Suprema Corte dos EUA rejeita ardil das fabricantes de armas

A Suprema Corte dos Estados Unidos rejeitou, pela segunda vez em menos de três meses, uma tentativa ardilosa de vender armas no país sem ter de cumprir restrições impostas por lei federal a fabricantes e distribuidoras: a de oferecer pela internet conjuntos (ou kits) de peças para compradores montarem facilmente as armas em casa — as chamadas armas fantasmas (ghost guns).

Fabricantes de armas tentam driblar
a lei para vencer armas livremente
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No ano passado, o Birô de Álcool, Tabaco, Armas de Fogo e Explosivos (ATF — Alcohol, Tobacco, Firearms and Explosives) divulgou regras para a aquisição de armas fantasmas. Basicamente, as fabricantes e distribuidoras dessas armas têm de obedecer às mesmas regras impostas para a comercialização de armas normais, tais como ter número de série, registro e a obrigação de o comprador obter um atestado de bons antecedentes.

Sem número de série impresso na estrutura ou no receptor da arma, fica difícil para os órgãos de segurança rastreá-la em investigações de crimes. Sem atestado de bons antecedentes (background check), pessoas que não poderiam adquirir uma arma, como criminosos condenados ou acusados de violência doméstica, poderão fazê-lo sem dificuldades.

Fabricantes e distribuidoras que oferecem armas fantasmas na internet resolveram contestar essas regras na Justiça. Para isso, moveram uma ação no Tribunal Federal da Região Norte, situado em Amarillo, Texas, que foi distribuída ao juiz federal Reed O’Connor.

Esse é um dos dois tribunais de preferência dos conservadores-republicanos para mover ações politicamente motivadas, com a certeza de uma decisão favorável dos juízes Reed O’Connor e Matthew Kacsmaryk, dentro do esquema de judge-shopping dos EUA. Ambos foram nomeados pelo ex-presidente Donald Trump. O outro é o da Região Sul do Texas, onde atua o juiz Drew Tipton, nomeado pelo ex-presidente George Bush.

Como era de se esperar, O’Connor decidiu a favor das fabricantes das armas fantasmas, em junho deste ano. Ele argumentou que os kits são isentos das leis federais que exigem atestado de bons antecedentes e número de série porque “partes de armas não são armas”. E completou: “Portanto, o kit não pode ser classificado como uma arma. Só as armas de fogo completas podem”.

Da mesma forma, o juiz entendeu que receptores de armas quase completos, vendidos nos kits das armas, são isentos porque “o que pode se tornar ou pode ser convertido em um receptor funcional não é, em si, um receptor”.

Em agosto, a Suprema Corte rejeitou, por 5 votos a 4, a decisão de O’Connor. Em vez disso, concordou com o argumento do Departamento da Justiça, que argumentou que as estruturas e os receptores de armas fantasmas são facilmente acabados: “Em alguns casos, para construir uma arma funcional basta fazer uma única perfuração na estrutura do kit; em outros, basta lixar um pequeno trilho de plástico”.

Assim, a Suprema Corte declarou que fabricantes e comerciantes de armas não podem se evadir da lei federal dessa forma ardilosa. “As leis se aplicam a qualquer arma que foi projetada para ser facilmente convertida para expelir um projétil pela ação de um explosivo. Isso se aplica à estrutura e ao receptor de armas montadas a partir de um kit de peças.”

Poder excessivo
Porém, o ministro Neil Gorsuch mencionou, em voto dissidente, que alguns membros da Suprema Corte, incluindo ele próprio, preocupam-se com o poder excessivo de juízes singulares de tribunais federais, que tomam decisões que estabelecem políticas para todo o país. No caso da decisão de O’Connor, por exemplo, todas as fabricantes e distribuidoras de armas fantasmas do país ficariam isentas das exigências da lei federal.

“Um juiz federal deve pensar duas vezes e, talvez, mais duas vezes antes de tomar uma decisão de tão ampla repercussão”, ele escreveu.

A pedido das empresas, O’Connor concordou que essa ressalva abria uma brecha para emitir uma nova decisão sobre as armas fantasmas. Em setembro, o juiz decidiu que apenas as duas companhias que eram partes da ação ficariam isentas das exigências da lei federal. As demais seriam obrigadas a cumprir a lei se quisessem vender armas fantasmas.

De qualquer forma, essa é uma decisão que teoricamente teria um escopo limitado, mas que, na prática, tem efeito em todo o país, uma vez que as duas empresas vendem os kits de armas fantasmas pela internet e qualquer um, em qualquer estado, pode encomendá-los.

De volta à Suprema Corte, os ministros suspenderam, em uma ordem de apenas um parágrafo, e outra vez por 5 votos a 4, os efeitos das decisões de O’Connor temporariamente — ou até que o Tribunal Federal da 5ª Região volte a julgar a questão, agora de acordo com as orientações da Suprema Corte.

O Tribunal da 5ª Região, o mais conservador-republicano do país e que tem um histórico de decisões a favor de causas republicanas, havia concordado com a primeira decisão de O’Connor. Não será surpresa se a disputa chegar à Suprema Corte pela terceira vez.

Os votos a favor do governo foram das três ministras liberais — Sonia Sotomayor, Elena Kagan e Ketanji Brown Jackson — e dos ministros conservadores John Roberts (presidente da corte) e Amy Coney Barrett. Votaram a favor das fabricantes os ministros conservadores Clarence Thomas, Samuel Alito, Neil Gorsuch e Brett Kavanaugh.

O caso é Garland v. Blackhawk Manufacturing Group.

Com informações adicionais de Vox, SCOTUS blog, Courthouse News, Sportskeeda, Pasadena Now e Spectrum News.

Fonte: Conjur

STJ anula acórdão que reproduzir fundamentação do juízo de piso

Nos tribunais superiores, não existe impedimento para que o julgador, ao proferir a sua decisão, acolha os argumentos expostos na sentença do juízo de piso. Contudo, a mera transcrição de argumentação para justificar acórdãos viola o artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal, que estabelece que todas as decisões do Poder Judiciário devem ser fundamentadas, sob pena de nulidade.

Ministro Antonio Saldanha Palheiro verificou nulidade em acórdão do TJ-SP
Rafael Luz/STJ

Esse foi o entendimento utilizado pelo ministro Antonio Saldanha Palheiro, do Superior Tribunal de Justiça, para dar provimento a um Habeas Corpus que pedia a nulidade de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP).

No recurso, o autor — que foi condenado a cinco anos de prisão por tráfico de drogas e a três anos por posse ilegal de arma de fogo — sustentou que o acórdão do TJ-SP se limitou a transcrever a decisão de primeiro grau, sem qualquer acréscimo.

Ao decidir, o ministro apontou que a defesa tinha razão, já que o acórdão não apresentou fundamentação adequada. “Verifica-se, assim, a completa falta de fundamentação do acórdão, uma vez que o voto condutor não teceu nenhuma consideração autônoma acerca das questões levantadas em tema preliminar”, registrou o relator.

O ministro esclareceu que a anulação do acórdão não significa o deferimento do pedido de liberdade do réu, apenas que o tribunal de origem deve prolatar um outro acórdão, desta vez com a fundamentação adequada.

O réu foi representado pelo advogado Guilherme Gibertoni Anselmo.

Clique aqui para ler a decisão
HC 838.728

Fonte: Conjur

TSE discute critérios para permitir lives eleitorais em prédio público

Depois de afastar a condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) por fazer lives eleitorais no Palácio da Alvorada, residência oficial da presidência da República, o Tribunal Superior Eleitoral vai se debruçar sobre a definição de critérios para que essas transmissões sejam feitas.

Residência da Presidência, Palácio da Alvorada foi palco de lives bolsonaristas
Wikimedia Commons

O colegiado se reúne na próxima quinta-feira (18/10) com expectativa de fixar uma tese para orientar os chefes do Poder Executivo municipal, estadual ou federal que, na tentativa de reeleição, recorram às transmissões pela internet para angariar apoiadores e votos.

O objetivo é evitar que tais prédios públicos, que carregam consigo uma simbologia elevada que apenas o candidato à reeleição tem acesso, sejam usados para desequilibrar a corrida eleitoral, conforme explicou o relator das ações, ministro Benedito Gonçalves.

Na análise do TSE, Bolsonaro praticou esse ato ilícito. Foi assim na transmissão de live com pedidos de votos para si e aliados na biblioteca do Palácio da Alvorada, em 21 de agosto de 2022. Faltou, no entanto, prova da gravidade para justificar sua condenação.

Para balizar o tema, o ministro Benedito sugeriu a fixação da seguinte tese:

É licito a pessoa ocupante de cargos de prefeito, governador e presidente da Repúbica fazer uso de cômodo da residência oficial par realização de transmissão de live eleitoral, desde que:

a) Se trate de ambiente neutro desprovido de símbolos, insígnias, objetos, decoração ou outros elementos associados ao poder publico ou ao cargo ocupado;

b) A participação seja restrita à pessoa detentora do cargo;

c) O conteúdo divulgado se refira exclusivamente à sua candidatura;

d) Não sejam empregados recursos e serviços públicos;

e) Haja devido registro na prestação de contas de todo gastos efetuados e das doações estimadas relativas à live eleitoral.

A tese não foi firmada na noite de terça-feira (17/10) por sugestão do presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, depois de ver vários dos integrantes da Corte sugerirem pequenas alterações. Elas serão costuradas e apresentadas na quinta-feira.

