O Projeto de Lei 03/2024 e a (in)eficiência do processo falimentar

Decorridos três anos da última reforma da legislação de insolvência de empresas (Lei 14.112/20), a comunidade jurídica foi surpreendida, logo no início do ano, com um novo projeto de lei cujo objetivo é, a princípio, aumentar a eficiência do processo falimentar. Salvo melhor juízo, esse também era um dos objetivos da reforma anterior e da própria Lei 11.101/05.

Dentre as inúmeras alterações sugeridas, as principais são a criação do gestor fiduciário e o plano de falência.

O primeiro seria, segundo se compreende do projeto de lei e das explicações que vem sendo trazidas a público, um administrador judicial, mas eleito pelos credores por maioria de votos na forma proposta. Segundo afirmado, terão a mesma função. Ou seja, a reforma parte do pressuposto, a nosso ver incorreto, que os juízes não sabem nomear o administrador judicial ou que o fazem com o objetivo de prejudicar os credores.

O segundo seria a elaboração e apresentação pelo administrador judicial ou pelo gestor fiduciário de um plano de realização dos ativos de modo a permitir que os credores recebam seus créditos ou o equivalente a eles no menor tempo possível. Salvo melhor juízo, já existe essa previsão na lei dentre as incumbências (artigo 99, parágrafo 3º, combinado com o artigo 22, I e III) e a distinção está no fato de que será aprovado tácita ou expressamente pelos credores.

Críticas
Tão logo veio a público, diversas críticas foram lançadas ao mesmo. Algumas questionando a oportunidade e utilidade da reforma, outras o próprio texto do projeto.

No tocante a oportunidade e utilidade, de fato, a questão chama a atenção. A legislação foi reformada em 2020, conforme já explanado, sendo que alguns dos dispositivos legais somente entraram em vigor no primeiro mês deste ano. Deve ser ressaltado que a reforma anterior se originou de amplo debate que envolveu os principais operadores da área que puderam opinar e apresentar sugestões por meio de inúmeras reuniões de trabalho por todo o território nacional.

Parece claro que uma lei que conta com três anos de vigência e alguns de seus mais importantes pontos somente se tornaram aplicáveis há menos de um mês não possa ser criticada, sendo prematura a afirmação de que não teria atingido seus objetivos. Do mesmo modo, apresentar dados estatístico a respeito da eficiência do processo falimentar coletados antes mesmo da entrada em vigor da reforma não nos parece cientificamente correto.

Aliás, os operadores são unânimes em afirmar que a reforma agilizou o processo falimentar e os obstáculos hoje enfrentados, sob a ótica processual, nos parecem relacionados ao sistema recursal geral e não a norma especializada. Dentre esses problemas destacam-se os efeitos suspensivos a recursos que em regra não o tem.

A verdade é que a lei depende de tempo de maturação para que o entendimento doutrinário e jurisprudencial se estabilize e três anos, pela experiência comum, não pode ser considerado tempo suficiente.  Prova disso é que pouquíssimos pontos acerca da recente reforma já foram debatidos e julgados no Superior Tribunal de Justiça e, para um sistema que almeja segurança jurídica, a constante alteração do texto legal não parece uma alternativa adequada.

Mais do que isso, existe no Brasil uma certa tendência a acreditar que reformas legislativas tem o condão de resolver todos os problemas, o que muitas vezes não é verdade.  As leis existem muitas vezes, mas não são adequadamente aplicadas ou alguns problemas simplesmente não possuem solução e nós temos que conviver com essa realidade.

De fato, é comum nos depararmos com a seguinte afirmação: o processo falimentar tem baixo índice de satisfação do crédito dos credores. E a partir daí inúmeras soluções e caminhos são apresentados. No entanto, na maior parte das hipóteses, com todo o respeito, isso ocorre não porque a lei não existe ou é mal aplicada, mas porque os credores fizeram maus negócios (forneceram ou emprestaram assumindo riscos não calculados adequadamente).

Ou seja, a primeira conclusão é que, de fato, os argumentos trazidos até este momento não são e convincentes em torno da real necessidade e eficácia de uma nova reforma e se ela terá o condão de alterar o patamar de eficácia do processo falimentar. Aliás, um dos argumentos é que o projeto trazido a luz trata de temas que não foram objeto da reforma anterior. Isso é parcialmente verdade, todavia, a insegurança que as reformas legislativas trazem ao mercado, devem ser sopesadas.

Em relação aos aspectos técnicos da nova lei, diversas são as críticas em torno da sua redação.

Como o texto do projeto, ao contrário do anterior, não foi objeto de debate prévio pela comunidade jurídica, este deverá se desenvolver no decorrer do processo legislativo, cabendo evidentemente as Casas Legislativas verificar se existe realmente necessidade de alterar a legislação e, superada essa fase, debater e corrigir eventuais distorções. Para isso, essencial a retirada do regime de urgência.

Reflexões
Algumas reflexões devem ser desde logo feitas de modo a provocar o debate.

Neste primeiro artigo sobre o tema trago duas questões que geram em nosso entender preocupação.

O primeiro gira em torno do papel do falido no processo falimentar e seus direitos.

É interessante notar que, desde a entrada vigor da lei 11.101/05, nos deparamos com afirmações no sentido de que o falido não pode ser tratado como um pária da sociedade.  Aliás, seja a lei original, seja a resultante da última reforma, buscam a reabilitação do falido no menor espaço de tempo, de modo a permitir que volte a empreender. Outra prova disso é o fato dos crimes falimentares, a nosso ver de forma absolutamente equivocada, tem sido relegado a um segundo plano, quase institutos em extinção.

Nesse sentido, embora não seja comum, o fato é que, após o pagamento de todos os credores, os ativos remanescentes devem ser devolvidos ao falido. Não existe no nosso sistema uma pena de perdimento no processo falimentar e o projeto expressamente não o prevê.

Todavia, chama a atenção no projeto de lei, o fato de que o falido é absolutamente afastado da discussão em torno do plano de falência e o texto não regula como ele poderá evitar que todos seus ativos sejam liquidados ou transferidos aos credores ainda que seu valor seja superior a integralidade dos débitos. Ao contrário, a lei não trata da possibilidade do falido impugnar o plano de falência (tem voz, a princípio, mas sem qualquer efeito prático).

Ou seja, ao que tudo indica, a legislação passa a adotar dois regramentos que, salvo melhor juízo, se contrapõe: o falido deve ser reabilitado rapidamente, mas deve se reerguer do nada.

O segundo refere-se ao gestor fiduciário que, segundo já esclarecido, nada mais é do que um administrador judicial eleito pelos credores.

Em sendo assim, algumas regras, em nosso entender, devem constar expressamente no texto de lei de modo a evitar futuras discussões.

Do mesmo modo que o administrador judicial, o limite de sua remuneração e de seus auxiliares deve ser 5%. Com efeito, se o objetivo da lei é aumentar a eficiência do processo falimentar, não nos parece lógico permitir que as despesas com a massa sangrem os ativos, questão aliás que, desde o decreto lei, é apresentada com uma das causas do não ressarcimento adequado dos credores. Se não for assim, por uma questão de igualdade, deve ser admitido que o administrador judicial (caso não seja eleito o gestor fiduciário) ao elaborar o plano de falência proponha que sua remuneração seja superior aos 5% previstos em lei e, se não houver impugnação na forma proposta pelo projeto ou for aprovado pela assembleia de credores, seja homologada pelo juiz.

Outro ponto que merece atenção nos parece a relação existente entre os sujeitos do processo e as regras que envolvem imparcialidade e transparência. Muitas regras foram criadas em torno dos critérios de nomeação dos administradores judiciais (número de nomeações, relações com os juízes, entre outras) e devem ser estendidas aos gestores fiduciários somente que agora a partir da relação deste com os credores.

A atuação dos gestores fiduciários deve se submeter a regras assemelhadas a dos administradores judiciais que envolvem a sua imparcialidade e o dever de revelação em respeito a transparência do processo falimentar. Assim, não poderão os gestores fiduciários, em nosso entender, prestar serviços por si ou por meio do grupo econômico ou jurídico de que fazem parte aos credores que o elegeram ainda que em outros processos ou áreas, como, por exemplo, consultoria.

De igual forma, acredito ser hipótese de suspeição, a atuação do gestor fiduciário nas habilitações e impugnações de crédito que envolvam os direitos dos credores que o elegeram. Assim, deverá a lei prever uma espécie de “administrador Judicial” ou “gestor ad hoc” para esses casos.

