevalência da defesa do meio ambiente sobre a capacidade contributiva, ou vice-versa. Contudo, a defesa do meio ambiente tem que efetivamente estar presente.

Pensemos por um instante sobre o caso do IPVA do Rio de Janeiro. Em termos estatísticos, carros de alto luxo compõem um percentual pequeno da frota de veículos nas ruas e estradas fluminenses. Consequentemente, mesmo que à primeira vista o argumento da defesa do meio ambiente possa ser utilizado para justificar uma redução do IPVA independentemente do valor do veículo, uma consideração da realidade que se quer afetar com a indução normativa indica que este benefício fiscal, ao beneficiar o topo da pirâmide de renda mesmo tendo um efeito ambiental insignificante, gera uma quebra do princípio da capacidade contributiva sem gerar um efeito positivo significativo para a defesa do meio ambiente.

Nessa linha de ideias, a ponderação entre capacidade contributiva e defesa do meio ambiente deve considerar se, em concreto, uma eventual desoneração está criando um privilégio ao estabelecer um tratamento fiscal mais favorável sem que exista uma contrapartida na realização da defesa do meio ambiente. Dessa forma, segundo vemos, leis como esta do estado do Rio de Janeiro seriam inconstitucionais, não sendo a alegação de defesa do meio ambiente suficiente para derrotar a justiça tributária materializada na tributação segundo a capacidade contributiva.

Eficácia da defesa do meio ambiente no tempo

 Segundo sustentamos acima, a defesa do meio ambiente, tornada princípio do Sistema Tributário Nacional pela EC 132, tem uma eficácia distinta, no campo tributário, do princípio constitucional geral de defesa do meio ambiente que já existia no texto constitucional. Esta conclusão gera um outro aspecto a considerar: a eficácia do princípio da defesa do meio ambiente no tempo.

Com efeito, parece-nos que, salvo a tributação com base na capacidade contributiva, que pode derrotar a defesa do meio ambiente – juntamente com os outros princípios previstos no § 3º –, a CF agora atribui uma precedência da defesa do meio ambiente sobre outros valores, princípios e interesses constitucionais.

Por exemplo, imaginemos um benefício fiscal concedido com a finalidade extrafiscal de gerar de empregos, mas destinado a uma atividade econômica poluidora. Cremos haver fortes argumentos para sustentar que, sendo um princípio que deve ser observado pelo Sistema Tributário Nacional, a precedência da defesa do meio ambiente prevaleceria sobre finalidades extrafiscais de ordem econômica.

Esta conclusão impõe estabelecer se a eficácia do princípio da defesa do meio ambiente irradia seus efeitos apenas após a entrada em vigor da EC 132, ou se tal princípio será aplicado de forma retroativa. Este debate se torna ainda mais complexo uma vez que, conforme destacamos, é inquestionável que já havia um princípio constitucional geral da defesa do meio ambiente antes da EC 132.

Cremos que a solução para esta questão deve preservar o princípio da defesa do meio ambiente que existia antes da EC 132, reconhecendo, por outro lado, que a sua prevalência e precedência sobre outros valores, princípios e interesses somente se instaurou após a EC 132. Dessa forma, nossa posição é no sentido de que, naquilo que o princípio tributário da defesa do meio ambiente difere do princípio constitucional geral da defesa do meio ambiente, sua eficácia deve se dar a partir de 21 de dezembro de 2023.

Conclusão

O objetivo deste texto foi mais provocar algumas reflexões sobre o princípio da defesa do meio ambiente do que oferecer conclusões definitivas sobre o tema. De modo geral, ainda temos muito o que refletir sobre esses “novos” princípios tributários, seus efeitos e a sua interação com outros princípios implícitos no texto constitucional. Por mais que todos os princípios listados no artigo 145, § 3º, da CF já estivessem previstos, implícita ou explicitamente em dispositivos constitucionais, cremos que a sua previsão expressa no capítulo do Sistema Tributário Nacional não parece ter sido meramente simbólica e nos provoca a determinar o que mudou com a entrada em vigor da EC 132.

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Em caso de erro na execução, agente responde como se tivesse atingido a pessoa visada

Nos casos de erro na execução (aberratio ictus) com unidade simples, o agente responde pelo crime contra aqueles que efetivamente pretendia atingir, não incidindo nessa hipótese a regra do concurso formal, prevista no artigo 70 do Código Penal.