Segundo o relator, é necessário aperfeiçoar a interpretação do artigo 73, parágrafo 2º da Lei das Eleições. A norma que veda o uso de bens públicos em benefício de candidato, exceto se para contatos, encontros e reuniões pertinentes à própria campanha, desde que sem caráter de ato público.

O objetivo é resguardar a dimensão simbólica desses bens imateriais nos quais se apoia a impessoalidade das instituições públicas e evitar a apropriação pelo candidato à reeleição. “É possível avançar com alguma tolerância ao uso da residência oficial”, apontou o ministro.

Os casos de Bolsonaro julgados exemplificam essa possibilidade. Em um deles não houve conduta vedada porque a live foi feita em frente a uma parede branca, com o candidato sentado em mesa preta. Já no outro, o ilícito consistiu em transmissão feita na biblioteca do Alvorada.

Aije 0600828-69.2022.6.00.0000
Aije 0601212-32.2022.6.00.0000
Aije 0601665-27.2022.6.00.0000

Fonte: Conjur

Os precedentes de subcapitalização do Carf

Nesta semana trataremos dos precedentes do Carf acerca da dedutibilidade das despesas com juros pagos a pessoas jurídicas relacionadas e localizadas no exterior nos períodos anteriores e posteriores à edição da Lei nº 12.249/10, que instituiu as regras de subcapitalização no ordenamento jurídico brasileiro.

Em 1987, a OCDE publicou o relatório “Thin Capitalisation — Taxation of Entertainers, Artistes, and Sportsmen”, no qual foi trazida de forma pioneira a questão do excesso de endividamento de uma pessoa jurídica e a consequente não dedução das despesas de juros excessivas.

As normas específicas sobre subcapitalização somente surgem no Brasil com a edição da Medida Provisória nº 472/09, que trata especificamente de tal matéria nos seus artigos 24 e 25 e que foi convertida na Lei nº 12.249/10.

Consta expressamente na exposição de motivos que seus artigos 24 e 25 têm por objetivo “evitar a erosão da base de cálculo do IRPJ e da CSLL mediante o endividamento abusivo realizado da seguinte forma: a pessoa jurídica domiciliada no exterior, ao constituir subsidiária no País, efetua uma capitalização de valor irrisório, substituindo o capital social necessário à sua constituição e atuação por um empréstimo, que gera, artificialmente, juros que reduzem os resultados da subsidiária brasileira”.

Diz ainda a exposição de motivos que: “a medida torna os juros considerados excessivos indedutíveis, segundo critérios e parâmetros legais”. “O objetivo é controlar o endividamento abusivo junto a pessoa vinculada no exterior, efetuado exclusivamente para fins fiscais.”

A partir da leitura dos referidos dispositivos legais, nota-se que o artigo 24 da Lei n. 12.249/10 diz respeito à situação de endividamento excessivo de pessoa jurídica brasileira com parte vinculada no exterior, ao passo que o artigo 25 da referida lei se refere ao endividamento excessivo de pessoa jurídica brasileira com pessoa física ou jurídica residente, domiciliada ou constituída no exterior, em país ou dependência com tributação favorecida ou sob regime fiscal privilegiado.

Caso haja um endividamento excessivo, a parcela excedente das despesas financeiras será considerada indedutível para fins de apuração do IRPJ e da CSLL.

Ainda que as regras de subcapitalização tenham somente surgido com a Lei nº 12.249/10, havia atuações relativas à indedutibilidade de juros contratados com partes relacionadas em períodos anteriores com base no artigo 47 da Lei 4.506/64, no sentido de que tais despesas não seriam necessárias.

Feitas as considerações gerais sobre o tema, passaremos à análise dos precedentes do Carf sobre o assunto nos períodos que antecedem a edição da Lei nº 12.249/10.

No Acórdão 101-95.014 (de 15/06/05), decidiu-se, por maioria de votos, pelo provimento ao recurso voluntário, garantindo-se a dedutibilidade das despesas financeiras.

A autoridade fiscal entendia que a despesa financeira relacionada ao empréstimo para aquisição da Kolynos deveria ser considerada como não necessária, uma vez que os recursos financeiros deveriam ter sido aportados como capital social e não como empréstimo, além do que a transferência de imediato dos recursos do empréstimo para empresa no Uruguai demonstraria a desnecessidade dos empréstimos.

Por sua vez, o voto vencedor do referido acórdão se pautou nos seguintes pontos: (i) efetividade do empréstimo; (ii) inexistência de regra jurídica específica para limitação de dedutibilidade em casos de subcapitalização; (iii) possibilidade jurídica de uma empresa nacional contrair empréstimos de sua controladora no exterior; e (iv) haveria a tributação de tais juros pelo imposto de renda na fonte no momento de remessa de tais valores ao beneficiário no exterior.

Dessa forma, entendeu-se que não haveria óbice na legislação brasileira à tomada de empréstimos por empresas relacionadas, de forma que as despesas financeiras relacionadas seriam dedutíveis.

A Procuradoria Geral da Fazenda Nacional interpôs recurso especial contra o referido acórdão, sendo que a decisão foi reformada no âmbito no Acórdão 9101-00.287 (de 24/08/09), pelo qual foi dado provimento ao recurso fazendário pelo voto de qualidade.

Constou no voto vencedor do referido acórdão que ainda que inexistisse à época norma de subcapitalização, havia regra sobre o critério geral de dedutibilidade das despesas, que exige que elas sejam necessárias para sejam dedutíveis.

Nesse sentido, foram entendidas como desnecessárias (e consequentemente indedutíveis) as despesas com juros relativas a empréstimo efetuado por meio de um contrato de mútuo, em que a mutuante era sócia que detinha 99,99% do capital social da mutuária e dispunha de recursos para integralizar o capital. Por mais que houvesse a possibilidade de dedução de juros sobre o capital próprio se os recursos tivessem ingressado por meio de aumento de capital, isso não teria o condão de equalizar os efeitos tributários advindos de uma eventual capitalização.

No Acórdão 1101-001.180 (de 28/08/14), a turma negou provimento ao recurso voluntário de forma unânime, considerando que as despesas financeiras de empréstimo em favor da matriz no exterior seriam indedutíveis na base da CSLL, uma vez que tais despesas teriam sido incorridas por mera liberalidade por serem desnecessárias para a manutenção da fonte produtora.

No Acórdão 1103­001.181 (de 3/3/15), a turma decidiu, por unanimidade, pela dedutibilidade de despesa financeira decorrente de empréstimo da contribuinte com sócia no exterior.

Por mais que a autoridade fiscal tenha manifestado o entendimento de que não ficou comprovada a real necessidade da geração de despesas financeiras, dado que elas não guardavam relação com a atividade da contribuinte e com manutenção da fonte produtora, a turma concluiu pela dedutibilidade tendo em vista que houve o cumprimento dos requisitos do mútuo, tais quais o registro no Banco Central e a adequada contabilização.

No Acórdão 1402-002.780 (de 17/10/17), foi negado provimento ao recurso voluntário por voto de qualidade. Para tanto, as despesas financeiras com partes relacionadas foram consideradas desnecessárias também para a CSLL, com base no artigo 13 da Lei n. 9.249/95, dispositivo no qual há menção da expressão “independentemente do disposto no artigo 47 da Lei 4.506/64”, o que implicaria que o referido artigo 47 também se aplicaria para a CSLL.

Com relação aos acórdãos que se referiam a períodos posteriores à edição da Lei nº 12.249/10, destaque-se que no Acórdão 1402-002.342 (de 05/10/16), a turma negou provimento ao recurso de ofício, de forma unânime, em caso envolvendo a dedutibilidade de despesa financeira incorrida no ano-calendário de 2010.

Assim, prevaleceu o entendimento de que as regras de subcapitalização deveriam obedecer ao princípio da anterioridade sendo aplicáveis tão somente de 2011 em diante considerando que a conversão da Medida Provisória nº 472/09 somente ocorreu em 2010. Além disso, somente houve regulamentação da subcapitalização em 2011 com a edição da Instrução Normativa RFB nº 1.154/11, que não previa a aplicação do seu teor para o ano de 2010, expressamente prevendo que sua vigência se inicia a partir de sua publicação.

No Acórdão 1302-002.011 (de 24/01/17), foi dado provimento, por unanimidade, ao recurso voluntário em caso que a credora do empréstimo no exterior era uma sociedade holding sediada na Dinamarca.

A autuação fiscal se baseava no fato de que a Instrução Normativa RFB nº 1.037/10 estabelecia que seria um regime fiscal privilegiado aquele aplicável às pessoas jurídicas constituídas sob a forma de “holding company” que não exercessem atividade econômica substantiva.

Todavia, a turma firmou convicção de que no caso analisado não haveria comprovação por parte da autuação fiscal de que a sociedade holding não exercia atividade econômica substantiva, constando no voto que cabia ao autuante perquirir se a entidade tinha capacidade operacional e instalações para o exercício da gestão e efetiva tomada de decisões relativas à administração.

No Acórdão 1402-002.443 (de 10/04/17), a turma decidiu dar provimento ao recurso voluntário, por maioria de votos.

Nessa linha, a turma manifestou o entendimento de que as relações de endividamento internacional intragrupo são permitidas, desde que observadas as regras de subcapitalização instituídas pela Lei nº 12.249/10 e pela Instrução Normativa RFB nº 1.154/11.