Outro ponto que merece maior reflexão para evitar discussões futuras é a seguinte sequência lógica. O credor elege o gestor fiduciário; o gestor faz o plano de trabalho; o plano de trabalho prevê a dação em pagamento de ativos para o credor que elegeu o gestor; e o credor que elegeu o gestor é que não impugna ou aprova seu plano de trabalho. Essa “simbiose” pode nos levar a crer que alguns credores poderão conduzir a escolha do gestor fiduciário para que este atue em benefício de quem o elege e não da coletividade de credores.

Aliás, desde a entrada em vigor da Lei 11.102/05, as atribuições do administrador judicial aumentaram substancialmente. Na prática, é um auxiliar do Juízo que substitui não somente parte da atividade cartorial, como emite pareceres em questões relevantes. O pressuposto desse aumento de funções é a confiança do Juízo no administrador judicial que ele nomeou. Parece difícil considerar produtivo e eficiente um sistema em que o Juízo seja obrigado a confiar nas atividades de quem ele sequer muitas vezes conhece. Neste ponto, o agente fiduciário, salvo melhor juízo, poderá provocar um retardamento do processo.

Responsabilidade
Outro ponto também que deve ficar claro é a questão da responsabilidade. Evidente que a atuação do gestor fiduciário, da mesma forma que o administrador judicial, pode causar danos. E, nos limites da legislação em vigor, os danos devem ser ressarcidos. No caso do administrador judicial, escolhido pelo magistrado, nos limites da legislação vigente, a responsabilidade subsidiária pode recair no próprio Estado.

Evidente também que essa regra não se aplica ao gestor fiduciário, não podendo o Estado responder pelos danos que aqueles causou, vez que sua indicação não partiu de seu agente, mas sim da vontade da maioria dos credores; neste caso, a responsabilidade subsidiária deverá ser daqueles que o elegeram, cabendo a legislação falimentar regular a matéria, caso contrário, deverão ser aplicadas as regras gerais do Código Civil, não podendo ser a mesma excluída pelo plano de falência, por razões óbvias.

A verdade é que, sem entrar, por enquanto, no mérito se deve ser levada adiante a reforma legislativa é imprescindível que os novos institutos sejam debatidos antes da aprovação do texto legislativo, pois, caso contrário, a insegurança jurídica somente prejudicará as partes do processo de insolvência e a eficiência almejada na venda ou dação dos ativos, seja abatida pela ineficiência no desenvolvimento do processo.

Fonte: Consultor Jurídico

Natureza e objeto das convenções processuais

O processo judicial reclama, em homenagem a um elementar postulado de segurança jurídica, respeito a uma série de garantias das partes (due process of law em senso processual), cuja observância se faz incompatível com a precipitação.

Para tanto, afirma-se correntemente que os direitos subjetivos dos cidadãos devem ser providos da máxima garantia social, com o mínimo sacrifício da liberdade individual, e, ainda, com o menor dispêndio de tempo e energia.

Respeito amplo ao contraditório
Ressalta, nessa ordem de ideias, Teresa Sapiro Anselmo Vaz, que a grande equação que se impõe nos dias atuais ao processualista reside, essencialmente, em conciliar esses valores e todas as consequências que deles advêm, com a obtenção de decisão que represente uma composição do litígio consonante com a verdade, e em que se respeite amplamente o regramento do contraditório e todas as garantias de defesa, pois só assim se logrará uma decisão acertada nos lindes de um processo justo (Novas Tendências do Processo Civil no Âmbito do Processo Declarativo Comum (alguns aspectos), Revista da Ordem dos Advogados, Lisboa, 55, 1995 :925).

Desse modo, o esforço para harmonizar as garantias processuais com boa técnica de tutela substancial tem desafiado as leis dos mais diferentes sistemas jurídicos.

Tradicionalmente, a legislação processual desenha um determinado procedimento, cujas regras, em princípio, sempre foram concebidas como cogentes, não podendo ser alteradas pelos protagonistas do processo, vale dizer, nem pelo juiz e muito menos pelos litigantes.

Possibilidade de autocomposição
Esta premissa, contudo, jamais impediu que, no plano do direito material, as partes pudessem (como podem) por fim à controvérsia, mesmo depois de judicializada a pendência entre elas existente, por meio de inúmeros expedientes, entre eles, e. g., a transação judicial ou, mesmo, extrajudicial.

Nesse sentido, procurando infundir a cultura da pacificação entre os protagonistas do processo, o vigente Código de Processo Civil, em inúmeros preceitos, sugere a autocomposição. Dispõe, com efeito, o parágrafo 2º do artigo 3º que: “O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos”. Dada a evidente relevância social da administração da justiça, os Poderes constituídos devem mesmo empenhar-se na organização de instituições capacitadas a mediar conflitos entre os cidadãos. No Brasil, o Ministério da Justiça preocupa-se em fornecer os meios necessários a várias organizações não-governamentais, que têm como missão precípua a instalação e gestão de sistemas alternativos de administração de controvérsias.

Aduza-se que o próprio diploma processual em vigor, comprometido com o sistema “multiportas” de solução dos litígios, de forma muito original, fomenta, no artigo 174, a criação, pela União, estados, Distrito Federal e pelos municípios, de câmaras de mediação e conciliação, com atribuições relacionadas à solução consensual de conflitos no âmbito administrativo.

Além destas importantes iniciativas, que seguem tendência mundial, o parágrafo 3º do artigo 3º recomenda de modo expresso a solução amigável (autocomposição), que deverá ser implementada, na medida do possível e inclusive no curso do processo, “por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público”.

Assim, uma vez passível de composição suasória o direito questionado, as partes, transigindo, podem celebrar acordos acerca do objeto litigioso, circunstância implicativa da extinção do processo, pela sua inarredável inutilidade superveniente.

Efeito processual e homologação
Encerrada a desavença no plano do direito substancial em decorrência do negócio jurídico consubstanciado na transação (efeito material), aflora, de forma inexorável, o seu efeito processual, que é, consequentemente, o de determinar a prolação de sentença homologatória, como se o próprio mérito tivesse sido examinado pelo órgão jurisdicional.

Bem é de ver que, judicial ou extrajudicial a transação, a sua eficácia se subordina à homologação judicial. É, pois, pela homologação que “o negócio jurídico se processualiza”.

Deve ter-se presente, nesse particular, que as convenções sobre os atos procedimentais têm natureza estritamente processual, não se confundindo com os negócios propriamente ditos, que ocorrem incidentalmente no âmbito do processo e que têm por objeto o próprio direito litigioso.

As duas espécies de negócio jurídico processual
Essa faculdade de as partes celebrarem tais convenções, em particular, durante a tramitação do processo, tem sido destacada na atual literatura processual europeia, sobretudo, em dois livros que foram recentemente publicados: Guillermo Schumann Barragán, Derecho a la Tutela Judicial Efectiva y Autonomia de la Voluntad: los Contratos Procesales (Madrid, Marcial Pons, 2022); e a coletânea coordenada por Anna Nylund e Antonio Cabral, Contractualisation of Civil Litigation (Cambridge, Intersentia, 2023).

Diante de tais premissas, sob o aspecto dogmático, o gênero negócio jurídico processual pode ser classificado nas seguintes espécies: a) negócio jurídico processual (stricto sensu), aquele que tem por objeto o direito substancial; e b) convenção processual, que concerne a acordos entre as partes sobre matéria estritamente processual.

As convenções almejam, pois, alterar a sequência programada dos atos processuais prevista pela lei, mas desde que não interfiram em seus efeitos. Enquanto há disponibilidade no modo de aperfeiçoamento dos atos do procedimento, a sua eficácia descortina-se indisponível, ainda que o objeto do litígio admita autocomposição.

Trilhando esse mesmo raciocínio, frisa Cândido Dinamarco que a escolha voluntária para regrar o procedimento não vai além de se direcionar em um ou outro sentido, sem liberdade, contudo, para construir o conteúdo específico de cada um dos atos. Os seus respectivos efeitos são sempre os que resultam da lei e não da vontade das partes (Instituições de direito processual civil, vol. 2, 4ª ed., São Paulo, Malheiros, 2004, pág. 471).

Daí porque é vetado às partes, por exemplo, estabelecerem que não se aplica a presunção de veracidade se algum fato não for contestado pelo réu, ou, ainda, atribuir peso/valor a determinada prova em relação a outro meio probatório.

O artigo 190 do CPC
Pois bem, dentre as novidades inseridas no vigente Código de Processo Civil brasileiro destaca-se aquela contemplada no caput do artigo 190, que tem a seguinte redação: “Versando o processo sobre direitos que admitem autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo”.