Com esse entendimento, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento ao recurso do Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS) em caso no qual um grupo atirou contra policiais e acabou atingindo uma outra pessoa. Os membros do grupo foram denunciados pela tentativa de homicídio contra os três policiais que eram os alvos dos disparos.

No recurso ao STJ, o MPRS pediu a pronúncia por uma quarta tentativa de homicídio. Para o órgão, os acusados agiram com dolo eventual, pois assumiram o risco de atingir qualquer pessoa presente no local dos fatos, razão pela qual também deveriam responder pela quarta tentativa de homicídio. 

Ordenamento jurídico adota a teoria da equivalência nos casos de erro na execução

O relator, desembargador convocado Otávio de Almeida Toledo, explicou que o ordenamento jurídico brasileiro adota a teoria da equivalência na hipótese de erro na execução. Determina-se, assim, que o agente responda como se tivesse atingido a pessoa originalmente visada, segundo o artigo 73 do Código Penal.

O relator explicou que essa ficção jurídica busca equiparar, para fins penais, o resultado produzido àquele inicialmente pretendido, preservando a tipificação do delito conforme a intenção do autor da ação. Contudo, o desembargador ressaltou que, nos casos em que esse erro também resulte na ofensa simultânea tanto à vítima pretendida quanto a terceiro, aplica-se a regra do artigo 70 do Código Penal, que prevê o concurso formal de crimes, impondo a responsabilização por cada um dos eventos lesivos produzidos.

“O dispositivo, portanto, opera como um critério de imputação penal, assegurando que a configuração típica da conduta não seja alterada pelo erro na execução, salvo nas hipóteses em que se verifique o concurso efetivo de crimes”, afirmou.

Tipificação deve considerar o número de vítimas visadas, não o resultado concreto

No caso em julgamento, o relator verificou que a quarta vítima foi atingida por erro na execução, enquanto os três policiais civis visados não foram atingidos. A tipificação do delito, destacou, deve considerar o número de vítimas visadas, e não o resultado concreto, razão pela qual a denúncia imputou aos acusados a prática de três tentativas de homicídio qualificado contra os policiais.

Na sua avaliação, não havendo duplo resultado, não é possível imputar uma quarta tentativa de homicídio por dolo eventual, sob pena de bis in idem, uma vez que, pelo mesmo contexto fático, o grupo já responde por três homicídios tentados contra as vítimas efetivamente visadas.

“O atingimento da vítima decorreu de erro na execução, hipótese em que a norma penal estabelece que o agente deve responder como se tivesse atingido aqueles que pretendia ofender, não se configurando crime autônomo em relação ao terceiro atingido”, concluiu.

Leia o acórdão no REsp 2.167.600.

Fonte: STJ

O que faz uma boa cláusula de renegociação?

Como escrever uma cláusula de renegociação adequada em contratos empresariais? Em texto anterior nesta coluna (aqui), vimos que cláusulas vagas ou abertas podem ser estratégicas: elas facilitam que os contratantes aloquem riscos desconhecidos entre si. No texto de hoje, dividido em duas partes, daremos alguns passos atrás.

Na prática negocial, é comum observar dois arquétipos de cláusulas de renegociação: alguns contratos usam termos vagos para definir os pressupostos revisionais; outros apostam em textos fechados, delimitando os riscos que a cláusula abrange ou excluindo tantos outros.

Esse jogo entre linguagem precisa e vaga não é fortuito: ele espelha uma lógica na redação de contratos duradouros. Vamos entender as vantagens e as desvantagens comparativas desses estilos, segundo dois enfoques.

Primeiro enfoque: equilibrar certeza e flexibilidade nos contratos

Quando surgiram nos anos 1970, cláusulas de renegociação eram bem simples. No comércio internacional, isso se traduzia nas fórmulas abertas que as cláusulas de hardship empregavam para descrever seus riscos, e que persistem até hoje: as partes se obrigam a renegociar diante de “variações muito importantes na conjuntura econômica”; “circunstâncias fora das previsões normais das partes”; “um evento econômico ou financeiro grave”. Alguns contratos são mais vagos ainda: tratam de “eventos imprevisíveis”, “fatos imprevistos” ou “causas fora do controle das partes” [1].