Ademais, como resposta à premissa da autuação de que os recursos que ingressaram por meio de empréstimos deveriam ter sido internalizados como aumento de capital, a turma ponderou que as despesas com juros dos empréstimos equivaleriam aos valores de juros sobre o capital próprio a serem pagos à sócia investidora, que poderiam ser deduzidos se a contribuinte tivesse optado por aportar o mesmo montante do empréstimo no capital social da companhia.

No Acórdão 1201-003.083 (de 13/8/19), foi dado provimento, por maioria de votos, ao recurso voluntário. No presente caso, o acórdão recorrido da DRJ mencionava que a recorrente utilizou-se de um artifício contábil de registrar como empréstimo recursos que poderiam ter sido capitalizados.

Prevaleceu no Carf o entendimento de que os recursos do empréstimos foram incorporados ao patrimônio e empregados nas atividades da contribuinte, inexistindo comprovação de que haveria desproporção entre o mútuo e o capital social.

Assim, estaria errada a premissa da fiscalização de que houve a simulação de mútuo como forma de dissimular uma integralização de capital, uma vez que a possibilidade de aumento de capital seria uma opção e não uma obrigação.

Constou ainda no voto que não há que se perquirir o motivo do contribuinte ter optado pela forma de mútuo, visto que este é um procedimento usual e que haveria ainda a possibilidade de dedução de juros sobre o capital próprio caso os recursos tivessem ingressado por meio de aumento de capital.

No Acórdão 1301-004.133 (de 15/10/19), a turma deu provimento ao recurso voluntário por maioria de votos.

A autuação fiscal menciona que a opção do recebimento de recurso pela forma de mútuo em detrimento de aumento de capital teria acarretado a dedução indevida a títulos de despesas de juros.

Contudo, prevaleceu o entendimento de que a forma de recebimento de recursos por uma entidade é uma decisão totalmente discricionária dos sócios, não havendo qualquer impedimento legal que obrigue ao aumento de capital da empresa como alternativa à realização de mútuo.

Caberia tão somente à autoridade fiscal observar se os contratos de mútuo com empresa ligada sediada na Holanda atenderam ou não os preceitos da Lei n. 12.249/10, sendo que no caso concreto a fiscalização sequer tangenciou a matéria ainda que a referida lei já estivesse vigente.

No Acórdão 1201-003.203 (de 16/10/19), foi dado provimento ao recurso voluntário por maioria de votos.

Para tanto, foi preponderante o entendimento de que em nenhum momento a autoridade fiscal descaracterizou a existência e a efetividade do empréstimo, assim como não houve fundamentação pela fiscalização de descumprimento das regras de preços de transferência ou de subcapitalização.

Desse modo, a premissa de que a recorrente poderia ter recebido os recursos como aumento de capital ao invés de empréstimos carece de base legal, inexistindo dispositivo legal que autorize a desconsideração de ato jurídico lícito e efetivo, como a operação de empréstimo externo sob a equivocada alegação de que a contribuinte poderia receber recursos como aumento de capital.

No Acórdão 1201-003.320 (de 12/11/19), foi negado provimento ao recurso voluntário por voto de qualidade.

No caso em tela, a atuação fiscal se fundamentou tanto na regra de subcapitalização considerando que o credor era beneficiário de regime fiscal privilegiado, quanto no fato que a despesa não seria necessária.

Nessa linha, a Instrução Normativa RFB nº 1.037/2010 incluiu as “holding companies” holandesas como regime fiscal privilegiado, no entanto, a Instrução Normativa RFB nº 1.045/10 retificou este dispositivo de modo a incluir a ressalva de somente estaria abrangida no regime privilegiado a holding que não exercesse atividade econômica substantiva.

Ainda em 2010 por meio do Ato Declaratório Executivo nº 10/10, foi suspensa a execução do disposto na mencionada Instrução Normativa, sendo que o referido ato declaratório só veio a ser revogado em 2015 pelo Ato Declaratório Executivo nº 03/15.

No voto vencedor, o relator pontuou que a recorrente já sabia em 2011 que a sua credora era “holding company” holandesa e que havia restrição por conta da sua classificação como regime fiscal privilegiado, devendo arcar com as limitações de dedutibilidade de subcapitalização, bem como entendeu que a fiscalização conseguiu comprovar que a credora não tinha atividade econômica substantiva.

No que tange ao Ato Declaratório Executivo nº 10/10, constou no voto vencedor que a classificação como regime fiscal privilegiado permanecia vigente, estando apenas com a sua eficácia suspensa.

Em sentido oposto, houve declaração de voto no qual constou o entendimento de que não seria possível atribuir os efeitos de regime privilegiado até a edição do Ato Declaratório Executivo nº 03/15, sendo que a análise do pedido de revisão da condição de regime fiscal privilegiado somente produziria efeito a partir da data da publicação do ato declaratório que revoga o efeito suspensivo nos termos da Instrução Normativa nº. 1.530/14.

Nos Acórdãos 1402-004.360 e 1402-004.361 (de 21/01/20), foi negado provimento ao recurso voluntário por maioria de votos sob fundamento de que a subcapitalização estaria presente no ordenamento jurídico desde 1964 a partir da regra geral de dedutibilidade da despesa necessária, ainda que não houvesse regras específicas estabelecendo limites objetivos, o que só veio a surgir com a Lei nº 12.249/10, que já seria aplicável ao próprio ano-calendário de 2010.

No Acórdão 1401-006.291 (de 16/11/22), foi dado provimento ao recurso voluntário por maioria de votos.

A autuação fiscal partia da premissa que não se aplicaria o princípio da anterioridade (anual ou nonagesimal) às regras de subcapitalização instituídas pela então Medida Provisória nº 472/09, pois não haveria majoração de tributo, mas tão somente a definição de nova hipótese de incidência. No que tange à falta de regulamentação da referida norma para fins de determinação exata do cálculo do endividamento, constou no Acórdão da DRJ que em casos de dúvidas na aplicação da norma, a recorrente deveria ter formulado consulta sobre os dispositivos da legislação.

Por sua vez, preponderou no Carf o entendimento de que tendo em vista que a Medida Provisória foi convertida em lei em 11/6/10, ela não poderia ser aplicada em 2010. Ademais, a aplicação efetiva das normas de subcapitalização somente poderia ocorrer após a edição da Instrução Normativa RFB nº 1.154/11, visto que até tal regulamentação, os artigos 24 e 25 da Lei nº 12.249/2010 careciam de eficácia técnica.

Diante do exposto, nota-se que com a edição da Lei n. 12.249/10 foram criados limites objetivos à dedutibilidade dos juros, de forma que a maior parte dos acórdãos sobre o tema se refere aos primeiros períodos de aplicação da referida norma, mas ainda discute-se também a questão mais subjetiva sobre a necessidade da despesa financeira quando os recursos dos empréstimos poderiam ter ingressado nas entidades como capital social.

*Este texto não reflete a posição institucional do Carf, mas, sim, uma análise dos seus precedentes publicados no site do órgão, em estudo descritivo, de caráter informativo, promovido pelos seus colunistas.

Fonte: Conjur

Justiça gratuita do réu inclui custas adiantadas pelo vencedor

A concessão do beneficio da Justiça gratuita à pessoa que é alvo de uma ação judicial deve abarcar a condenação ao ressarcimento das custas iniciais que o autor precisou adiantar para que o processo fosse julgado.

Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva deu o voto vencedor sobre o tema da gratuidade
Lucas Pricken/STJ

Essa foi a conclusão da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça em julgamento encerrado nesta terça-feira (17/10), por 3 votos a 2, após desempate proferido pelo ministro João Otávio de Noronha, que integra a 4ª Turma.

O caso é de um processo por danos morais. A parte autora precisou adiantar as custas processuais para o ajuizamento da ação. Já a parte ré obteve o benefício da Justiça gratuita e foi defendida pela Defensoria Pública do Distrito Federal.

A conclusão do processo foi a condenação da ré ao pagamento de R$ 1 mil de indenização por danos morais, além de R$ 343 das custas processuais, com base no artigo 82, parágrafo 2º, do Código de Processo Civil.

Quando a parte vencedora iniciou o cumprimento da sentença, no valor atualizado de R$ 1,4 mil, a parte vencida pediu a suspensão da exigibilidade da condenação ao ressarcimento das custas processuais.

Essa medida é decorrência da concessão da gratuidade da Justiça. O artigo 98, parágrafo 2º, do CPC diz que o benefício não afasta a responsabilidade do beneficiário pelas despesas processuais decorrentes de sua sucumbência.

O parágrafo 3º, no entanto, indica que essa obrigação ficará suspensa e só poderá ser executada se, nos cinco anos subsequentes ao trânsito em julgado, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão da gratuidade.

Para o Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJ-DF), o benefício oferecido pelo CPC só serve para custas processuais que seriam pagas diretamente pelo beneficiário da gratuidade. Logo, a condenação ao ressarcimento da parte vencedora que adiantou tais valores é válida.

Essa posição foi referendada pelo relator da matéria, ministro Marco Aurélio Bellizze. “Quando o beneficiário da Justiça gratuita é réu, a condenação enseja o pagamento das custas antecipadas pelo autor da ação”, explicou ele. Votou com o relator o ministro Moura Ribeiro.

Abriu a divergência vencedora o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, que foi acompanhado pelos ministros Humberto Martins e João Otávio de Noronha. Para eles, a suspensão da exigibilidade das custas iniciais também vale quando o beneficiário é réu na ação.