Ademais, o subsequente artigo 191, dispõe sobre a possibilidade de o juiz em conjunto com as partes fixarem, de comum acordo, calendário para a prática dos atos do procedimento.

É certo que as convenções de natureza processual já existiam em nosso sistema processual (dispensa de audiência, suspensão do processo, distribuição do ônus da prova, critério para a entrega de memoriais, adiamento de julgamento em segundo grau), embora sem a amplitude que vem prevista no Código de 2015.

Não é preciso registrar que, à luz desse novo horizonte que se descortina sob a égide do vigente diploma processual, a efetivação de convenções processuais, no plano do procedimento, ganha inegável relevo.

CPC/15 concedeu mais poderes às partes
Com efeito, como restou assentado no julgamento da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial n. 1.738.656/RJ, da relatoria da ministra Nancy Andrighi:

“Embora existissem negócios jurídicos processuais típicos no CPC/73, é correto afirmar que inova o CPC/15 ao prever uma cláusula geral de negociação por meio da qual se concedem às partes mais poderes para convencionar sobre matéria processual, modificando substancialmente a disciplina legal sobre o tema, especialmente porque se passa a admitir a celebração de negócios processuais não especificados na legislação, isto é, atípicos”.

Convenções processuais x Mérito da controvérsia
Vale salientar que esta prerrogativa concedida às partes não pode ser identificada com os modos de solução consensual da controvérsia, que decorrem, como acima frisado, de verdadeiros negócios jurídicos, atinentes ao mérito da controvérsia.

As convenções processuais propiciadas pela regra do artigo 190 encerram a possibilidade de as partes acordarem sobre a realização de atos procedimentais e, ainda, acerca de ônus, faculdades e deveres processuais, que vinculam o juiz e que não estão sujeitos à homologação (artigo 200 do CPC), mas apenas ao controle de sua respectiva higidez, sobretudo no que se refere às garantias processuais, que não admitem preterição em hipótese alguma.

Antes e depois 
Tais pactos, à exemplo do que se verifica no terreno da arbitragem, podem ser projetados antes mesmo da eclosão da lide ou celebrados incidentalmente já no curso do processo judicial. Não se afasta, pois, a possibilidade da ocorrência de mais de uma convenção processual entre as partes num mesmo processo (v., a propósito, Robson Godinho, Negócios processuais sobre o ônus da prova no novo Código de Processo Civil, São Paulo. Ed. RT, 2015).

Importa acrescentar, em conclusão, a evitar qualquer dúvida, que as convenções processuais, amplamente admitidas pelo artigo 190 do Código de Processo Civil, que ostentam natureza e conteúdo estritamente processual, não têm qualquer identidade dogmática com os negócios jurídicos processuais, de cunho substancial e que têm por objeto o direito controvertido.

Fonte: Consultor Jurídico

Professor é condenado por causa de ofensas racistas contra aluna

Por entender que o delito de injúria racial foi fartamente comprovado por meio dos depoimentos de testemunhas, o juiz Leonardo Prazeres da Silva, da 9ª Vara Criminal do Foro Central Criminal da Barra Funda, em São Paulo, condenou um professor universitário por causa de ofensas contra uma aluna negra.

Conforme está relatado nos autos, a autora da ação abordou o professor para oferecer café que era vendido por outra aluna, e o réu respondeu: “Não quero porque já tomei café e também não quero ficar da sua cor. Já causo polêmica sendo branco, imagina ficando da sua cor”. Em sua defesa, o professor alegou que não teve a intenção de ofender a aluna e que fez uma “brincadeira absolutamente inocente”.

Ao analisar o caso, porém, o juiz destacou que a versão do professor não foi corroborada por ninguém, enquanto a da autora foi confirmada por testemunhas.

“O acusado era, na data dos fatos, imputável, tinha plena consciência da ilicitude de sua conduta, não havendo quaisquer excludentes de ilicitude ou de culpabilidade que possam beneficiá-lo. A prova é certa, segura e não deixa dúvidas de que o acusado praticou o delito descrito na denúncia, devendo responder penalmente pelo praticado”, resumiu o julgador.

Inicialmente, o professor foi condenado a um ano de reclusão em regime semiaberto. Em seguida, foram apresentados embargos de declaração contra a decisão pela parte autora. Ao julgar o recurso, a juíza Mariana Parmezan Annibal considerou que o crime foi praticado na presença de terceiros e, por isso, aumentou a pena para um ano, seis meses e 20 dias de reclusão, além de 14 dias-multa. Por fim, a magistrada substituiu a pena privativa de liberdade por multa no valor de dois salários mínimos.

Fonte: Consultor Jurídico

Proibir juiz de condenar após MP pedir absolvição elevaria imparcialidade de decisões

Uma vez que o Brasil adota o sistema processual penal acusatório, o juiz não pode condenar o réu em uma ação penal se o Ministério Público opina pela absolvição. Assim sendo, a extinção dessa possibilidade tornará os julgamentos mais imparciais e democráticos.

Essa é a opinião dos advogados ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico sobre o tema. Eles apoiam a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 1.122, por meio da qual a Associação Nacional da Advocacia Criminal (Anacrim) pede que o Supremo Tribunal Federal reconheça a não recepção do artigo 385 do Código de Processo Penal pela Constituição de 1988. A ação foi distribuída ao ministro Edson Fachin.

O artigo 385 do CPP tem a seguinte redação: “Nos crimes de ação pública, o juiz poderá proferir sentença condenatória, ainda que o Ministério Público tenha opinado pela absolvição, bem como reconhecer agravantes, embora nenhuma tenha sido alegada”.

Esse dispositivo viola os princípios do devido processo legal e do contraditório, sustenta a Anacrim na ADPF, protocolada na segunda-feira (29/1). A petição foi assinada pelos advogados Lenio StreckJacinto CoutinhoJames Walker (presidente da Anacrim), Marcio Berti e Victor Quintiere.

O criminalista Luís Guilherme Vieira, ex-membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça, diz ser óbvio que o artigo 385 do CPP não foi recepcionado pela Constituição de 1988. “Ulysses Guimarães está rouco de tanto de gritar. Não lhe dão ouvidos!”.

“O Judiciário tem de se conformar que o sistema acusatório vige desde 1988. E os ministros têm de parar de se queixar aqui e no exterior de que o número de ações ajuizadas anualmente é extremado, expondo o Brasil ao ridículo. A solução: cumpram o estatuído há 35 anos. O Estado democrático de Direito agradece”, fala Vieira.

A ADPF da Anacrim busca corrigir um “resto anacrônico do autoritarismo do CPP de 1941”, que já deveria ter sido expurgado do processo penal brasileiro desde a Constituição de 1988, avalia Aury Lopes Jr., professor de Direito Processual Penal da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

Por causa da cultura inquisitória, “ainda temos esse absurdo de permitir ao juiz condenar sem pedido”, o que viola a base do princípio da correlação, aponta o advogado. Além disso, ressalta ele, o artigo 385 do CPP contraria a estrutura do objeto do processo penal, que é a pretensão acusatória do Ministério Público, titular exclusivo da acusação pública, e a regra mais elementar do sistema acusatório, da separação de funções e do ne procedat iudex ex officio (que impede o juiz de agir de ofício). O dispositivo, segundo Lopes Jr., também desrespeita o “princípio supremo do processo penal”, que é a imparcialidade do juiz.

“Inacreditavelmente, ainda tem gente que defende, com base em absurdos como a ‘busca da verdade real’ (quem fala isso não sabe o que é verdade e menos ainda o que seja o ‘real’) e o ativismo judicial inquisitório (juiz-ator-inquisidor), que um juiz condene de ofício. Mais apavorante ainda é ver membros do Ministério Público sustentarem que o juiz pode condenar sem acusação, ou seja, relegando o MP a uma função secundária, e decorativa até, no processo penal”, opina o professor.

No sistema acusatório, o juiz é o destinatário das alegações do MP e da defesa. Então não faz sentido o julgador condenar ou decretar medidas cautelares se não há pedido ou manifestação favorável da acusação, destaca Pierpaolo Cruz Bottini, professor de Direito Penal da Universidade de São Paulo.

“É um processo de partes. O processo não é do juiz. Então o nosso sistema penal, previsto na Constituição de 1988, não recepcionou o artigo 385 do CPP”, argumenta o criminalista.

O ex-professor de Direito Processual Penal da Universidade Federal do Rio de Janeiro Geraldo Prado, hoje investigador integrado ao Instituto Ratio Legis da Universidade Autônoma de Lisboa e consultor sênior do Justicia Latinoamérica (Chile), sustenta no livro Sistema Acusatório: A Conformidade Constitucional das Leis Processuais Penais (Lumen Juris) que, caso o Ministério Público peça a absolvição do réu, o juiz não está autorizado a condená-lo.