Com o tempo, certas cláusulas passaram a usar linguagem mais precisa, fixando desde logo no instrumento os riscos que autorizam renegociações. Exemplos: “se a produção de aço proveniente de fontes de hematita atingir 20% da produção total da siderúrgica”, “no caso da aplicação de novos direitos de importação ou exportação”, ou se surgir “uma nova fonte economicamente disponível de produtos.” [2]

Cláusulas específicas servem para dar certeza às relações negociais. Ao definir seu suporte fático de maneira precisa, elas têm a vantagem de serem mais claras. As partes acreditam que, na média, um julgador hipotético irá aplicar o texto do contrato tal como ele está escrito. Essa clareza estabiliza as expectativas dos contratantes: eles conseguem se planejar e adequar seu comportamento ao que o negócio estipula. Se um risco se materializa, a margem para dúvidas interpretativas é menor – reforçando a confiança de que o que está escrito, vale. No exemplo anterior da siderúrgica, ela sabe que a renegociação só é contratualmente exigível se a produção da fonte de hematita chegar a 20% de entrega total (não 19%, nem 21%), o que é guia mais certo para organizar o empreendimento do que discutir se a produção se tornou “muito onerosa” ou “economicamente inviável”.

O problema está nas situações limítrofes. Haverá cenários em que o objetivo subjacente à cláusula faz sentido, mas ela não incide — ao menos não textualmente. Ou, do contrário, casos em que a cláusula deve ser aplicada porque seu suporte fático se verifica, por mais que o resultado dessa aplicação divirja da justificativa por trás dela. Na teoria do Direito isso se chama de superinclusão e subinclusão das regras jurídicas [3]. Uma cláusula de hardship específica — às vezes muito específica — dirá mais e dirá menos do que as partes gostariam se tivessem antevisto algum cenário diferente.

Imagine uma cláusula definindo que o contrato de fornecimento será renegociado se, por força de qualquer causa imprevisível, os custos anuais para produzir o bem excederem em 50% a receita anual com a venda. E se custo e receita ficarem iguais? E se excederem em 45%? O prejudicado argumentaria que esse cenário não é “comercialmente razoável” — afinal, a empresa por definição visa ao lucro. Se a cláusula fosse vaga, a chance de a tese vingar seria melhor. Não é o que decorre da cláusula cujo suporte fático é uma porcentagem objetiva, ao menos não sem boa dose de esforço interpretativo para modular seu texto claro. Ela é subinclusiva nesse exemplo. É o risco que os contratantes assumem nesse tipo de suporte fático: eles se vinculam a renegociar só em hipóteses muito delimitadas — que podem nem sempre ser as melhores —, presumindo-se que para todas as outras vale a intangibilidade do contrato. A certeza do contrato vem ao preço de maior rigidez.

É aí que entram em cena os termos abertos: “desequilíbrio grave”; “razoabilidade comercial” e similares. Por um lado, essas diretrizes são pouco claras ex ante, pois em tese admitem várias leituras plausíveis — o que as torna menos úteis para orientar o comportamento das partes prospectivamente. Sua contraface positiva é que permanecem flexíveis ao longo do tempo: o instrumento será interpretado e reinterpretado para se amoldar às novas circunstâncias, muitas delas imprevisíveis no momento da assinatura.

Cláusulas vagas convidam as partes e o julgador a esse tipo de raciocínio casuístico, em que diferentes fatores devem ser sopesados para decidir cada caso concreto. Mas claro: se as partes desejam se socorrer de um intérprete neutro caso a renegociação direta fracasse — juiz, árbitro, mediador —, é necessário fixar um conteúdo mínimo para a revisão. Do contrário, corre-se o risco de a cláusula, de tão vaga, ser considerada inexequível numa disputa jurídica, como já concluiu o Tribunal de Justiça de São Paulo [4].

Segundo enfoque: alocar poder decisório sobre o conteúdo da cláusula

Avancemos ao segundo enfoque. Optar entre linguagem precisa e vaga serve também para alocar poder decisório sobre o conteúdo contratual. Vista sob esse ângulo, a questão é quem dá conteúdo concreto à cláusula de renegociação e quando essa decisão é tomada. Cláusulas precisas traduzem o esforço das partes em fixar, elas próprias, o conteúdo de suas obrigações no presente, isto é, ao celebrarem o acordo (ex ante).

Termos abertos relegam parcela menor ou maior dessa escolha ao futuro, confiando na discricionariedade do intérprete — que a exercerá só se e quando o risco se materializar. O texto da cláusula amplia ou restringe essa liberdade interpretativa dependendo daquilo que ele fixa no presente e daquilo que deixa vago para ser complementado depois.