Para o ministro Cueva, a suspensão da exigibilidade, conforme o parágrafo 3º do artigo 98 do CPC, refere-se a toda e qualquer verba sucumbencial. Não há justificativa, segundo ele, para afastar de tal previsão o valor das custas iniciais adiantadas pelo autor da ação.

“Ou a Justiça é gratuita ou não é. Se é deferida a gratuidade ao réu, ele tem que se valer de toda a extensão do benefício. No caso, as custas foram adiantadas pelo autor. Se alguém tivesse que devolver, seria o Estado”, disse o ministro João Otávio de Noronha, ao desempatar.

REsp 1.949.665

Fonte: Conjur

Sistema acusatório: o juiz das garantias e o interesse dos juízes

O juiz das garantias, quando for introduzido no sistema inquisitorial brasileiro em vigor, deve servir — quem sabe tão só — aos juízes; quando, por evidente, deveria servir a todos. É razoável tentar explicar tal assertiva de modo a que, antes de tudo, os próprios juízes possam melhor esclarecer a situação e, depois, aderiram ao acolhimento da refundação do sistema, a fim de que se faça vivo, de fato, o sistema acusatório.

Todos, de uma maneira geral, sabem sobre as diferenças entre os sistemas processuais — muito em voga nos últimos anos — mas, agora, é preciso que não reste dúvida a respeito do tema, de modo a que eventual preconceito contra o sistema acusatório não prejudique sua efetiva implantação. Faz-se tempo, de consequência, de se unir esforços. A matéria referente ao juiz das garantias tem muito a ver com isso.

De fato, a introdução do juiz das garantias, no ordenamento jurídico brasileiro, como se sabe, foi efetivada pela Lei n° 13.964, de 24/12/19, o chamado “pacote anticrime” que, nascendo no executivo, ganhou alterações (dentre elas as referentes ao juiz das garantias) na Câmara dos Deputados, como obra de uma comissão ali formada.

Era, de certa forma, uma aspiração antiga da doutrina democrática do processo penal, porque o instituto sempre esteve vinculado ao sistema acusatório, e por ele se lutava e luta até hoje. Estava previsto, antes, de lege ferenda, nos artigos 15 a 18, do PLS n° 156/09, o projeto de reforma global do Código de Processo Penal.

Parecia, com a previsão legal, que se estava dando o passo mais importante para a implantação do único sistema processual penal compatível com a Constituição da República. Não era uma refundação propriamente dita porque se tratava de uma reforma parcial mas, mesmo assim, um substancioso primeiro passo. Admitia-se que “o processo penal terá estrutura acusatória…” (artigo 3°-A, primeira parte), ou seja, que todo o processo penal seria regido por tal sistema, de modo a que se não invocasse, contra o dispositivo da lei (plenamente compatível com a CR, repita-se), as inconstitucionalidades, incoerências e maldades do velho sistema inquisitório. Era uma luz no fim do túnel.

A esperança de se ter um processo penal democrático começou a estremecer quando instituições ligadas à magistratura (Associação de Magistrados do Brasil — AMB; e Associação dos Juízes Federais do Brasil — Ajufe), logo depois da publicação da lei, propuseram a ADI n° 6.298, com questionamentos sérios, embora improcedentes; e logo em seguida os partidos políticos Podemos e Cidadania propuseram a ADI n° 6.299, assim como o PLS a de n° 6.300. Por fim, a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) propôs a ADI n° 6.305.

Todos, em ultima ratio, não queriam a implantação do juiz das garantias, o que significava manter o status quo, o qual foi mantido em face de liminar concedida pelo relator, ministro Luiz Fux, suspendendo a eficácia de vários preceitos, mormente, quanto ao juiz das garantias, aqueles do artigo 3°-A a 3°-F. A matéria só volta à pauta em junho de 2023, com a conclusão do julgamento em 23/6/23. Nele, a Corte (contra o voto do relator) decidiu, no mérito, pela constitucionalidade e obrigatoriedade do juiz das garantias, o que aparentemente garante que será implementado.

Mas a Corte, porém, mexeu de tal forma no texto referente ao juiz das garantias, com interpretações criativas e outras diatribes que acabou por criar um mostro, uma aberração jurídica. No fundo, confirmou a introdução do instituto (sabidamente ligado ao sistema acusatório), mas glosou (por “interpretações conforme” e declarações de inconstitucionalidade) os preceitos da lei para manter o atual sistema inquisitorial.

Como ele fazia sentido e era adequado aos preceitos que com ele vieram, a perspectiva — não se pode duvidar — é que a experiência não dê certo. E não pelo próprio instituto do juiz das garantias e, sim, pela manutenção do sistema inquisitorial. Por sinal, desde este ponto de vista, pode ser um fracasso como, de regra, acontece com institutos importados do sistema acusatório e alojados no sistema inquisitório, dentre outras coisas pelo fato de terem fundamentos diferentes e, portanto, uma epistemologia que não dialoga com aquela do estranho. Resta o perigo — que sempre ronda situações assim — do instituto ser acusado de não responder ao que veio, embora, com ele fora do devido lugar, seria um despautério.

Por outro lado, se ele vingar, tende a ser por motivo diverso daquele pelo qual responde a sua finalidade.

Ora, o juiz das garantias — pensado como no sistema acusatório — atua basicamente na fase de investigação preliminar e até o recebimento da inicial acusatória, razão por que a ele é dada (inclusive por coerência) o juízo de admissibilidade da acusação. Com isso, decide sobre as questões — começando pelas constitucionais — da referida fase, ou melhor, até o juízo de admissibilidade da acusação.

Deste modo, não tem iniciativa probatória (para se garantir sua imparcialidade em relação às referidas questões), por um lado, mas, pelo outro, impedido de julgar o mérito e remeter o material recolhido (salvo as provas irrepetíveis) para a fase seguinte, garante ao juiz do processo a originalidade cognitiva. E nisso residem os principais pilares de sustentação de um sistema acusatório democrático.

Se tudo isso ficou consumido na decisão do STF, o que sobra de importante ao juiz das garantias tupiniquim?

Por certo que tendo competência funcional, não será — e não deve ser — um mero juiz auxiliar do juiz do processo. Longe disso, embora alguns devam pensar desta forma e, outros, queiram que assim seja na prática, mesmo porque na estrutura inquisitorial do processo penal brasileiro quase tudo é possível. Algo do gênero, então, seria um desastre.

Mas atenção! Ter-se-á, no processo penal, dois juízes atuando no mesmo processo em primeira instância e, portanto, tende a diminuir substancialmente a carga de trabalho do juiz do processo. Não se perde — e isso é muito claro — a jurisdição, logo, o poder; e sim uma parte da competência, ou seja, do trabalho, ou, para ser mais técnico, do exercício jurisdicional. A decisão do STF, deste modo, vem ao encontro de uma demanda histórica da magistratura, qual seja, aquela que aponta para a redução da carga de trabalho.

O que resta saber é se o juiz das garantias, com o arranjo feito pelo STF, irá  beneficiar tão só aos juízes que, hoje, carregam o trabalho inteiro da persecutio criminis.

A resposta, ao que parece, não se pode dar imediatamente, mesmo porque ela depende — e agora sem a base legal — daquilo que irão fazer os juízes na função de juiz das garantias. A subjetividade, enfim, define o desempenho da função e o que se pode esperar é que todos entendam o instituto como um elemento efetivamente importante do sistema acusatório, fazendo dele algo democrático mesmo que metido na estrutura inquisitorial.

E isso se pode afirmar porque se tratam de situações diferentes. Afinal, o sistema processual penal brasileiro é — reconhecidamente — inquisitorial e muitos — muitos! — juízes são democráticos, inclusive por aplicarem de modo estrito a CR (Constituição da República) e as leis, o que tem sido motivo de larga reputação, mesmo em tempos sombrios.

A decisão do STF, por outro lado, mostrou, escancaradamente, que muitos dos ministros não tinham o conhecimento desejado (em suma: que deveriam ter) sobre o tema dos sistemas processuais penais, o que acabou sendo determinante para a decisão tomada — e ficou estampado nos votos —, a qual se valeu de um decisionismo inconcebível e inaceitável. A exceção — e está registrado — foi o ministro Edson Fachin, que votou contra a maioria em grande parte das questões envolvendo a matéria, sendo sempre vencido. É certo, porém, que se trata de um tempo difícil para discutir tema tão sensível à democracia, o que se percebe pelos inquéritos conduzidos pelo ministro Alexandre de Moraes no STF.

De qualquer forma — e mais uma vez —, há de se notar que são coisas diferentes; e isso é importante perceber para não se deixar de pensar que as decisões de Brasília, hoje, quase que instantaneamente produzem efeitos no Brasil inteiro. Só Brasília que, não raro, não percebe isso; talvez porque em muitos aspectos siga longe demais do Brasil.

Fonte: Conjur – Por Jacinto Nelson de Miranda Coutinho

Aduana em tempo de mudanças globais

Nos dias 28 e 29 de setembro, a International Customs Law Academy (Icla) promoveu sua XVI Reunião Mundial de Direito Aduaneiro. Da presente edição [1], realizada em Berlim, na Universidade de Humboldt [2], participaram representantes de mais de 30 países que esgotaram as inscrições e lotaram o auditório da prestigiosa anfitriã. O encontro marcou o retorno dos eventos presenciais da academia e teve como título “Aduana em tempo de mudanças globais”.