“Pelo contrário. Como o contraditório é imperativo para a validade da sentença que o juiz venha a proferir, ou, dito de outra maneira, como o juiz não pode fundamentar sua decisão condenatória em provas ou argumentos que não tenham sido objeto de contraditório, é nula a sentença condenatória proferida quando a acusação opina pela absolvição”, afirma Prado.

O fundamento da nulidade é a violação do contraditório, destaca ele. Afinal, quando o MP, em alegações finais, opina pela absolvição do acusado, “o que ocorre em concreto, no processo, é que o acusador subtrai do debate contraditório a matéria referente à análise das provas que foram produzidas na etapa anterior e que possam ser consideradas desfavoráveis ao réu”. “Como a defesa poderá reagir a argumentos que não lhe foram apresentados?”, questiona o processualista.

Fonte: Consultor Jurídico

Violência contra mulher não depende de contexto, classe ou idade

Recentemente, dois casos de violência vieram à tona para, mais uma vez, nos fazerem estalar os olhos com amargor aos abusos sofridos cotidianamente pelas mulheres e meninas em nossa sociedade. Uma moça sofre tentativa de estupro ao ser abordada por desconhecido na rua a caminho do trabalho e é socorrida por motorista e passageiros de um ônibus. Em circunstância diversa, a apresentadora Ana Hickmann denuncia o esposo e pai de seu filho por agressão.

Tema da última redação do Enem, a mulher do lar tem frequentemente seus direitos e dignidade violados, mas a agressão continua também sendo praticada física e sexualmente contra esta parcela vulnerável da população, independentemente da classe social, idade ou profissão exercida. Isso diz muito sobre como ainda somos percebidas pela sociedade. E a violência começa precocemente.

Assim como quando falamos do trabalho doméstico e familiar não remunerado, a violência sexual também tem entre suas vítimas adolescentes e crianças. Cabe ressaltar que a espécie de trabalho infantil mais comumente explorada é a doméstica, sendo esta realizada na sua maioria por meninas, de acordo com a OIT (Organização Internacional do Trabalho).

Principais vítimas 
No que se refere aos casos de violência sexual, meninas de até 13 anos são as mais vulneráveis ao crime, figurando como 88,2% das vítimas de estupro de vulneráveis de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2022) — sendo as meninas negras mais propensas a sofrerem a violência.

O estupro é crime mundialmente praticado, com grande incidência. Nos Estados Unidos, por exemplo, uma em cada seis mulheres foi vítima de estupro na forma tentada ou consumada ao longo da vida. Entre 2009 e 2013, o conselho tutelar norte-americano, o Child Protective Services, indicou que 63 mil crianças foram vítimas de abuso sexual no país. A maioria das vítimas tinha entre 12 e 17 anos. Ressalta-se que dentre as vítimas, 48% estavam no ambiente doméstico, dormindo ou realizando alguma atividade em casa.

Contexto norte-americano
As consequências para os crimes sexuais praticados nos Estados Unidos são um pouco diversas das existentes no Brasil. Além da pena de prisão, há ainda a previsão de penalidade relativa ao tratamento compulsório do ofensor sexual, bem como o programa de registro e notificação de ofensores sexuais — o que se denomina de consequências colaterais da condenação.

Uma vez condenado por crimes dessa natureza, há a inserção do sujeito em um registro nacional de ofensores sexuais (sex offender registry) disponibilizado para a comunidade em geral, através de websites, sob o argumento de proteção daqueles que integram a sociedade.

O registro prevê ainda a restrição de locais de moradia e trabalho, proibição de frequentar determinados locais e, em caso de crime contra menores, impossibilidade de morar ou trabalhar próximo a escolas, por exemplo.

Punição e prevenção
Críticos ao sistema contestam a prática sob o argumento de que a punição administrativa e social pelo crime cometido, após cumprimento da pena, é muito maior que a sanção penal recebida. Não adentrando nesta questão, fato é que, por mais severas que sejam as medidas aplicadas aos ofensores sexuais, os Estados Unidos enfrentam, assim com o Brasil, dificuldade em prevenir a ocorrência do crime, apontando-se para a ineficácia das medidas adotadas.

Isso porque, em sua esmagadora maioria, os crimes sexuais são cometidos por familiares e amigos ou pessoas do círculo de confiança da vítima — assim como a violência pautada em gênero de maneira geral, o que faz com que não ocorra a denúncia do crime, com o julgamento e condenação do abusador, e o consequente registro. A realidade brasileira não é diferente. O estupro aqui também e subnotificado e, dos casos registrados de estupro de vulnerável, em quase 80% deles o estuprador era conhecido da vítima.

Que a coragem das mulheres que tiveram suas dores expostas recentemente contribua para a mudança que tanto desejamos, tanto no contexto de oportunizar o desenvolvimento profissional e acadêmico de meninas e mulheres, como no de erradicar a violência em todas as suas formas.

Fonte: Consultor Jurídico

Prestes a ser aprovada, lei da Flórida vai proibir uso de redes a menores de 16 anos

A partir de julho deste ano deve entrar em vigor uma nova lei da Flórida que vai proibir menores de 16 anos de terem contas em redes sociais. Por enquanto, o projeto de lei foi aprovado pela Câmara dos Deputados do estado. Mas já foi anunciado que o PL será aprovado pelo Senado e o governador Ron DeSantis irá sancionar a nova lei.

Essa será uma das leis estaduais mais restritivas do país. Além de proibir a criação de novas contas, as plataformas de mídia social serão obrigadas a cancelar as contas existentes de menores de 16 anos, mesmo que haja autorização dos responsáveis.

Para saber quem pode ou não pode ter uma conta, todos os usuários da Flórida terão de apresentar algum documento de comprovação de idade a uma empresa terceirizada, que ainda não se sabe qual é.

A legislação autoriza os pais a processar as empresas de redes sociais que não fecharem as contas de seus filhos menores de idade. Os pais terão direito à indenização de até US$ 10 mil e mais os custos judiciais.

Danos e benefícios das redes sociais
A justificativa do PL é a de que os aplicativos de rede social são viciantes e causam danos à saúde mental e ao bem-estar de crianças e adolescentes.

Para os líderes republicanos da Flórida, o objetivo dessa medida legislativa é conter alguns problemas graves que assolam as crianças em todo o estado, incluindo casos de bullying, depressão, pressão social e até suicídio  todos, segundo eles, ligados ao acesso às redes sociais.

No entanto, o “Informe do Cirurgião-Geral dos EUA de 2023 sobre Mídias Sociais e Saúde Mental Juvenil”, documento elaborado pela autoridade máxima de saúde do país, o cirurgião-geral Vivek Hallegere Murthy, adverte que é preciso mais pesquisas para se entender completamente os impactos das mídias sociais sobre crianças e adolescentes.

Segundo o informe, há indicadores de que as redes podem  causar danos à saúde mental dos menores, mas também pode trazer alguns benefícios  entre eles, a autoexpressão e a comunicação com grupos ou comunidades de apoio, como é o caso de adolescentes LGBTQIA+ e de grupos raciais.

Opositores criticam a proposta de lei por retirar dos pais o poder de decidir se seus filhos podem ou não usar as plataformas, além de restringir o acesso deles a amizades e a recursos que consideram importantes. Há também quem critique a proposta por supostamente prejudicar crianças e adolescentes que ganham dinheiro como influenciadores digitais.

Com danos ou benefícios, o grupo impactado é abrangente: uma pesquisa da instituição indica que 95% dos adolescentes de 13 a 17 anos usam a mídia social.

As restrições não se aplicam a websites predominantemente usados para e-mails, mensagens e textos, bem como para serviços de streaming e sites de notícias, esportes, entretenimento, compras e jogos online.

Colcha de retalhos
A Flórida não é o primeiro estado dos EUA a propor tal medida legislativa. O primeiro foi Utah, que aprovou uma lei mais leve, em março de 2023. A lei requer consentimento dos pais para o uso da mídia social por menores de 18 anos. E proíbe esse público de acessar a mídia social das 20h30 às 6h30.

No rastro de Utah, vieram os estados de Ohio, Arkansas, Louisiana, Texas e Montana (que, particularmente, baniu o TikTok no estado). Ao todo, 35 estados aprovaram ou preparam suas próprias medidas legislativas para restringir o uso de mídias sociais por menores.