A chance de uma decisão contrária ao que as partes gostariam existe, mas a técnica é útil quando é impossível traçar solução exata para vários estados de mundo com chances desconhecidas de ocorrer. Ao invés de antecipar e decidir um sem-número de estados de coisas futuros, pode fazer mais sentido deixar o contrato vago ou lacunoso para debater só sobre os riscos que de fato se concretizem.

A vantagem aí é que a incerteza se dissipou: as partes então se concentram em solucionar o problema com o benefício da visão retrospectiva (ex post). Por outro lado, a confiança exigida nesse contexto é alta. Uma coisa é traçar soluções para o desequilíbrio eventual no momento da assinatura, quando as partes acreditam na parceria que virá. Outra, mais difícil, é debater termos vagos depois que o conflito se instalou e os interesses de cada um são opostos. Cada parte defenderá que a interpretação que a beneficia no caso concreto é “a melhor”, “a correta” — sem que o contrato ampare explicitamente nenhuma. No limite, o julgador será provocado para solucionar impasses.

Um julgado do TJ-SP ilustra como isso funciona [5]. As partes discutiam o índice inflacionário para corrigir o valor das parcelas do preço em contrato de promessa de compra e venda de imóvel. A regra do contrato era o reajuste anual pelo IGP-M. O instrumento ressalvava que “atos governamentais”, “mudanças de padrão monetário”, “extinção ou congelamento de índice de correção monetária” ou “outro artifício não condizente com a real inflação” poderiam descolar o índice da inflação real em certo período. Nessas situações, a mesma cláusula estipulava — de modo abrangente — que “o saldo devedor do preço deste negócio jurídico será revisto de forma que se restabeleça o […] equilíbrio econômico-financeiro do contrato”.

Com a pandemia em 2020, o IGP-M aumentou mais do que a inflação real no Brasil medida por outros índices setoriais, em boa parte porque ele considera oscilações do dólar. Em princípio, o contrato não previu essa situação — ao menos não de maneira expressa. O TJ-SP, porém, se valeu do texto aberto do final da cláusula — “restabelecer o equilíbrio” — e entendeu ser “razoável, […] que se aplique também a cláusula para fins da situação inversa, qual seja, a de o indexador eleito pelas partes superar em muito a inflação do período […]”. O tribunal substituiu o IGP-M pelo INPC.

Esse caso ilustra o uso do contrato para que o julgador crie soluções que as partes não previram ao assiná-lo. O contraponto é que, no geral, sempre haverá mais de uma resposta correta dentro da moldura da cláusula. Veja-se: alguém poderia questionar por que o Tribunal aplicou o INPC em vez do IPCA ou de outra fórmula qualquer. Contratantes que optam por termos vagos devem estar cientes de que algum grau de subjetividade decisória é inafastável. Mas devem também confiar nela: frente a imprevistos, é melhor ter alguma resposta do que ficar sem nenhuma.

Conclusão

Neste breve texto, vimos que o primeiro caminho para construir uma boa cláusula de renegociação é entender a dinâmica entre usar linguagem precisa e termos vagos no instrumento. Além de ajudar redatores de contratos empresariais, o ponto tem relevância hermenêutica: em sentido amplo, essas estratégias formam o que se pode chamar de “racionalidade econômica” de contratantes empresários (artigo 113, §1º, V, Código Civil).

Na próxima etapa dessa análise, discutiremos como uma cláusula de renegociação mais sofisticada pode mesclar criativamente linguagem específica e aberta em um só texto — usando como base da reflexão duas cláusulas-modelo da Câmara de Comércio Internacional (CCI).

____________________________

[1] FONTAINE, Marcel; DE LY, Filip. Drafting International Contracts: An Analysis of Contract Clauses. Nova Iorque: Transnational Publishers, 2006. p. 463

[2] FONTAINE, Marcel; DE LY, Filip. Drafting… cit., p. 466-467.

[3] SCHAUER, Frederick F. Thinking like a lawyer: a new introduction to legal reasoning. Cambridge, Mass: Harvard University Press, 2009. p. 188-202.

[4] “Se a ideia era erigir algo semelhante a uma cláusula de hardship, que estabelecesse valores menores de multa, ou mesmo sua inexigibilidade, na hipótese de queda de arrecadação, era fundamental que as partes tivessem fixado parâmetros objetivos no próprio acordo para que isso pudesse ser efetivado. Todavia, na forma como foi redigida a cláusula, em termos absolutamente genéricos, sem a fixação de qualquer critério objetivo para a redução da multa, inviável extrair qualquer consequência jurídica de seu conteúdo, a não ser a necessidade de as partes entabularem novas negociações, o que foi cumprido” (TJ-SP, Agravo Regimental Cível n.º 2010463-11.2016.8.26.0000/50001, Órgão Especial, Rel. Des. Pereira Calças, j. 27.02.2019).