A reunião foi dividida entre as cerimônias de abertura, encerramento e cinco painéis temáticos com palestrantes experts de nacionalidades distintas e representação plural, dentre eles, membros da aduana, de associações civis, universidades e do setor privado. Os temas dos painéis foram muito bem escolhidos permitindo uma visão ampla do cenário atual do comércio internacional, suas implicações aduaneiras, incertezas e inseguranças, o status de implementação do Acordo sobre a Facilitação do Comércio (AFC), da revisão da Convenção de Quioto Revisada (CQR), uma reflexão sobre temas aduaneiros clássicos (valoração, classificação, origem, infrações e penalidades) e um painel inovador sobre a doutrina e bibliografia aduaneira.

Alguns temas abordados são presentes em discussões e seminários também entre nós. Dentre esses, Sara Armella [3] discorreu sobre a valoração aduaneira e decisões da Corte Europeia de Justiça e da Suprema Corte Italiana. A jurista italiana destacou a posição das cortes europeias sobre o uso de banco de dados da Aduana para análise de risco e início de fiscalização sobre valoração aduaneira. Para tal finalidade, assinalou, as fontes são legítimas; não o sendo, porém, como fontes únicas a fim de se redefinir o valor aduaneiro. Ao contrário, ser a fonte exclusiva para esse fim é rechaçado pela jurisprudência europeia, cabendo à autoridade aduaneira requisitar informações do importador, assegurando-lhe garantias para que haja sua participação e que possa produzir provas em favor do valor declarado [4].

No mesmo painel, Massimo Fábio [5] discorreu sobre a valoração aduaneira e os preços de transferência, tema atual e debatido na pauta brasileira [6]. O palestrante destacou o volume de operações entre empresas do mesmo grupo, os distintos objetivos de arrecadação relacionados à valoração aduaneira e aos preços de transferência, embora ambas as autoridades competentes busquem o cumprimento do princípio arm’s length. Ressaltou a relevância do estudo sobre preços de transferência para a valoração aduaneira, quando ele traz informações sobre as circunstâncias da venda. Apresentou decisão da Suprema Corte Italiana que reconheceu o direito de restituição de tributos aduaneiros pagos pelo importador sempre que se verifique que, “por erro do interessado e não por escolha”, for registrado um montante de direitos aduaneiros não devidos “no momento do pagamento” e desde que os fatos que deram origem ao pagamento indevido não resultem de “fraude do interessado” [7].

Infrações e penalidades aduaneiras e sua harmonização a nível internacional foi tema das reflexões feitas por Fernanda Inga [8] e Pablo Villegas Landázuri [9]. O tema foi apresentado e introduzido sob a ótica do Gatt, do AFC e da CQR. Foram indicados desafios e oportunidades de uma uniformização internacional na matéria sancionatória, abordando a responsabilidade objetiva e subjetiva, as sanções comumente aplicadas (multas, perdimento e restrições administrativas, como não habilitações e advertências), e defendida a ampla aplicação da proporcionalidade e da razoabilidade nos sistemas sancionatórios. Verificamos dificuldades comuns nessa temática, merecendo sua contínua e aprofundada reflexão, urgindo alterações na legislação aduaneira pátria [10].

Temática atual e relevante foi conduzida por José Rijo. Sob o título “As interpretações das Cortes Nacionais sobre o critério de transformação substancial”, o estudioso trouxe o conceito da transformação substancial na OMC, na OMA e na UE, os desafios enfrentados para harmonização do tema, destacando, entre outros, o desacordo sobre normas para alguns setores (café, pescado, produtos têxteis, máquinas) e as questões práticas complexas que geram insegurança e imprevisibilidade nos agentes econômicos. José Rijo relatou pesquisa jurisprudencial apresentando dez decisões de diferentes jurisdições (União Europeia, Portugal, Brasil, Venezuela, Argentina e Estados Unidos) nas quais se divergiu sobre ter ocorrido, ou não, a transformação, ou elaboração substancial, para aplicação das regras de origem. Dentre elas, uma proferida pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região [11], na qual se decidiu que a importação de cefradina originária de Porto Rico e produzida com componentes originários da Alemanha, Itália e Irlanda preencheu o conceito de alteração substancial, eis que, nessa decisão, ela foi entendida como aquilo que confere nova individualidade à mercadoria. Ao término, compartilhou algumas dúvidas e inquietudes provocativas questionando como ficará a questão da transformação substancial vs inteligência artificial e as impressões 3D, entre outras questões.

Sob o título “Evolução e futuro do Sistema Harmonizado: é necessário uma nova nomenclatura?”, Enrique Herón Jiménez [12] discorreu sobre o Sistema Harmonizado de Designação e Codificação de Mercadorias, destacando sua utilização por 212 países, sendo 161 deles signatários do tratado. Registrou que a sua primeira versão, em 1988, contava com 5.019 descrições de seis dígitos, contando, a atual 7ª Emenda com 5.609 descrições. Após discorrer sobre o histórico de criação das nomenclaturas, desde 1931, até o início dos trabalhos para criação do vigente Sistema Harmonizado, trouxe à reflexão a visualização de uma possível nova nomenclatura do Sistema Harmonizado, apresentando observações de que o atual sistema vigora há 35 anos em um ciclo semelhante às nomenclaturas que o antecederam; que os progressos alcançados nos recentes ciclos de revisão com alterações do SH viabilizariam uma nova estrutura para o mesmo, sendo necessário destacar não haver continuidade na ordem sistemática dos códigos numéricos devido aos títulos e subtítulos suprimidos, criando-se lacunas na numeração da nomenclatura.

Outras destacadas apresentações trataram da reforma aduaneira na União Europeia e da modernização da Convenção de Quioto Revisada, sendo elas conduzidas, respectivamente, por Matthias Petschke [13] e Achim Rogmann. Para enfrentar o aumento vertiginoso de declarações de pequeno valor via cross-border e-commerce registradas em 2022 (1 bilhão), a ampliação de padrões e regras a serem aplicadas pela Aduana da UE e a complexidade da descentralização dos sistemas informatizados dos membros, o palestrante apresentou as mudanças a serem implantadas e seus objetivos. Dentre esses citou: reduzir os custos de compliance através de procedimentos mais simples, implementar um regime de e-commerce “tailor-made“, aumentar a proteção do mercado comum através do gerenciamento de riscos e criar uma verdadeira união aduaneira agindo como uma só nas fronteiras. Um dos pontos mais relevantes da reforma é a centralização das informações, haja vista, atualmente, serem 111 sistemas informatizados em funcionamento nos 27 Estados membros. Não existe uma base de dados única, nem uma supervisão integrada das cadeias de valor, prejudicando a gestão de riscos.

Sobre a modernização da CQR, o professor Achim Rogmann [14] relatou a recente adesão do 134º membro, qual seja a República de Gâmbia. Ao analisar a estrutura da CQR, observou que nenhum dos seus Anexos Específicos teve mais do que 50 adesões e que até hoje a UE não aderiu a nenhum deles. Em 2016 foi lançada uma iniciativa para revisar a CQR em razão das rápidas mudanças no cenário do comércio internacional e do objetivo de mantê-la como “flagship convention and a blueprint for modern and efficient customs procedures in the 21st century”. Os trabalhos têm sido intensos, com a participação do setor privado e da academia. Já foram apresentadas 186 propostas abrangendo o texto da CQR (Body), o Anexo Geral e os Anexos Específicos, contemplando 37 conceitos. Os que receberam mais propostas de alteração foram: controle aduaneiro (16), regras de origem (12), uso de tecnologias avançadas (11) e o AEO (9). Em conclusão, registrou que a minuta atual demonstra: (a) alinhamento parcial com o AFC, (b) integração com outros instrumentos da OMA, (c) maior inclusão de aspectos presentes no Gatt e (d) manutenção da estrutura atual. Afirmou ser esperada uma compilação dos potenciais projetos de textos pela OMA até 12/2023 e o início das alterações formais para a primavera europeia de 2024.

Um inovador painel foi o que trouxe a doutrina e bibliografia aduaneira, conduzida por Enrika Naujoké e Rosaldo Trevisan. As mais recentes obras aduaneiras produzidas por acadêmicos, ou coordenadas por membros da academia, e outras publicadas nos últimos anos foram destacadas e muito bem comentadas pelos palestrantes.

No painel sobre novas legislações, um tema de relevância e aplicação prática para exportadores de todo o mundo, inclusive brasileiros, especialmente de cimento, eletricidade, fertilizantes, ferro e aço e alumínio. Trata-se do CBAM (carbon border adjustment mechanism), através do qual a UE procura corrigir, de forma mais eficaz, o risco das empresas deixarem de produzir internamente produtos responsáveis por emissão de gases de efeito estufa (GEE) e se desloquem para países em que não exista regulação sobre a matéria, ou haja menor atenção com o tema ambiental. O objetivo é assegurar a equivalência entre o preço do carbono nas mercadorias produzidas na UE e as importadas. O tema foi exposto por Maryanne Kamau e Iain Sandford [15]. O Regulamento da UE no 956/2023 entrou em vigor em 17/05, tendo sua aplicação se iniciado no dia 1º de outubro para um período de transição que vai até 31/12/2025, entrando em sua segunda fase a partir de 1º/01/2026. Alguns conceitos e previsões importantes sobre o CBAM foram apresentados como, por exemplo, o que são emissões diretas e indiretas. As primeiras são aquelas provenientes dos processos de produção de bens, incluindo emissões provenientes do aquecimento e refrigeração consumidas durante a produção e as indiretas provenientes da produção de eletricidade, que é consumida durante os processos de produção de bens, independentemente do local da produção da eletricidade consumida.