Cada estado tem sua própria ideia de lei para proteger suas crianças e adolescentes, o que vem tornando a legislação do país uma colcha de retalhos – para o desespero das empresas de tecnologia, que vêm implorando por uma lei federal, válida para todo o país.

Por enquanto, a NetChoice, organização que representa empresas de redes sociais, e a The Electronic Frontier Foundation, um grupo de defesa dos direitos digitais, estão movendo ações judiciais para contestar essas leis, à medida que elas saem do forno  com algum sucesso.

A NetChoice alega, entre outras coisas, que tais leis são inconstitucionais por ameaçar a privacidade e a segurança dos usuários, retirar a autoridades dos pais sobre seus filhos e criar um programa de vigilância, do tipo “big brother”, na internet.

Para comprovar a idade, os usuários, nesses estados, terão de enviar à empresa verificadora algum documento válido (e com dados sensíveis), tal como carteira de motorista, carteira de identidade ou certidão de nascimento para menores ou ainda as páginas de dados de passaportes.

Conteúdo adulto
Paralelamente, a Câmara dos Deputados da Assembleia Legislativa da Flórida aprovou um projeto de lei “prioritário”, que receberá as bençãos do Senado e do governador, proibindo o acesso de menores de idade a websites de “conteúdo adulto”  ou pornográficos.

O PL estabelece que os websites que publicam materiais “danosos para menores” tomem “medidas razoáveis” para verificar as idades dos usuários. E impeça o uso do site por menores de 18 anos.

Tal como no caso da mídia social, uma empresa terceirizada se encarregará da verificação das idades dos usuários. Alguns estados, como Louisiana, Arkansas, Montana, Mississippi, Utah, Virgínia e Texas também já aprovaram —  ou estão a ponto de aprovar  leis de verificação da idade.

Fonte: Consultor Jurídico

Dispensa em massa sem negociação com sindicato é inadmissível, reforça TST

Conforme foi estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal por meio de uma tese de repercussão geral, é imprescindível a participação sindical para a dispensa em massa. Com base nesse entendimento, a 3ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho proibiu uma construtora de Aracaju de promover demissão coletiva sem negociar previamente com o sindicato da categoria.

Em junho de 2017, a empresa dispensou mais de cem trabalhadores sem negociação prévia com o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Pesada, Portos, Aeroportos, Barragens, Canais, Dutos, Eclusas, Estradas, Ferrovias, Hidrelétricas, Metrôs, Pavimentação e Terraplenagem do Estado de Sergipe (Sintepav-SE).

A situação levou o Ministério Público do Trabalho (MPT) a ajuizar ação civil pública para impedir a dispensa e prevenir futuras medidas semelhantes sem discussão dos critérios e das formas com o sindicato.

A empresa, em sua defesa, sustentou que as dispensas são legalmente permitidas e poderiam ser questionadas individualmente na Justiça pelos trabalhadores envolvidos.

O juízo da 9ª Vara do Trabalho de Aracaju deferiu os pedidos do MPT, mas o Tribunal Regional do Trabalho da 20ª Região (SE) afastou as obrigações impostas à empresa. Para a corte regional, o artigo 477-A da CLT, introduzido pela reforma trabalhista (Lei 13.467/2017), diz que são lícitas as dispensas imotivadas individuais e coletivas, mesmo sem prévia autorização da entidade sindical ou previsão em acordo ou convenção coletiva de trabalho.

Diálogo prévio
Ao examinar o recurso de revista do MPT, o ministro Alberto Balazeiro destacou que, conforme tese de repercussão geral (Tema 638) fixada pelo STF, “a intervenção sindical prévia é exigência procedimental imprescindível para a dispensa em massa de trabalhadores”. Segundo o magistrado, apesar de a dispensa coletiva não estar condicionada à autorização prévia do sindicato, “a existência de um diálogo prévio, leal e efetivo entre o empregador e a categoria é requisito imperativo de validade“.

Além de vedar a dispensa, o colegiado, por unanimidade, impôs multa diária de R$ 10 mil por trabalhador a cada constatação de descumprimento. Com informações da assessoria de imprensa do TST.

Fonte: Consultor Jurídico

Concurso unificado: a novidade do momento

Na semana passada foram abertas as inscrições para o “Concurso Público Nacional Unificado”, que ganhou da imprensa o apelido de “Enem dos concursos”. Como o nome sugere, trata-se de uma seleção única para 6.640 vagas existentes em 21 órgãos federais, com possibilidade de lotação em diversas cidades do país. As provas de conhecimento serão aplicadas simultaneamente em até 180 cidades, em todas as regiões. Trata-se de uma iniciativa inovadora que rompe a tradição de realização de concursos focados em órgãos ou entidades e cargos específicos: a seleção é dividida em oito blocos temáticos e permitirá o acesso a diferentes cargos e carreiras.

Na visão do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, espera-se conseguir ganho de eficiência (a integração permitirá redução de custos), de eficácia (por permitir o provimento conjunto das vagas), de efetividade (a lógica de “blocos temáticos” permite visão sistêmica das capacidades estatais e racionaliza o processo seletivo) e de equidade (permitindo aplicação com maior dispersão no território nacional).

A necessidade de experimentar e buscar inovações no planejamento e realização de concursos públicos foi abordada nesta mesma coluna, há pouco tempo, pelo professor Paulo Modesto, que identificou uma série de problemas:

“[…] ausência de uma política integrada de recursos humanos no planejamento dos concursos; a falta de critérios consistentes para a composição de bancas; a repetição de bancas e entidades organizadoras; o foco excessivamente jurídico na definição dos procedimentos do concurso; a simplificação rasteira das provas; a baixa atenção a aspectos gerenciais e a capacidades necessárias ao cargo ou emprego em disputa; a judicialização excessiva das provas e resultados; a ausência de regulação adequada da relação entre o Poder Público e a entidade organizadora do concurso; o abuso nas taxas de inscrição, sem parâmetros relacionados aos cargos em disputa ou aos custos efetivos de organização das provas; a utilização excessiva de cadastros de reserva e a ausência de previsão de estipulação mínima de cargos para imediato provimento, correlacionado ao número de cargos vagos; a ausência de disciplina sobre direitos ressarcitórios dos candidatos, especialmente em face de cancelamentos de provas e reagendamento de concursos; a disciplina adequada sobre a possibilidade de concursos em formato digital; a previsão de prazos mínimos para inscrição em concursos, para interposição de recursos e para análise de provas realizadas; a baixa valorização da experiência de trabalho dos candidatos e a excessiva valorização do treinamento para a resposta a perguntas objetivas e gerais;  a desatenção com os concursos da área meio; ausência de requisitos objetivos para definição sobre a prorrogação ou não da validade dos concursos, atendidos requisitos de planejamento financeiro e gerencial da própria Administração Pública”.

O inventário de problemas chega a ser desanimador, e a má notícia é que existem outros tantos que frequentemente se renovam. Entretanto, a iniciativa merece atenção em razão de sua potencialidade para produzir resultados positivos.

Inicialmente, a racionalização e convergência do esforço de órgãos e entidades variados é importante. A realização de certames diferentes para cargos assemelhados – na administração federal – poderia trazer não somente mais gastos como também menos racionalidade para objetivar a seleção, com a utilização de parâmetros distintos para cargos que necessitam de competências e habilidades assemelhadas. A possibilidade de escolha de vários cargos em ordem de prioridade, dentro do mesmo bloco temático, também contribui para a racionalidade do processo de ingresso. Aliás, a seleção com base em competências – e não somente em conhecimentos – é um desafio ainda em aberto, cuja dificuldade ganha envergadura em um cenário que demanda descrição de atributos em lei, que devem ter relativa estabilidade. Como descrever competências na lei de forma a não engessar o perfil dos servidores e, ao mesmo tempo, proporcionar atualização e capacitação continuadas continua sendo um problema sem solução definitiva.

Outro problema prático cuja solução pode ser aprimorada por intermédio do concurso unificado é a grande mobilidade em determinadas carreiras, com instabilidade na recomposição do quadro de pessoal em algumas instituições e em alguns locais. Carreiras menos atrativas (sobretudo, em razão da menor retribuição pecuniária) geralmente são objeto de maior rotatividade: candidatos com maior preparo costumam buscar outra posição pública, desfalcando aquela inicial em determinado momento. Os problemas de lotação (relativos ao local da prestação de serviços) também são frequentes, sobretudo em órgãos federais: candidatos que passam a trabalhar longe de sua cidade de origem comumente – e naturalmente – buscam formas de retornar para ‘casa’, seja por meio de movimentação na carreira, seja por meio de aprovação em outros concursos. Esses problemas demandam uma compreensão de carreira que não se limite ao ingresso (no caso, o procedimento do concurso público). Com efeito, há necessidade da criação de mecanismos que estimulem (e mesmo exijam) a permanência em locais de difícil lotação, ao mesmo tempo em que prevejam a atualização contínua da força de trabalho necessário e aquela disponível. A gestão dos diversos cadastros de reserva em um cenário que permite indicação de uma ordem de preferência de cargos será desafiadora. Entretanto, trata-se de ação possível por centrada em uma esfera federativa – União –, quando regulada por regras detalhadas que não se restrinjam ao edital.