[5] TJ-SP, Agravo de Instrumento n.º 2175864-86.2021.8.26.0000, Rel. Des. Francisco Loureiro, 1ª Câmara de Direito Privado, j. 30.08.2021, DJe 09.09.2021.

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Disponibilização indevida de informações pessoais em banco de dados gera dano moral presumido

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por maioria, que a disponibilização para terceiros de informações pessoais armazenadas em banco de dados, sem a comunicação prévia ao titular e sem o seu consentimento, caracteriza violação dos direitos de personalidade e justifica indenização por danos morais.

O caso teve origem em ação proposta por um consumidor contra uma agência de informações de crédito, sob a alegação de que seus dados pessoais foram divulgados sem autorização. Em primeiro grau, a ação foi julgada improcedente. Ao manter a decisão, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) considerou que os dados compartilhados não eram sensíveis e que a atuação da empresa, na condição de birô de crédito, estaria respaldada pela legislação específica.

No recurso ao STJ, o consumidor sustentou que a disponibilização de informações cadastrais a terceiros exige o consentimento do titular. Argumentou que tais informações, como o número de telefone, têm caráter sigiloso, e que a divulgação de dados da vida privada em bancos de fácil acesso por terceiros, sem a anuência do titular, gera direito à indenização por danos morais.

Danos são presumidos diante da sensação de insegurança

A ministra Nancy Andrighi, cujo voto prevaleceu no julgamento, ressaltou que, de acordo com a jurisprudência consolidada do STJ, o gestor de banco de dados regido pela Lei 12.414/2011 pode fornecer a terceiros apenas o score de crédito, sem necessidade de consentimento prévio do consumidor, e o histórico de crédito, desde que haja autorização específica do cadastrado, conforme prevê o artigo 4º, inciso IV, da mesma lei.

A ministra enfatizou que as informações cadastrais e de adimplemento registradas nesses bancos de dados não podem ser repassadas diretamente a terceiros, sendo permitido o compartilhamento apenas entre instituições de cadastro, nos termos do artigo 4º, inciso III, da Lei 12.414/2011.

Nancy Andrighi concluiu que o gestor de banco de dados que, em desacordo com a legislação, disponibiliza a terceiros informações cadastrais ou de adimplemento do consumidor deve responder objetivamente pelos danos morais causados. Segundo a ministra, esses danos “são presumidos, diante da forte sensação de insegurança” experimentada pela vítima.

Leia o acórdão no REsp 2.201.694.

Fonte: STJ

Parlamentares e especialistas divergem sobre a revogação da Lei da Alienação Parental

Parlamentares e especialistas em direito de família se dividiram, nesta quarta-feira (3), sobre a defesa da revogação da Lei da Alienação Parental, que completa 15 anos neste ano. O assunto foi tema de debate organizado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados. A revogação está prevista no Projeto de Lei 2812/22, em análise no colegiado.

Para os que defendem a revogação, a lei vem sendo usada por pais e mães abusivos ou violentos para acusar de alienação parental o genitor que denuncia o abuso, o que muitas vezes é difícil de ser comprovado. Há ainda o argumento de que a maioria das denúncias recai contra a mãe, em um claro viés de gênero reproduzido pela lei.

Já para os que são contrários à revogação, a lei atua como proteção complementar ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e revogá-la seria um grande retrocesso na proteção de crianças e adolescentes. Eles também argumentam que a lei prevê uma abordagem multidisciplinar sobre os processos de abuso psicológico, o que permitiria uma apuração mais técnica da realidade emocional da criança e de seu contexto familiar.

Segundo a procuradora federal especializada em direitos do cidadão Acácia Soares Peixoto Suassuna, 70% dos casos de alienação parental são de pais que foram denunciados por mulheres por violência doméstica, por abuso sexual contra elas ou contra as crianças, e 70% das acusações de alienação recaem contra a mãe.

“Se a maioria das medidas é contra a mãe e a maioria delas é iniciada por quem foi denunciado pela mãe, esse dado convergente já indica que eu estou polarizando essa lei”, disse, com base em dados da Secretaria Nacional de Direitos da Criança.

