Ao negar provimento a recurso especial, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o prazo decadencial de 90 dias para ajuizar ação anulatória de sentença arbitral começa a correr na data da notificação da sentença que julgou o pedido de esclarecimentos, mesmo quando este não é acolhido.
Durante litígio em procedimento arbitral administrado por uma câmara de conciliação e arbitragem de Goiânia, as partes acordaram que as notificações das decisões seriam publicadas internamente na secretaria da própria câmara. A ata de audiência também dispôs as datas de publicação interna da sentença arbitral e da sentença sobre eventual pedido de esclarecimentos.
Com a publicação da sentença arbitral, houve pedido de esclarecimentos, cujo julgamento em nada alterou a decisão anterior. Na sequência, uma das partes entrou com ação para anular a sentença arbitral, alegando desrespeito aos princípios do contraditório e da ampla defesa.
Após o Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) ter entendido que a ação anulatória foi ajuizada dentro do prazo decadencial, o caso chegou ao STJ, tendo a parte recorrente sustentado a decadência do direito de pleitear a anulação da decisão, pois o prazo teria começado já com a intimação acerca da sentença arbitral. Segundo a recorrente, “o prazo decadencial (para ajuizamento de ação anulatória) só tem início a partir da intimação da decisão sobre o pedido de esclarecimentos quando esta decisão, excepcionalmente, promove alguma alteração substancial na sentença arbitral”.
Pedido de esclarecimentos não precisa ser acolhido
A relatora, ministra Nancy Andrighi, destacou que, independentemente de ter sido acolhido, o pedido de esclarecimentos interrompe o prazo de 90 dias para ajuizamento da ação anulatória de sentença de arbitragem. Conforme explicou, esse período começa a contar novamente a partir da notificação da decisão do árbitro sobre o pedido de esclarecimentos.
Ao observar que os esclarecimentos complementam a própria sentença, a ministra apontou que é naquele momento que deve recomeçar a contagem do prazo decadencial para uma eventual ação com o objetivo de anular a sentença arbitral.
“Não há necessidade de acolhimento dos esclarecimentos para que a interrupção do prazo decadencial ocorra”, reforçou Nancy Andrighi.
A relatora concluiu que o ajuizamento da ação anulatória da sentença arbitral ocorreu dentro do prazo decadencial de 90 dias estabelecido no artigo 33, parágrafo 1º, da Lei de Arbitragem.
A decisão que condenou um supermercado do Paraná a pagar R$ 6 mil de indenização por danos morais a uma adolescente abordada de forma vexatória por um segurança é destaque na edição desta semana do programa STJ Notícias. A reportagem entrevistou a jovem, que foi acusada de furto e era menor de idade na época do fato.
Nos dias 4 e 5 de junho, o Conselho da Justiça Federal (CJF), por meio do Centro de Estudos Judiciários (CEJ), promoverá, em Brasília, a I Jornada de Direito Desportivo. A iniciativa inédita é voltada à consolidação de enunciados jurídicos que orientarão decisões judiciais e práticas institucionais, com o objetivo de fortalecer e modernizar o ordenamento jurídico aplicado ao esporte brasileiro.
A solenidade de abertura, marcada para a manhã do dia 4 de junho, reunirá autoridades e grandes nomes do esporte olímpico e paralímpico. O painel “Bate-Bola” trará a senadora Leila Barros, o medalhista olímpico Robson Caetano e o presidente do Comitê Paralímpico Brasileiro, Mizael Conrado.
O coordenador-geral da jornada, vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do CJF, ministro Luis Felipe Salomão, destaca a relevância do encontro. “Trata-se de uma construção inédita, que poderá resultar em diretrizes fundamentais para o futuro do direito desportivo brasileiro”, apontou.
Impacto
O esporte é uma ferramenta de transformação social, e seu fortalecimento jurídico é fundamental para ampliar a credibilidade, a segurança e o impacto econômico. Nesse contexto, a I Jornada de Direito Desportivo se apresenta como uma resposta institucional aos desafios contemporâneos do esporte, alinhando Justiça e inclusão social.
Para o ministro Salomão, o direito desportivo no Brasil sofre com lacunas legais, conflitos normativos e ausência de legislação unificada. Segundo o magistrado, embora o país disponha de leis como a Lei Pelé, a Lei de Incentivo ao Esporte e o Estatuto do Torcedor, ainda surgem impasses na aplicação dessas normas quando se trata de resolver conflitos relacionados ao tema.
Diante desse cenário, a Jornada se propõe a enfrentar, de forma técnica e participativa, os impasses que atravessam o desenvolvimento do esporte nacional por meio das 112 propostas de enunciados admitidas e organizadas em três comissões temáticas, todas presididas por ministros do STJ.