À guisa de conclusão, podemos imaginar experimentos semelhantes em estados e municípios. Nos municípios, notadamente naqueles de pequeno porte, seria possível pensar até mesmo na organização conjunta de um só concurso abrangendo municípios variados, permitindo racionalização dos custos, otimização da execução e mesmo um maior número de inscritos. Por fim, a despeito da novidade que merece atenção e elogios, é importante assentar que o concurso público é somente o marco inicial da vida funcional: para que possamos falar em verdadeira gestão de pessoal, é preciso que o concurso esteja conectado ao estágio probatório, à capacitação continuada e à avaliação permanente de desempenho.

O inventário de problemas chega a ser desanimador, e a má notícia é que existem outros tantos que frequentemente se renovam. Entretanto, a iniciativa merece atenção em razão de sua potencialidade para produzir resultados positivos.

Inicialmente, a racionalização e convergência do esforço de órgãos e entidades variados é importante. A realização de certames diferentes para cargos assemelhados – na administração federal – poderia trazer não somente mais gastos como também menos racionalidade para objetivar a seleção, com a utilização de parâmetros distintos para cargos que necessitam de competências e habilidades assemelhadas. A possibilidade de escolha de vários cargos em ordem de prioridade, dentro do mesmo bloco temático, também contribui para a racionalidade do processo de ingresso. Aliás, a seleção com base em competências – e não somente em conhecimentos – é um desafio ainda em aberto, cuja dificuldade ganha envergadura em um cenário que demanda descrição de atributos em lei, que devem ter relativa estabilidade. Como descrever competências na lei de forma a não engessar o perfil dos servidores e, ao mesmo tempo, proporcionar atualização e capacitação continuadas continua sendo um problema sem solução definitiva.

Outro problema prático cuja solução pode ser aprimorada por intermédio do concurso unificado é a grande mobilidade em determinadas carreiras, com instabilidade na recomposição do quadro de pessoal em algumas instituições e em alguns locais. Carreiras menos atrativas (sobretudo, em razão da menor retribuição pecuniária) geralmente são objeto de maior rotatividade: candidatos com maior preparo costumam buscar outra posição pública, desfalcando aquela inicial em determinado momento. Os problemas de lotação (relativos ao local da prestação de serviços) também são frequentes, sobretudo em órgãos federais: candidatos que passam a trabalhar longe de sua cidade de origem comumente – e naturalmente – buscam formas de retornar para ‘casa’, seja por meio de movimentação na carreira, seja por meio de aprovação em outros concursos. Esses problemas demandam uma compreensão de carreira que não se limite ao ingresso (no caso, o procedimento do concurso público). Com efeito, há necessidade da criação de mecanismos que estimulem (e mesmo exijam) a permanência em locais de difícil lotação, ao mesmo tempo em que prevejam a atualização contínua da força de trabalho necessário e aquela disponível. A gestão dos diversos cadastros de reserva em um cenário que permite indicação de uma ordem de preferência de cargos será desafiadora. Entretanto, trata-se de ação possível por centrada em uma esfera federativa – União –, quando regulada por regras detalhadas que não se restrinjam ao edital.

À guisa de conclusão, podemos imaginar experimentos semelhantes em estados e municípios. Nos municípios, notadamente naqueles de pequeno porte, seria possível pensar até mesmo na organização conjunta de um só concurso abrangendo municípios variados, permitindo racionalização dos custos, otimização da execução e mesmo um maior número de inscritos. Por fim, a despeito da novidade que merece atenção e elogios, é importante assentar que o concurso público é somente o marco inicial da vida funcional: para que possamos falar em verdadeira gestão de pessoal, é preciso que o concurso esteja conectado ao estágio probatório, à capacitação continuada e à avaliação permanente de desempenho.

O inventário de problemas chega a ser desanimador, e a má notícia é que existem outros tantos que frequentemente se renovam. Entretanto, a iniciativa merece atenção em razão de sua potencialidade para produzir resultados positivos.

Inicialmente, a racionalização e convergência do esforço de órgãos e entidades variados é importante. A realização de certames diferentes para cargos assemelhados – na administração federal – poderia trazer não somente mais gastos como também menos racionalidade para objetivar a seleção, com a utilização de parâmetros distintos para cargos que necessitam de competências e habilidades assemelhadas. A possibilidade de escolha de vários cargos em ordem de prioridade, dentro do mesmo bloco temático, também contribui para a racionalidade do processo de ingresso. Aliás, a seleção com base em competências – e não somente em conhecimentos – é um desafio ainda em aberto, cuja dificuldade ganha envergadura em um cenário que demanda descrição de atributos em lei, que devem ter relativa estabilidade. Como descrever competências na lei de forma a não engessar o perfil dos servidores e, ao mesmo tempo, proporcionar atualização e capacitação continuadas continua sendo um problema sem solução definitiva.

Outro problema prático cuja solução pode ser aprimorada por intermédio do concurso unificado é a grande mobilidade em determinadas carreiras, com instabilidade na recomposição do quadro de pessoal em algumas instituições e em alguns locais. Carreiras menos atrativas (sobretudo, em razão da menor retribuição pecuniária) geralmente são objeto de maior rotatividade: candidatos com maior preparo costumam buscar outra posição pública, desfalcando aquela inicial em determinado momento. Os problemas de lotação (relativos ao local da prestação de serviços) também são frequentes, sobretudo em órgãos federais: candidatos que passam a trabalhar longe de sua cidade de origem comumente – e naturalmente – buscam formas de retornar para ‘casa’, seja por meio de movimentação na carreira, seja por meio de aprovação em outros concursos. Esses problemas demandam uma compreensão de carreira que não se limite ao ingresso (no caso, o procedimento do concurso público). Com efeito, há necessidade da criação de mecanismos que estimulem (e mesmo exijam) a permanência em locais de difícil lotação, ao mesmo tempo em que prevejam a atualização contínua da força de trabalho necessário e aquela disponível. A gestão dos diversos cadastros de reserva em um cenário que permite indicação de uma ordem de preferência de cargos será desafiadora. Entretanto, trata-se de ação possível por centrada em uma esfera federativa – União –, quando regulada por regras detalhadas que não se restrinjam ao edital.

À guisa de conclusão, podemos imaginar experimentos semelhantes em estados e municípios. Nos municípios, notadamente naqueles de pequeno porte, seria possível pensar até mesmo na organização conjunta de um só concurso abrangendo municípios variados, permitindo racionalização dos custos, otimização da execução e mesmo um maior número de inscritos. Por fim, a despeito da novidade que merece atenção e elogios, é importante assentar que o concurso público é somente o marco inicial da vida funcional: para que possamos falar em verdadeira gestão de pessoal, é preciso que o concurso esteja conectado ao estágio probatório, à capacitação continuada e à avaliação permanente de desempenho.

Fonte: Consultor Jurídico

Impossibilidade de cobrança de dívida prescrita? Que tiro foi esse?

No finalzinho de 2023 (17/10/2023), o Superior Tribunal de Justiça julgou o Recurso Especial nº 2.088.100/SP, firmando precedente no sentido de que o reconhecimento da prescrição impede tanto a cobrança judicial quanto extrajudicial da dívida. Sob a relatoria da ministra Nancy Andrighi, a 3ª Turma entendeu, à unanimidade, que o método ou meio empregado na cobrança (judicial ou extrajudicial) é irrelevante, uma vez que a pretensão de ver a dívida paga é praticamente tornada ineficaz pela prescrição.

Votando com a relatora, o ministro Marco Aurélio Bellizze destacou que havia julgado de sua relatoria (AgInt nos EDcl no AREsp nº 2.334.029/SP) baseado no AgInt no AREsp nº 1.529.662/SP, também da 3ª Turma, que se amparou equivocadamente no REsp nº 1.694.322/SP, no qual se definiu questão diversa, qual seja, a de que a prescrição não enseja a inexistência da dívida ou a quitação do débito.