No período de transição, de 1º/10/2023 a 31/12/2025, a obrigação das empresas na UE é de enviar relatórios trimestrais contendo informações sobre quantidade total de cada tipo de bem importado e o total de emissões diretas e indiretas incorporadas. Na segunda fase surgem obrigações pecuniárias como de comprar e manter certificados CBAM por bens importados a depender da quantidade total de emissões incorporadas. O não cumprimento das obrigações permitirá a imposição de penalidades aos importadores infratores.

O CBAM é uma medida que poderá provocar questionamentos quanto a sua observância ao Gatt. Na fase 1, de exigência de apresentação dos relatórios, trata-se de requisitos onerosos, incluindo custos e riscos de penalidades, o que pode restringir o comércio de produtos e coloca em questão a observância ao Artigo XI:1 do Gatt/1994. Na precificação da CBAM, há que se levar em consideração os Artigos I e III do GATT/1994 que preconizam, respectivamente, o princípio da nação mais favorecida e do tratamento nacional, no tocante à tributação e regulamentação interna. A discussão passa também pela possibilidade, ou não, de enquadramento do CBAM no regime de exceções do Artigo XX do Gatt, lembrando que tais medidas não podem resultar em discriminações arbitrárias e injustificadas, ou em barreiras não-tarifárias com fins protecionista, sob pena de membros da OMC poderem recorrer ao seu Órgão de Resolução de Litígios. Aos exportadores brasileiros, que negociam com importadores sujeitos ao CBAM, cabe atenção às novas obrigações que os atingirão, avaliando efeitos e ônus.

Ao analisarmos os temas acima, podemos notar como os fatos aduaneiros têm seu universo próprio, envolvendo operações de entrada e saída de bens de um território aduaneiro a outro e que, cada vez mais, ampliam-se os conteúdos das normas que devem ser observadas nas fronteiras pelos intervenientes e pelas Aduanas, atingindo, inclusive, como vimos, questões ambientais.

[1] A primeira reunião promovida pela ICLA deu-se em 2005, na cidade de Guadalajara, no México. Nos anos seguintes as cidades sede foram Montevidéu, Barcelona, Cartagena, Lisboa, Belo Horizonte, Buenos Aires, Cancun, Bruxelas, Nova York, Genebra, Viña del Mar, Roma, Panamá e Sevilha.

[2] A Universidade de Humboldt é a mais antiga da Alemanha. Foi fundada em 1810 como Universidade de Berlim e fica próxima à Bebelplatz, conhecida como a Praça da Ignorância por ser o local onde Hitler, em 10 de maio de 1933, ordenou a queima de livros em perseguição a intelectuais.

[3] Professora Associada da Universidade de Bocconi.

[4] Segue trecho citado por Sara Armella do julgamento da Suprema Corte Italiana, decisão no 22.200, de 24/07/2023: “In particular, the Supreme Court has clearly ruled that any method of inductive determination of values must be based on objective and reliable surveys, referrering to the concrete case and established at the outcome of a procedure that guarantees sufficient guarantees of scientificity, extended statistical basis and assessability by judges and private operators”.

[5] Professor das Universidades de Roma e de Milão.

[6] Sobre o tema há contribuições publicadas nessa coluna escritos por Leonardo Branco: link; Liziane Meira: link, Fernando Pieri Leonardo: link. Também: LEONARDO, Fernando Pieri. Valoração aduaneira e a utilização dos preços de transferência: algumas convergências e dissonâncias, in JÚNIOR, Onofre Alves Batista e SILVA, Paulo Roberto Coimbra, coord.. Direito Aduaneiro e Direito Tributário Aduaneiro. Belo Horizonte: Letramento – Casa do Direito, 2022. p. 361 a 392.

[7] Citação do palestrante Mássimo Fabio: The Italian Supreme Court and the TP in Customs Judgment No. 7716/2013, 27th March 2013″

[8] Presidente do Instituto Equatoriano de Direito Aduaneiro.

[9] Presidente do Instituto Equatoriano de Direito Tributário.

[10] Vários artigos a respeito da temática já preencheram a coluna, entre eles recomendamos o que foi publicado por Leonardo Branco e Thális Andrade: link. Sobre o tema, publicamos: LEONARDO, Fernando Pieri. Direito Aduaneiro Sancionador à luz do AFC/OMC, da CQR/OMA e do ATEC, in PEREIRA, Cláudio Augusto Gonçalves e REIS, Raquel Segalla, coord. Ensaios de Direito Aduaneiro II. São Paulo: Tirant lo Blanch, 2023, p. 164-186.

[11] Disponível em: link. Acesso em 15/10/2023.

[12] Expert em classificação tarifária, foi representante da AGA – Administração Geral das Aduanas, do México, na OMA.

[13] Diretor da Comissão Aduaneira Europeia – DG TAXUD, da União Europeia.

[14] Professor. Dr. Decano da Faculdade de Direito Europeia de Brunswick, Universidade de Ciências Aplicadas da Ostfalia.

[15] Consultores em comércio internacional e aduanas.

Fonte: Conjur

STF vai discutir contribuição de empregada sobre salário-maternidade

O Supremo Tribunal Federal vai discutir a constitucionalidade da incidência de contribuição previdenciária a cargo da empregada sobre o salário-maternidade pago pela Previdência Social. A matéria, tratada em Recurso Extraordinário, teve repercussão geral reconhecida por unanimidade pela Corte (Tema 1.274).

STF vai discutir contribuição previdenciária de empregada sobre salário-maternidade

Agência Brasil

Inicialmente, a 1ª Vara Federal de Jaraguá do Sul (SC) julgou o pedido da contribuinte improcedente, por entender que o caso era distinto do tratado pelo STF no RE 576.967, em que foi declarada inconstitucional a cobrança da contribuição previdenciária patronal sobre o salário-maternidade (Tema 72).

Essa decisão, porém, foi modificada pela 3ª Turma Recursal Federal em Santa Catarina em favor da contribuinte e contra a União, que foi condenada a restituir os valores recolhidos.

No RE apresentado ao Supremo, a União argumenta, entre outros pontos, que os ganhos dos empregados devem ser incluídos na base de cálculo das contribuições previdenciárias. Também sustenta que, ao se desonerar a empregada da contribuição previdenciária sobre o salário-maternidade, esse tempo deixará de contar para fins de aposentadoria.

Repercussão geral
Ao se manifestar pela repercussão geral, a relatora, ministra Rosa Weber (aposentada), considerou que o caso tem acentuada repercussão jurídica, social e econômica, e lembrou que há pelo menos 83 processos no Supremo sobre o tema.

Ela explicou que a matéria envolve o custeio da seguridade social, o equilíbrio atuarial e financeiro do fundo previdenciário e a compatibilidade da contribuição previdenciária a cargo da empregada com o entendimento firmado pelo STF em precedente vinculante. Ainda não há data para o julgamento de mérito do recurso. Com informações da assessoria de imprensa do Supremo Tribunal Federal.

RE 1.455.643

Fonte: Conjur

Licitação, parecer jurídico e motivação per relationem

Sob o cenário da Lei nº 14.133/2021, o conjunto de atribuições deferido ao órgão de assessoramento jurídico é, inexoravelmente, mais extenso e multímodo que a previsão constante na Lei nº 8.666/1993, razão pela qual o debate a respeito da responsabilidade do parecerista, bem assim do seu poder de decisão e força vinculante do parecer ganha maior largueza.

Nada obstante a complexidade do tema, nomeadamente quanto à espinhosa questiúncula relacionada à força normativa da opinião legal ofertada pelo órgão de assessoramento jurídico, outros inquietantes (e não menos relevantes) certâmenes podem decorrer da interpretação da Lei nº 14.133/2021, não havendo delimitação apenas ao quadrante inserto nas detalhadas normas que jazem ao longo do artigo 53.

Merece destaque, portanto, o papel exercido pelo órgão de assessoramento jurídico na fase recursal, especificamente ao derredor do parágrafo único do artigo 168, o qual prevê: “na elaboração de suas decisões, a autoridade competente será auxiliada pelo órgão de assessoramento jurídico, que deverá dirimir dúvidas e subsidiá-la com as informações necessárias”.

Teoricamente, a atribuição conferida ao órgão de assessoramento jurídico quanto à análise dos recursos e pedidos de reconsideração é limitada, cingindo-se à elucidação de dúvidas e ao contributo de informações necessárias, que não obrigatoriamente tenham de constar no acervo documental e probatório.

Ocorre que, paralelamente à Lei nº 14.133/2021, igualmente vigoram normas da Lei nº 9.784/1999, que tratam do processo administrativo — infalivelmente, no âmbito federal, como também nos demais entes federativos que, por decréscimo, não contemplem legislação no mesmo sentido, passando a ser, sob tal espeque, lei nacional —, dentre as quais as relacionadas à motivação do ato, cuja exemplificação mais simbólica encontra-se nas franjas do § 1º do artigo 50, o qual vaticina: “a motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir declaração de concordância com os fundamentos dos anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato”.