De acordo com o coordenador científico do evento, ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Guilherme Augusto Caputo Bastos, o direito desportivo é dinâmico, multidisciplinar e exige constante atualização para garantir segurança jurídica e proteção aos profissionais do esporte.
Entre os assuntos que serão debatidos na Jornada, estão os contratos e direitos trabalhistas de atletas, a estrutura e a competência da Justiça Desportiva, o doping e a responsabilidade disciplinar, além da inclusão, da diversidade e da equidade de gênero no esporte.
A programação completa da Jornada e outras informações podem ser conferidas no Portal do CJF.
Especialistas de diferentes esferas do Sistema de Justiça concordam em que a inobservância dos precedentes do STJ e do STF é uma das causas do aumento explosivo de habeas corpus nos tribunais.
Esta terceira e última parte da série de reportagens HC 1 milhão: mais ou menos justiça? propõe uma reflexão sobre como enfrentar o uso excessivo do habeas corpus sem prejudicar seu papel de garantia constitucional na proteção da liberdade. O desafio é complexo e sensível. Trata-se de equilibrar o peso das garantias fundamentais com a necessidade de racionalidade e eficiência no Sistema de Justiça penal.
No centro do debate, o que está em discussão é se é possível – e até que ponto – limitar o uso do habeas corpus em processos criminais. Várias propostas de mudanças jurisprudenciais e legislativas – como a criação de filtros de admissibilidade – estão na mesa, em um esforço para prestigiar o uso dos recursos e a própria função constitucional do HC.
Apesar de atuarem em diferentes esferas do Sistema de Justiça, os especialistas ouvidos convergem em um ponto fundamental: os operadores do direito devem seguir os precedentes fixados tanto pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) quanto pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Para muitos, a inobservância das balizas estabelecidas pelas cortes superiores – especialmente por parte de magistrados de primeiro grau, tribunais estaduais ou regionais federais, além de integrantes do Ministério Público (MP) – é um dos principais fatores que alimentam o excesso de habeas corpus.
Precedentes criam unidade nacional na interpretação de questões jurídicas
O ministro Rogerio Schietti Cruz, integrante da Sexta Turma do STJ, diz que o julgamento pelo rito dos recursos repetitivos e a afetação de casos de direito penal para a Terceira Seção ou para a Corte Especial, bem como a edição de súmulas, são alguns mecanismos do tribunal para lidar com o congestionamento de processos: “Com isso, tentamos mostrar, não só à sociedade, mas a todos os tribunais, como pensa o STJ e como deve ser a interpretação das leis federais”.
Segundo o ministro, é importante sensibilizar toda a magistratura e o MP quanto à importância de seguir os precedentes.
Na medida em que fixamos determinadas teses em julgamentos qualificados, com a composição ampla, em temas já pacificados, elas deveriam ser observadas por todos, de modo a criar uma unidade nacional na interpretação de questões jurídicas, evitando uma série de impetrações de habeas corpus que só ocorrem porque não há a observância dessas decisões.
Ministro Rogerio Schietti Cruz
O desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) Guilherme de Souza Nucci também acredita que, se fossem seguidos os entendimentos consolidados pelos tribunais superiores – especialmente os que são favoráveis ao réu –, muitos processos seriam resolvidos logo no primeiro grau de jurisdição, não havendo necessidade de habeas corpus ou recursos às demais instâncias por parte da defesa.
Um olhar específico sobre a real utilidade do habeas corpus
A promotora Fabiana Costa, chefe da Coordenação de Recursos Constitucionais do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), pondera que um olhar específico sobre a real utilidade do HC para a sua admissão pode ser uma medida eficaz no combate ao uso indiscriminado do instrumento, fora de suas finalidades constitucionais.
Fabiana observa que, diferentemente dos recursos no processo penal, que devem cumprir uma série de requisitos legais e formais para serem admitidos, o habeas corpus chega mais rápido para a análise do ministro relator, mesmo quando não guarda relação direta com a liberdade do paciente, nem com nulidades graves ou afrontas à jurisprudência consolidada. “Não é à toa que a maioria dos habeas corpus nem sequer são conhecidos”, enfatiza.
Outro ponto sensível destacado pela promotora refere-se à limitação da atuação do Ministério Público durante o processamento do habeas corpus: “O MP é ouvido como custos legis, mas o membro que conhece todas as peças do processo, conhece todas as cautelares, toda a tramitação daquele feito – que às vezes é extremamente complexo –, nem sequer é ouvido no momento em que o HC está sendo processado”.