Assim, valendo-se majoritariamente de doutrina estrangeira (direito comparado), para respaldar o resultado do julgado, a relatora concluiu que:

“Em que pese a conclusão alcançada, não se desconhece que o crédito (direito subjetivo) persiste após a prescrição; contudo, a sua subsistência não é suficiente, por si só, para permitir a cobrança extrajudicial do débito, uma vez que a sua exigibilidade, representada pela dinamicidade da pretensão, foi paralisada/encoberta. Por outro lado, nada impede que o devedor, impelido, por exemplo, por questão moral, em ato de mera liberalidade, satisfaça a dívida prescrita. Tampouco há qualquer impedimento a que o devedor, voluntariamente, impelido pelos valores mais diversos, renuncie à prescrição e pague a dívida.

(…)

Em breve síntese, entende-se que o reconhecimento da prescrição da pretensão impede tanto a cobrança judicial quanto a cobrança extrajudicial do débito.”

Em que pese o brilhantismo do voto condutor do acórdão (que é peculiar aos julgados de relatoria da ministra Nancy), esse entendimento parece contrariar a doutrina nacional majoritária, bem como a jurisprudência pacificada no âmbito da própria corte.

Nesse sentido, “é a ideia de Beviláqua, Espínola, Carpenter, Câmara Leal, Carvalho Santos (cf. GOMES, Orlando, ob. cit., p. 518). Também Silvio Rodrigues: ‘O que perece, portanto, através da prescrição extintiva, não é o direito. Este pode, como ensina Beviláqua, permanecer por longo tempo inativo, sem perder a sua eficácia. O que se extingue é a ação que o defende’ (Direito Civil — Parte Geral, 28. ed., v. I, São Paulo: Saraiva, 2007, p. 318)”.[1]

Ora, se o direito (crédito) não perece e não perde a sua eficácia, isto é, se permanece existente no mundo dos fatos, não pode ser aniquilado com o reconhecimento da prescrição do direito de ação (direito constitucional e processual civil), especialmente se existir (como existem) outros mecanismos jurídicos que não se apequenam diante desses dois ramos do direito, tais como os costumes e os princípios gerais.

Anderson Schreiber alerta que:

“Atualmente, há certo consenso de que a interpretação jurídica não se limita à análise servil da lei, nem se subordina exclusivamente à produção estatal, nem tampouco pode se centrar em concepções pessoais de justiça ou desconsiderar o dado normativo como emanação de uma sociedade democrática e pluralista. Deve o intérprete escapar ao dogmatismo formalista, mas também ao dogmatismo sociológico. Seu desafio cotidiano consiste em extrair das normas jurídicas o seu sentido e alcance à luz do próprio ordenamento, visto não apenas em sua literalidade, mas também em seu conjunto, em sua história e em seus fins, assim entendidos os valores a cuja concretização se propõe a ordem jurídica por meio de sua norma fundamental, a Constituição da República, compreendida com base na permanente dialética com a realidade social.

Alude-se a uma interpretação jurídica aplicativa, voltada não para um projeto explícito de reforço ou contestação da autoridade legislativa estatal, mas para a máxima concretização dos valores constitucionais em cada caso concreto“[2]

De acordo com os costumes, normalmente quem deve paga. Ademais, pagar o que deve é apenas consequência lógica e consagração dos princípios gerais do ordenamento jurídico: suum cuique tribuere (dar a cada um o que é seu), honeste vivere (viver honestamente) e neminem laedere (não causar dano a ninguém). Ademais, a ninguém é dado beneficiar-se de sua própria torpeza (venire contra factum proprio).

Não faz sentido afirmar que um direito existe, mas não pode ser perseguido extrajudicialmente. É como estar com fome, ter um pão, mas não poder comê-lo, porque passou do horário. Se há fome e há pão, o horário é de menos!

A pretensão é algo volitivo, de natureza pessoal, que transcende o processo judicial e seus institutos como a prescrição. Quem pretende receber algo (porque sente que lhe é devido) não pode ser proibido de exercer a faculdade de cobrá-la, por todos os meios admitidos no ordenamento jurídico. Na lição de Pontes de Miranda, pretensão é “a posição subjetiva de poder exigir de outrem alguma prestação positiva ou negativa” [3], e isso (entendemos), independe da via pela qual se perseguirá o direito material, se judicial ou extrajudicial.

É nesse sentido que ao contrário do que consignou o precedente em discussão, entendemos que a pretensão vista como vontade pessoal, se submete ao princípio da indiferença das vias, mas sob outro viés: pode ser exercida tanto judicial, quanto extrajudicialmente.

Nada obstante, infere-se que a chamada teoria da pretensão [4] (utilizada no julgado) foi adotada pelo Código Civil de 2002, em seu artigo 189, assim redigido “violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os artigos 205 e 206″.

Com a devida venia, entendemos que esse dispositivo legal deve ser interpretado à luz do artigo 5º da LINDB, segundo o qual “na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”, de sorte que a prescrição não fulminará o direito de o credor perseguir o seu crédito por outras vias admitidas no ordenamento jurídico.

Não se pode desvirtuar o princípio da indiferença das vias, para se sustentar que “pouco importa a via ou instrumento utilizado para a realização da cobrança, porquanto a pretensão — que é o instituto de direito material que confere ao credor esse poder — encontra-se praticamente inutilizada pela prescrição. O fenômeno ocorreu no plano do direito material”, pois, a sua finalidade é exatamente o contrário.

Nesse sentido:

“Se o comprador deixa de pagar o que deve ao vendedor, a este deve ser concedido o direito de buscar o adimplemento. Em outras palavras, quando a norma de direito material prescreve determinada obrigação e esta é descumprida, é fundamental que o Estado proporcione ao jurisdicionado meios para resguardar o seu direito. Se não fosse assim, as normas materiais teriam nenhuma utilidade”.[5]

Em outras palavras, se a prescrição não resulta na inexistência da dívida ou no pagamento da obrigação, é necessário admitir que tais direitos podem ser reivindicados por meios distintos do processo judicial (observado o princípio da adequabilidade dos meios), sob pena de se violar o dever de lealdade, honestidade, boa-fé, cooperação e respeito às legítimas expectativas de quem teve o seu patrimônio reduzido, na esperança de receber uma contraprestação.

Assim, pode até não haver mais espaço para a tutela jurisdicional (que não se confunde com prestação jurisdicional, que é o direito de ação), mas a relação jurídica fática entre dívida e pagamento permanecem incólumes, de sorte que se houver cobrança extrajudicial adequada, não caberá ao Poder Judiciário declará-la inviável. Nesse sentido, “inviável a declaração de inexistência de uma relação jurídica em razão da ocorrência da prescrição, que extingue apenas a pretensão, mas não o próprio direito violado, que permanece hígido” (AgInt no AREsp nº 2.279.848/PE, relator ministro Raul Araújo, 4ª Turma, DJe de 23/6/2023).

Dessa forma, a pretensão de receber o crédito permanece hígida até que o credor abra mão dela, o que não terá mais espaço é a coercitividade alcançada pela via do Poder Judiciário [6].

Entender de forma contrária seria ressuscitar a já superada teoria imanentista do direito romano, no sentido de que a ação judicial nada mais é do que o próprio direito lesado (embora se afirme o contrário no voto, mas na prática acaba sendo isso). Para essa teoria, “não se visualizava a nítida distinção entre o direito de ação em si (de pedir do Estado o provimento jurisdicional) e o próprio direito material violado” [7].

Ao fundamentar-se em doutrina majoritariamente estrangeira para afastar a possibilidade de cobrança extrajudicial de dívidas prescritas, a decisão do STJ suscita questionamentos sobre a adequação dessa abordagem à realidade cultural brasileira, que infelizmente vai na contramão da expectativa de que o devedor se valerá de seus valores morais para, por mera liberalidade, pagar o que deve. A cultura brasileira apresenta nuances específicas no que diz respeito ao cumprimento de obrigações financeiras. A tolerância social ao inadimplemento e a busca por brechas para não quitar a dívida são elementos que distinguem a abordagem brasileira em relação a outros sistemas jurídicos.

A crença de que o devedor pagará a dívida prescrita com base em seus “valores morais” é ingênua, especialmente se esses valores não foram acionados quando a dívida não estava prescrita. A imoralidade do ato de dever e não pagar não pode ser prestigiada apenas pela inatividade do credor em buscar o crédito.

Ao se proibir a cobrança extrajudicial de dívidas prescritas, é importante considerar as implicações dessa decisão sob a perspectiva do conceito aristotélico de justiça. Tal vedação também pode ser interpretada como uma quebra da boa-fé contratual, uma vez que a prescrição não exonera o devedor de seu dever ético e moral de honrar seus compromissos.