Trata-se da motivação aliunde ou per relationem, em que a decisão em si pode consistir nos elementos constantes em ato (documento) alheio, a exemplo do próprio parecer jurídico. Assim sendo, pragmaticamente, o recurso administrativo ou o pedido de reconsideração podem ser decididos pelo órgão de assessoramento jurídico, se e quando a autoridade a quem é dirigido o recurso ou o pedido de reconsideração fundamentar, integralmente, sua decisão no próprio parecer, fazendo expressa referência às motivações nele (no parecer) constantes.

Teoricamente, poder-se-ia sustentar a ideia de que, nos casos de julgamento de recursos e pedido de reconsideração, a opinião jurídica a que se refere o parágrafo único do artigo 168 é meramente facultativa. Porém, há obrigatoriedade da avaliação jurídica, argumento claramente notório em decorrência de simplória análise do tempo verbal utilizado pela norma.

Ultrapassada a obrigatoriedade, o que se discute, todavia, é a vinculação ou não do parecer, que poderá não ter lugar, se e somente se, não houver total aderência, por parte da autoridade que decide, dos motivos e fundamentos que nele se encontram presentes. Em havendo completo assentimento, a vinculação do parecer é inconteste, porquanto as razões nele constantes servirão de fundamento para as razões de decidir.

Atestando a validade do argumento acima exposto, o inciso II do § 1º do artigo 53 disciplina que, na elaboração do parecer, o órgão de assessoramento jurídico da Administração deverá “redigir sua manifestação em linguagem simples e compreensível e de forma clara e objetiva, com a apreciação de todos os elementos indispensáveis à contratação e com a exposição dos pressupostos de fato e de direito levados em consideração na análise jurídica”.

Tal porque a pretensão do legislador tendeu a refutar pareceres genéricos, que não enfrentam a matéria que é submetida ao órgão de assessoramento jurídico, impondo a este mesmo órgão não necessariamente o dever de decidir, mas a obrigação de enfrentar os fundamentos (jurídicos) necessários a qualquer pleito que lhe seja submetido à apreciação.

No ensejo do parágrafo único do artigo 168, a obrigatoriedade do parecer jurídico é inconteste. Ocorre que a opinião, neste caso, pode ou não ser seguida pela autoridade administrativa que decide, conforme já destacado acima. Se, porventura, caminha em sentido contrário, restará, à autoridade competente para decidir o recurso, o dever de justificar, inclusive juridicamente, em sentido contrário, completando o ato administrativo de conteúdo decisório.

Entretanto, não havendo suficientes ressalvas por parte de quem tem atribuição para decidir, a motivação do ato administrativo coincide com a opinião jurídica, ato este que passará a ser formalmente completo com a conjugação das vontades.

Digno de nota que as alterações que foram introduzidas, pela Lei nº 14.210/2021 — que dispõe sobre a decisão coordenada — na Lei nº 9.784/1999 não são aplicadas ao processo administrativo de licitação, a teor do que dispõe o artigo 49-A, § 6º, I. Por mais razões, portanto, permanece a higidez da fundamentação aliunde ou per relationem, sendo o ato decisório motivado a partir de um documento exterior (parecer jurídico) ao ato emitido.

Objetivamente, nada obstante o vocábulo vinculação inexistir em qualquer trecho da Lei nº 14.133/2021 quanto à opinião exarada pelo órgão de assessoramento jurídico, há, incontestavelmente, sobretudo nos atos decisórios, plena possibilidade de o parecer ser vinculante, dependendo, tão apenas, da ausência de ressalvas por parte de quem formalmente decide.

Caricatamente, quem, por atribuição formal, tem o poder de decidir, pode, na prática, materialmente se valer de decisão alheia, atraindo para seu ato decisório um compartilhamento de responsabilidade, jamais eliminado sequer pela segregação de funções a que tanto se refere o legislador.

Fonte: Conjur

Lei nº 14.689: fantástica fábrica do metacontencioso tributário

Recentemente, foi promulgada a Lei nº 14.689/23, decorrente da sanção, com vetos, do PL nº 2.384/23 (PL do Carf), alterando profundamente o processo administrativo e judicial tributário e as multas no âmbito federal. Já apresentamos nossas críticas a ele em outra oportunidade [1]. Entretanto, passada a etapa legislativa, devemos ir além e analisar dogmaticamente alguns possíveis problemas concretos na sua aplicação.

1) O §9º-A do artigo 25 do Decreto nº 70.235/72  o voto de qualidade e seus efeitos
a) Restrição a cada capítulo da decisão
O §9º-A foi bastante amplo ao determinar a exclusão de multas e cancelamento da representação fiscal “na hipótese de julgamento (…) resolvido favoravelmente à Fazenda Pública pelo voto de qualidade”, pois, pela sua literalidade, bastaria que qualquer um dos capítulos da decisão fosse resolvido pelo método de desempate para se gozar do benefício.

Entre os capítulos do acórdão, podemos ter questões de admissibilidade, preliminares processuais, preliminares de mérito e as questões meritórias. Trata-se, na lição da doutrina processual, de parcelas da decisão autônomas e independentes entre si [2] — daí causar espécie, à primeira vista, que a existência de empate com voto de qualidade (VQ) em um deles gere efeitos sobre outros, a despeito da inexistência de qualquer prejudicialidade interna entre as questões.

Entretanto, é preciso compreender que os novos efeitos do voto de qualidade são de natureza exoprocessual (de direito material) e não endoprocessual (de caráter processual) [3]. Logo, não afetam o conteúdo decisório do julgamento (proclamação do resultado), mas apenas o efeito da decisão proferida, que se dá em uma etapa subsequente, de liquidação do julgado pela Receita Federal, após o encerramento do processo administrativo.

Caberá a esse órgão analisar o teor da decisão a fazer refletir os seus efeitos diretos (e.g. reforma parcial do lançamento) e indiretos (previstos na Lei nº 14.689/23) sobre o crédito. Em rigor, os efeitos das novas regras exonerativas, de caráter material, e não processual, sequer devem ser objeto de proclamação do resultado do julgamento, pois são decorrência posterior dele.

Nessa linha, não há óbice lógico para que esses efeitos exoprocessuais alcancem parcelas da decisão que não foram julgados pelo VQ.

Tanto que o artigo 25-A, que dispõe sobre a exclusão de juros de mora caso se pague no prazo de 90 dias, quando a decisão se deu pelo VQ, estabelece em seu §7º que ele se aplica “exclusivamente à parcela controvertida, resolvida pelo voto de qualidade”, dando a entender que, aqui sim, o benefício estaria restrito à parcela da decisão resolvida por esse instrumento. Há uma evidente distinção de alcance entre os dois dispositivos (artigo 25, §9º-A e artigo 25-A), a despeito de ambos tratarem de efeitos legais sobre o crédito tributário mantido pelo VQ.

Nessa situação, há dois possíveis caminhos para a Administração: 1) adotar uma regulamentação infralegal restritiva do alcance do artigo 25, §9-A (a exemplo da Portaria ME nº 260/2020) ou 2) aplicar por analogia o disposto no §7º do artigo 25-A. A primeira tentativa esbarraria em um problema de legalidade, ao passo que a segunda encontraria óbice na própria distinção feita pelo legislador, afinal “a lei não contém palavras inúteis”.

  1. b) Processos de cobrança de multas isoladas
    Outro problema é a sua aplicabilidade aosprocessos de cobrança de multas isoladas. Isso se daria porque o artigo 25-A estabelece que, após a resolução do julgamento por voto de qualidade, com avitória da Fazenda Nacional, haveria a opção de pagamento do valor remanescente – que inexistiria na hipótese de multa isolada, já que a totalidade da multa seria afastada.

Por outro lado, na esteira da existência de alcances distintos para o artigo 25, §9º-A e o artigo 25-A do Decreto nº 70.235/72, poder-se-ia sustentar também que não há conexão normativa necessária entre os dois dispositivos, sendo o primeiro compatível com os processos de multas isoladas, ao passo que o segundo, por uma questão lógica, seria inaplicável a esses casos. Em outras palavras, da inaplicabilidade lógica do artigo 25-A a esses casos, não se pode derivar a inaplicabilidade do artigo 25, §9º-A.

Essa distinção, que confirmaria a aplicação do artigo 25, §9º-A às multas isoladas, é corroborada pela rejeição expressa, no âmbito legislativo, da proposta do Senador Otto Alencar de restringir a exclusão às multas vinculadas a tributos.

  1. c) Voto de qualidade e recurso especial no Carf
    Na esteira do que sustentamos acima, de que os efeitos previstos pela Lei nº 14689/23 sobre o crédito são denatureza exoprocessual, não afetando o conteúdo decisório do acórdão, entendemos que, à luz do atual Ricarf, não haveria possibilidade de recurso especial fundado em diferentes quóruns de julgamento, pois as decisões seriam convergentes, mudando apenas o tratamento jurídico recebido na etapa de liquidação do julgado.

Por outro lado, caso o contribuinte perca o seu caso no Carf por VQ e opte pela interposição de recurso especial sobre a matéria em que houve o empate, estará sujeito à perda das benesses na liquidação do crédito, caso o julgamento na Carf seja desfavorável por maioria. Não haveria aqui qualquer reformatio in pejus, pois manteve-se integralmente o conteúdo da decisão recorrida, afetando apenas efeitos atribuídos à decisão administrativa final, na etapa de liquidação.