Um exemplo de racionalização criado pela jurisprudência
Em 2020, a Terceira Seção do STJ fixou um marco importante para conter a utilização excessiva do habeas corpus em situações já cobertas por recursos processuais próprios. No julgamento do HC 482.549, o colegiado entendeu que, uma vez interposto recurso cabível contra a mesma decisão judicial, o habeas corpus só poderá ser examinado se visar diretamente à tutela da liberdade de locomoção, ou se apresentar pedido distinto do recurso que reflita no direito de ir e vir.
O relator, ministro Rogerio Schietti, ressaltou que “é preciso respeitar a racionalidade do sistema recursal e evitar que o emprego concomitante de dois meios de impugnação com a mesma pretensão comprometa a capacidade da Justiça criminal de julgar de modo organizado, acurado e correto – o que traz prejuízos para a sociedade e os jurisdicionados em geral”.
Para o advogado criminalista Caio César Domingues de Almeida, no entanto, o habeas corpus é o instrumento mais eficaz para corrigir prisões ilegais e outros constrangimentos, e não pode sofrer restrições. “Um ponto crucial é a excessiva formalidade dos recursos. Se houvesse alguma alteração legislativa ou jurisprudencial para flexibilizar essas exigências nos recursos especial e extraordinário, isso poderia reduzir significativamente o número de habeas corpus impetrados”, opina.
Alteração do Código de Processo Penal divide opiniões
Uma oportunidade para a adoção dos aperfeiçoamentos em debate poderia ser a reforma do Código de Processo Penal (CPP), decretado por Getúlio Vargas em 1941. Diversas propostas já foram apresentadas ao Congresso Nacional nesse sentido, sendo uma delas o Projeto de Lei do Senado 156/2009, atualmente em trâmite na Câmara dos Deputados (PL 8.045/2010). A proposta original, elaborada por uma comissão presidida pelo ministro do STJ Hamilton Carvalhido (falecido), buscava evitar a utilização do HC como substituto recursal, restringindo as hipóteses de seu cabimento.
De acordo com o ministro Ribeiro Dantas, membro da Quinta Turma, essa proposta poderia melhorar a estrutura recursal do processo penal e direcionar muitas questões para serem resolvidas por outros meios processuais mais adequados. Na avaliação do ministro, essa é uma discussão relevante, que deve envolver não apenas os operadores do Sistema de Justiça, mas também administradores públicos e representantes políticos.
Contudo, Ribeiro Dantas alerta que qualquer eventual modificação legislativa deve ser feita com extremo cuidado, já que o habeas corpus vai além de uma mera peça processual: trata-se de uma garantia constitucional fundamental. “Essa garantia é algo que muitos países não possuem, mas que no Brasil está expressamente consagrada na Constituição. Portanto, é necessário ter cautela ao tratar desse tema”, afirma.
Por sua vez, o defensor público Marcos Paulo Dutra sustenta que o CPP em vigor já contém mecanismos adequados para coibir o uso abusivo do habeas corpus. Para ele, o problema não está na ausência de regras, mas na forma como elas são aplicadas. Segundo Dutra, é preciso adotar uma análise mais rigorosa dos critérios legais existentes e, sobretudo, respeitar as balizas interpretativas consolidadas pelos tribunais superiores ao longo dos anos.
Dutra explica que, quando uma nova lei surge, há todo um processo de criação de jurisprudências, doutrinas e interpretações, que gera inseguranças e “coloca em xeque” tudo o que já foi construído sobre o assunto.
“Acredito que é adequado o caminho trilhado pelo STJ e pelo STF de construir balizas, via interpretação do próprio CPP, que permitam uma racionalização do emprego do habeas corpus. Ainda mais diante de um ordenamento jurídico que, nos últimos anos, tem se preocupado tanto em prestigiar os precedentes judiciais. Se isso for prestigiado, não tenho dúvidas de que o próprio número de habeas corpus será reduzido”, expõe o defensor.
Tutela de urgência requerida na petição do recurso especial
O advogado Caio César Domingues de Almeida, que também defende a preservação do habeas corpus nos moldes atuais, propõe uma alternativa voltada à estrutura recursal: a criação, no próprio recurso especial, de um espaço específico para que a defesa possa formular pedidos de tutela de urgência.
“Isso daria mais segurança aos advogados, que hoje temem interpor apenas o recurso e ver a matéria de direito simplesmente não ser apreciada. Atualmente, não há um mecanismo que permita à defesa fazer esse pedido diretamente na peça recursal. Instituir essa possibilidade de forma clara e regulamentada poderia reduzir a quantidade de habeas corpus e tornar o sistema mais eficiente”, argumenta.