A busca pela equidade, proporcionalidade e correção de desigualdades deve ser um pilar fundamental na interpretação das normas jurídicas, para que a justiça seja efetivamente realizada em conformidade com os princípios éticos e morais que orientam nossa sociedade, conforme os princípios gerais de direito acima citados.

A prescrição é um instituto jurídico, e como tal, não pode ser utilizado para malferir o espírito do próprio ordenamento. É dizer: se por um lado a prescrição beneficia o devedor, por outro não pode sacrificar o direito do credor. Ao equilibrar o dever de pagar e o direito de receber na balança justa e imparcial de Themis, é evidente que o direito de receber prevalecerá, pois reflete a justiça que lhe é inerente.

No ordenamento jurídico contemporâneo, não há espaço para a existência de um direito desprovido de alguma via que lhe permita ser concretizado. Os direitos, por si só, não são eficazes se não houver meio para assegurar sua realização.

Se a impossibilidade de exercer o direito de ação não resulta na extinção do direito material, isso significa que esse direito permanece válido e pode ser buscado por outros meios legalmente aceitos. Caso contrário, desconsiderar essa premissa seria anular sua essência.

Em outras palavras, se a mera existência da dívida não é o bastante para permitir sua cobrança fora do ambiente judicial, na prática, isso equivaleria a afirmar que o crédito, de fato, sequer existe. Todavia, pensamos que o enfoque deve estar no direito em si, e não na forma como ele será buscado após transcorrida a prescrição, especialmente se essa forma não violar o ordenamento jurídico.

Dessa forma, a cobrança extrajudicial de dívida prescrita deve ser considerada válida, uma vez que não visa a efetivar pretensão judicial, mas sim a buscar o adimplemento de uma obrigação que inquestionavelmente existe.


[1] STOLZE, Pablo; Pamplona Filho, Rodolfo. Manual de direito civil – volume único – 4. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2020, p. 2.592 (e-book).

[2] SCHREIBER, Anderson Manual de direito civil: contemporâneo – 3. ed. –São Paulo: Saraiva Educação, 2020. p. 110.

[3] MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado, Rio de Janeiro: Borsoi, 1955, v. V, p. 451.

[4] Anderson Schreiber, op. cit. pp.  421-422 ensina que “Se, por um lado, há consenso em que a prescrição extingue, não há unanimidade sobre o que ela extingue. Há três correntes doutrinárias sobre essa temática no Brasil. Para a primeira corrente, a prescrição extingue o próprio direito em si. Foi a posição adotada, entre nós, por Eduardo Espínola, em seu célebre Sistema de Direito Civil Brasileiro, e corresponde à orientação mais tradicional no direito pátrio. Para a segunda corrente, a prescrição extingue apenas a ação, e não o direito em si, que ainda pode ser atendido espontaneamente pelo titular do dever jurídico correspondente. De fato, quem efetua o pagamento de uma dívida já prescrita não pode exigir restituição do que pagou, conforme expressamente registra o art. 882 do Código Civil brasileiro. Disso se extrai que o direito continua ‘vivo’. Houvesse sido extinto o direito de crédito, o pagamento da dívida prescrita geraria uma transferência patrimonial desprovida de causa, em outras palavras, um enriquecimento sem causa, que autorizaria quem pagou a exigir restituição. Daí se conclui que a prescrição não fulmina o direito. Fulminaria, então, para essa segunda corrente, a ação. Ficaria o sujeito com ‘um direito desprovido de ação’. Foi a posição adotada por Clóvis Beviláqua, autor do projeto do Código Civil de 1916, e por Câmara Leal, que dedicou volume importantíssimo ao estudo da prescrição e da decadência. Os adeptos da terceira e última corrente sustentam que a prescrição não atinge nem o direito material, que ainda pode ser atendido espontaneamente, nem o direito de ação, que, autônomo e abstrato, se exerce, de acordo com a processualística contemporânea, em face do Estado, com vistas à obtenção de um provimento jurisdicional que independe do direito em si. O que a prescrição atinge, portanto, é a pretensão de direito material, a Anspruch do direito alemão, que consiste na exigibilidade, judicial ou não, daquele direito. Como sustenta Fábio Konder Comparato, a razão do êxito do direito alemão na interpretação do instituto da prescrição reside no fato de que a doutrina, desde o período da pandectística, soube decompor as facultas agendi do sujeito de direito de forma clara e exata (…). O direito subjetivo, categoria bruta que transcende o campo do direito das obrigações, decompõe-se, na verdade, em dois elementos que exigem visualização: um direito estático à prestação e um direito de exigir essa mesma prestação (…). Esse direito de exigir, facultas exigendi é, sem dúvida, projeção do direito à prestação, mas com ele não se confunde (…) é o que a doutrina germânica denominou pretensão, conceito forjado por Windscheid, em meados do século XIX em obra famosa sobre a actio romana. A pretensão não se confunde com o direito de ação: é noção de direito material e somente existe no direito subjetivo, que atribui ao seu titular o direito a uma prestação”.

Fonte: Consultor Jurídico

Redução de juros de mora por quitação antecipada de débito atinge dívida original

​Nos casos de quitação antecipada, parcial ou total, de débitos fiscais parcelados, a aplicação da redução dos juros moratórios deve acontecer após a consolidação da dívida, sobre o valor original.

A tese foi fixada pela 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, sob o rito dos recursos especiais repetitivos (Tema 1.187). Agora, poderão voltar a tramitar todos os processos que estavam suspensos à espera do julgamento do repetitivo. O precedente qualificado deverá ser observado pelos tribunais de todo país na análise de casos semelhantes.

“Nos casos de quitação antecipada, parcial ou total, dos débitos fiscais objeto de parcelamento, conforme previsão do artigo 1º da Lei 11.941/2009, o momento de aplicação da redução dos juros moratórios deve ocorrer após a  consolidação da dívida, sobre o próprio montante devido originalmente a  esse título, não existindo amparo legal para que a exclusão de 100% da multa de mora e de ofício implique exclusão proporcional dos juros de mora, sem que a lei assim o tenha definido de modo expresso”, propôs o relator, ministro Herman Benjamin.

O magistrado ressaltou que, no julgamento do EREsp 1.404.931, a 1ª Seção consolidou o entendimento de que a Lei 11.941/2009 concedeu remissão apenas nos casos expressamente especificados pela própria lei.

Segundo o relator, no mesmo julgamento, ficou estabelecido que, no contexto de remissão, a Lei 11.941/2009 não apresenta qualquer indicação que permita concluir que a redução de 100% das multas de mora e de ofício — conforme previsto no artigo 1º, parágrafo 3º, inciso I, da lei — resulte em uma diminuição superior a 45% dos juros de mora, a fim de alcançar uma remissão integral da rubrica de juros.

O magistrado explicou que essa compreensão deriva do fato de que os programas de parcelamento instituídos por lei são normas às quais o contribuinte adere ou não, segundo seus critérios exclusivos. Mas, ocorrendo a adesão, o contribuinte deve se submeter ao regramento previsto em lei.

“A própria lei tratou das rubricas componentes do crédito tributário de forma separada, instituindo para cada uma um percentual específico de remissão, de forma que não é possível recalcular os juros de mora sobre uma rubrica já remitida de multa de mora ou de ofício, sob pena de se tornar inócua a redução específica para os juros de mora”, afirmou.

Herman Benjamin também ressaltou que a questão a respeito da identificação da base de cálculo sobre a qual incide o desconto de 45% já foi analisada pela 1ª Seção no Tema Repetitivo 485 do STJ, oportunidade em que se esclareceu que a totalidade do crédito tributário é composta pela soma das seguintes rubricas: crédito original, multa de mora, juros de mora e, após a inscrição em dívida ativa da União, encargos do Decreto-Lei 1.025/1969.

Dessa forma, para o relator, é possível concluir que a diminuição dos juros de mora em 45% deve ser aplicada após a consolidação da dívida, sobre o próprio montante devido originalmente a esse título, não existindo amparo legal para que a exclusão de 100% da multa de mora e de ofício implique exclusão proporcional dos juros de mora, sem que a lei assim o tenha definido de modo expresso.

“Entendimento em sentido contrário, além de ampliar o sentido da norma restritiva, esbarra na tese fixada no recurso repetitivo, instaurando, em consequência, indesejável insegurança jurídica no meio social”, declarou. Com informações da assessoria de imprensa do Superior Tribunal de Justiça.

Fonte: Consultor Jurídico