A defensora pública Liana Lidiane Pacheco Dani, também favorável à revogação da lei, disse que a norma atual expõe crianças e adolescentes e suas mães à violência e perpetua o estereótipo da “mulher louca”. “Embora a alienação parental se apresente como uma norma de aplicação geral, seus efeitos recaem de forma desproporcional sobre um grupo específico da população: mulheres e mães, que são responsáveis pelo cuidado”, defendeu.

Ela citou o boletim epidemiológico de 2018 do Ministério da Saúde pelo qual, entre 2011 e 2017, observa-se aumento de 83% das notificações de violência sexual em geral, com crescimento de 64% em relação às crianças e 83% em relação a adolescentes. No caso de crianças, 69% dos casos de violência ocorrem em ambiente doméstico.

A deputada Fernanda Melchionna (Psol-RS), uma das autoras do projeto que propõe a revogação, argumentou com base em estudo da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre as consequências da lei de alienação parental no Judiciário brasileiro. Essa pesquisa, relatou a deputada, mostra que mulheres são acusadas de alienação parental em 66% dos casos e têm o dobro de chance de perder a guarda dos filhos.

Melchionna acredita que a lei não é neutra e prejudica mulheres vítimas de violência doméstica. “Até comprovar a violência, seja sexual ou familiar, essa mulher está sendo revitimizada pelo Judiciário com a violência mais bárbara, que é ficar longe de seus filhos”, disse.

Contrários à revogação
Defensor da lei, o representante da Associação de Direito de Família e das Sucessões, Caio Morau, acredita que a revogação criaria uma lacuna jurídica na proteção de direitos de crianças e adolescentes. Em vez de revogar, ele propõe o aprimoramento da norma com algumas alterações, como a distinção entre denúncias “sabidamente falsas” e denúncias que não foram comprovadas pela dificuldade de reunir provas, para a efeitos de aplicação de penalidades.

Morau disse que é um equívoco pensar que as denúncias de alienação parental recaem apenas sobre as mulheres, não raras vezes os denunciados por esse tipo de abuso psicológico, reforçou, são os pais.

“Não é só a mulher que está podendo ser sancionada por uma eventual denúncia falsa, mas também os homens que lançam mão desse instrumento sem efetiva ocorrência dessa alienação”, reforçou.

A favor da lei
O professor especialista em direito de família Antônio Jorge Pereira disse que o objetivo da lei de alienação parental não é suprimir o uso do ECA nem da Lei de Guarda Compartilhada, e sim complementar as leis de proteção ds crianças e dos adolescentes. “A lei foi criada para ser mecanismo adicional de proteção, não para minar outras formas de salvaguarda”, disse.

Pereira observou que a lei sobre alienação parental, modificada em 2022 pela Lei 14.340, trouxe como inovação a participação de profissionais multidisciplinares para avaliar os casos de suspeita de abuso psicológico infantil, o que reforçou a proteção contra falsas denúncias.

Já o deputado Carlos Jordy (PL-RJ) refutou o argumento de que a lei se baseia na “síndrome de alienação parental”, tese segundo a qual um dos genitores manipula o filho com o objetivo de prejudicar o relacionamento da criança com o outro genitor.

“A lei não tem esse caráter psiquiátrico de diagnóstico, mas sim um caráter preventivo, defendendo a alienação parental como uma interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente”, afirmou.

Viés ideológico
Para o deputado Marcos Pollon (PL-MS), o debate assumiu contornos ideológicos, uma vez que os defensores da revogação se eximem de apontar trechos da lei atual que são incompatíveis com a Constituição. Conforme ele, uma possível revogação só poderia acontecer após aprofundado debate técnico sobre os pontos negativos e os benefícios da atual legislação.

“Do mesmo jeito que tem depoimento de pessoas reclamando da aplicação da lei, tem um exército de pessoas aclamando a lei por salvar crianças de abusos”, disse.

Relatora da matéria, a deputada Laura Carneiro (PSD-RJ) não antecipou o teor do parecer, mas refutou as críticas de que o debate sobre o tema vem assumindo viés ideológico. Ela reforçou que o colegiado tem o objetivo de priorizar o fortalecimento do sistema de proteção de menores contra abuso psicológico. “Não há nada que seja pior que a utilização dos filhos para o seu próprio benefício, seja homem ou mulher”, disse.

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Fonte: Câmara dos Deputados