2) Artigo 25-A, §§ 3º a 6º do Decreto nº 70.235/72 — a compensação de prejuízos fiscais
Outra novidade é a possibilidade de compensação de prejuízos de controladas ou controladoras diretas ou indiretas, bem como sociedades sob controle comum, com efeito extintivo sujeito a condição resolutória da sua ulterior homologação (§5º), no prazo de cinco anos (§6º).

A medida gerará a criação de um mercado de empresas inativas com saldos acumulados de prejuízos fiscais, para compensar os débitos mantidos pelo VQ. Entretanto, esse procedimento poderá esbarrar numa dificuldade prática: a comprovação documental da existência do prejuízo fiscal.

O Carf possui jurisprudência no sentido de que o Fisco pode analisar fatos, operações e documentos relativos a períodos já atingidos pela decadência, para fins de verificar a repercussão deles no futuro, como na composição do saldo de prejuízos fiscais (e.g. acórdão nº 1402-003.350 e 1402-006.385), ficando apenas vedado lançar créditos tributários referentes a esses períodos.

Parece-nos razoável esperar que essas compensações passem pelo escrutínio criterioso da Receita, que exigirá a comprovação da formação do saldo de prejuízos para homologar a compensação, demandando documentação de um amplo período, relativo a uma empresa inativa. Na hipótese de não homologação da compensação, parece-nos ser o caso de aplicação do §8º, com a inscrição dos valores já constituídos em dívida ativa da União, para cobrança judicial.

3) Artigo 44 da Lei nº 9.430/96  as alterações no regime das multas qualificadas
a) Multas qualificadas e agravadas
No âmbito federal, as multas poderiam ser majoradas em 50% pela presença de situações agravantes, como não atendimento à fiscalização, reincidência etc., mas eram aumentadas para 150% na hipótese de situações qualificadoras mais graves (sonegação, fraude ou conluio). O PL original, pretendia revogar as hipóteses agravantes e reduzir a multa qualificada para 100% do tributo, mantendo-se na lei apenas a segunda alteração.

Essa situação gerou uma situação esdrúxula, ofensiva à proporcionalidade das penas, que orienta inclusive a aplicação de sanções administrativas, pois situações qualificadoras, mais graves, estarão sujeitas a uma multa de 100%, ao passo que as agravantes, menos graves, serão penalizadas em 112,5%.

Parece-nos, à luz da proporcionalidade que as penalidades devem guardar com relação à gravidade das condutas, que a Administração deverá observar o artigo 2º, parágrafo único, VI, c/c artigo 65, ambos da Lei nº 9.874/99, para promover uma revisão das sanções e adequá-las ao patamar das multas qualificadas. Ademais, parece-nos que não se trata aqui de um afastamento da regra da multa agravada por inconstitucionalidade, mas sim um controle de adequação “in concreto” das sanções aplicadas, considerando a nova moldura normativa punitiva estabelecida, com vistas a manter uma coerência na atuação sancionadora do Estado.

  1. b) A reincidência nas situações qualificadoras
    A lei prevê que a multa qualificada será alçada a 150% nas hipóteses dereincidênciado sujeito passivo, que, nos termos do artigo 44, §1º-A, se dará quando no prazo de dois anos, contado do ato de lançamento em que tiver sido imputada a ação ou omissão tipificada nos artigos 71, 72 e 73 da Lei nº 4.502/64 e ficar comprovado que o sujeito passivo incorreu novamente em qualquer uma dessas condutas.

Essa condição nova, em nosso entender (com o endosso de outra colunista [4]), fulmina retroativamente todas as multas qualificadas aplicadas, obrigando a sua redução ao patamar de 100%, com fulcro no artigo 106, II, “c” do CTN, incluídas aquelas no âmbito judicial. Não nos parece haver espaço para eventuais diligências por parte dos órgãos de julgamento para verificar a existência de reincidência, sob pena de ostensiva e ilegal inovação dos fundamentos do auto.

O dispositivo traz algumas dificuldades de ordem semântica, pois não deixa claro se basta a repetição de qualquer das circunstâncias dos artigos 71, 72 ou 73, ou se deveria haver uma repetição específica da situação qualificadora, para que se possa aplicar a multa de 150%. Por força do artigo 112, II, do CTN, parece-nos que essa dúvida deve ser resolvida da forma mais favorável ao acusado, com a exigência da reincidência específica.

  1. c) A confusão entre lançamento e processo administrativo
    A exigência da reincidência, por descuido do legislador, é passível de ser burlada pela fiscalização de duas maneiras.

A primeira se baseia no fato de que a reincidência se conecta ao “ato de lançamento” que imputou sonegação ou fraude. O dispositivo foi mal redigido e confunde as coisas, pois conforme o artigo 9º e seu §1º do Decreto nº 70.235/72, cada tributo ou penalidade isolada será objeto de lançamentos distintos, que poderão ser formalizados por meio de um único processo administrativo.

Em suma, pela literal redação do dispositivo, poder-se-ia, em um mesmo processo administrativo, realizar vários lançamentos, imputando fraude ou sonegação a todos, e fazê-los em uma sucessão temporal, para justificar a aplicação de multa de 100% apenas para o primeiro, e 150% aos demais, pois seriam — rigorosamente — lançamentos distintos, e não há regra que condicione a reincidência ao lançamento de um mesmo tributo.

  1. d) Ausência de regra antifragmentação das autuações fiscais
    A segunda falha se baseia na possibilidade de se burlar a exigência do interregno de dois anos por meio da realização de autos de infração fracionados no menor período de apuração possível.

Por exemplo, ao invés de lavrar o auto de infração de IRPJ relativo a vários exercícios, o auditor realizaria vários lançamentos baseados no menor período possível para configurar a multa qualificada no primeiro e lançar a multa de 150% nos demais.

Esse possível ardil poderia ser barrado pelo estabelecimento de uma regra específica que vedasse uma fragmentação artificial de autos de infração em períodos menores, ou estabelecimento de períodos mínimos de autuação. A própria Portaria RFB nº 48/2021, que dispõe a respeito da formalização de processos relativos a tributos administrados, nada dispõe a esse respeito.

  1. e) Reflexos do processo penal tributário sobre a multa
    O artigo 44, §1º-C, II, traz uma previsão bastante interessante: nas hipóteses em que haja sentença penal de absolvição com apreciação de mérito em processo do qual decorra imputação criminal do sujeito passivo, deve ser afastada a qualificação da multa. A lógica do dispositivo é a de que a multa qualificada e os crimes tributários possuem condições comuns de incidência [5].

Esse dispositivo, por uma questão de lógica, destina-se aos casos em que a multa qualificada é objeto de inscrição em dívida ativa e eventual ajuizamento de execução fiscal, tendo em vista que não há tipificação de crime material contra a ordem tributária antes do lançamento definitivo do crédito, inclusive com o encerramento do processo administrativo, nos termos da Súmula Vinculante nº 24 do STF.

Entretanto, a redação do dispositivo levanta questões importantes.

A primeira delas é saber se bastaria a mera prolação de sentença penal de absolvição, sem a necessidade de trânsito em julgado, para que gere seus reflexos sobre a execução fiscal, na forma como dispõe literalmente a lei. Poderia ocorrer, por exemplo, da sentença ser reformada em apelação, e já ter sido afastada a multa qualificada na execução.

A segunda consiste em saber se, a partir da edição da Lei nº 14.689/23, o encerramento do processo penal passa a ser causa de prejudicialidade externa do processo de execução fiscal, impondo a sua suspensão, nos termos do artigo 313, V, “a” do CPC/2015, considerando que o seu desfecho impactará na extensão da relação jurídica discutida.

A terceira é saber se o dispositivo seria aplicável na hipótese de eventual desclassificação do crime contra a ordem tributária para crime comum, que sequer tenha sido imputado pela Receita ou pelo Ministério Público (MP), como falsificação de documentos ou falsidade ideológica, com a subsequente condenação do agente. Nessa situação, pela lógica do dispositivo, parece-nos que a desclassificação do delito teria como efeito secundário afastar então a multa qualificada em execução.

A quarta, na esteira da anterior, é saber se os efeitos do referido dispositivo seriam aplicáveis na hipótese em que o MP, tendo acesso ao lançamento e à representação fiscal para fins penais, entender que não há materialidade delitiva e, na condição de titular da ação penal, deixar de denunciar os contribuintes autuados. Ora, se na hipótese em que houve denúncia e absolvição, a multa deveria cair, parece-nos que, a fortiori, a ausência de denúncia deveria gerar os mesmos efeitos.

Conclusões
Como defendemos em nosso outro artigo, discordamos substancialmente da forma como a nova lei afetou a estruturação do contencioso administrativo e as multas federais.

Deixando de lado nossas vênias e indo além, parece-nos que os problemas redacionais são ainda mais graves. Essa má redação gerará intensas controvérsias a respeito da aplicação de seus dispositivos, estimulando um metacontencioso que prorrogará indefinidamente litígios tributários. Nesse artigo, tentamos antecipar apenas algumas delas.

[1] https://www.conjur.com.br/2023-set-06/direto-carf-pl-carf-analise-critica-alteracoes-paf

[2] DINAMARCO, Candido Rangel. Capítulos de Sentença, p. 42-43.

[3] O §9º do artigo 25 é que apresenta essa característica.

[4] https://www.conjur.com.br/2023-set-27/direto-carf-lei-1468923-voto-qualidade-multas-retroatividade

[5] Premissa essa que não nos parece inteiramente correta, como já falamos em outro artigo: https://revista.ibdt.org.br/index.php/RDTA/article/view/1102

Fonte: Conjur