Para o advogado, se houver uma mitigação das formalidades processuais nos recursos às cortes superiores, haverá uma redução significativa do número de habeas corpus impetrados: “O que precisa ser repensado é o funcionamento do sistema recursal, especialmente no que diz respeito aos recursos especial e extraordinário”.
Nessa mesma perspectiva, o ministro Ribeiro Dantas defende um sistema de agravos no processo penal, os quais seriam interpostos diretamente nos tribunais, com a possibilidade de concessão de tutelas penais de urgência.
Atualização da Lei de Drogas poderia reduzir o número de impetrações
Na opinião do desembargador Guilherme Nucci, outra medida que pode levar à redução do número de habeas corpus é a reforma de leis já defasadas ou carentes de regulamentação mais precisa – a exemplo da Lei de Drogas, que, segundo ele, responde pelo maior número de habeas corpus analisados atualmente nos tribunais. Para o magistrado, mais do que criar restrições, é necessário corrigir uma grande falha: a ausência de parâmetros objetivos que orientem os juízes de todo o país na aplicação da norma penal.
“Está na hora do legislador entrar em campo e definir definitivamente o que é natureza de drogas, quais são as drogas mais perigosas à saúde, quais não são ou são menos perigosas e qual é a quantidade ideal para se presumir quem é usuário e traficante – como o Supremo fez com a maconha”, avalia o desembargador.
A falta dessas definições, conclui, reflete-se inclusive no aumento de prisões, o que gera mais pedidos de habeas corpus e o aumento desnecessário da população carcerária.
Salvo-conduto para Cannabis medicinal garante direito à saúde e à liberdade
Em meio a toda essa discussão, o habeas corpus segue desempenhando um papel essencial na defesa de direitos fundamentais, até para tutelar, de forma indireta, o direito à saúde. É o que tem acontecido com pessoas que recorrem ao Poder Judiciário em busca da garantia de não serem presas nem submetidas a quaisquer medidas repressivas em razão do uso medicinal da Cannabis sativa.
Em várias decisões, o STJ já deu habeas corpus preventivos para pacientes ou familiares de pacientes que se valem do óleo de canabidiol (CBD), um composto químico da Cannabis sativa que não tem efeitos psicotrópicos, para o tratamento de diversas doenças.
O vídeo abaixo mostra um desses casos em que o salvo-conduto do tribunal permitiu que o cidadão não fosse alvo de sanções penais por cultivar a planta para fins terapêuticos: uma história sobre como os direitos à saúde, à dignidade e à liberdade foram preservados pelo instituto do habeas corpus.
A técnica de exploração, conhecida como fracking, será analisada pela Primeira Seção em julgamento sob o rito do incidente de assunção de competência (IAC).
A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) admitiu incidente de assunção de competência (IAC 21) para discutir a “possibilidade, impossibilidade e/ou condições de exploração de gás e óleo de fontes não convencionais (óleo e gás de xisto ou folhelho) mediante fraturamento hidráulico (fracking)”. A análise será realizada com base em normas de proteção ao meio ambiente e aos biomas, como a Política Nacional do Meio Ambiente, a Política Nacional dos Recursos Hídricos, a Lei do Petróleo e a Política Nacional da Mudança do Clima.
A relatoria do IAC é do ministro Afrânio Vilela. Para julgamento da controvérsia, o colegiado determinou a suspensão, em todo o território nacional, dos recursos especiais e extraordinários que tratam da mesma questão.
“É inviável e ilógico permitir a exploração em uma unidade da federação e impedi-la em outra, quando a atividade pode afetar indistintamente a população e o meio ambiente de ambas as localidades, notadamente no que diz respeito à possibilidade de contaminação irreversível, inclusive por radioatividade, de extensos aquíferos subterrâneos, solo e ar”, destacou o ministro.
No caso submetido ao rito do IAC no STJ, o Ministério Público Federal (MPF) ajuizou ação civil pública ambiental contra a Petrobras, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) e outras duas empresas, visando, entre outros objetivos, à suspensão de licitação da ANP para exploração do gás de folhelho com a técnica de fracking na Bacia do Paraná, localizada na região oeste do estado de São Paulo.
O pedido foi atendido em primeiro grau, mas o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) deu provimento à apelação da ANP e julgou improcedente a ação, o que motivou a interposição do recurso especial pelo MPF.
Potenciais riscos ambientais exigem solução jurisdicional única
Afrânio Vilela destacou que a exploração de gás e óleo de fontes não convencionais (xisto ou folhelho) com uso da técnica de fracking desperta atualmente grande discussão científica, jurídica e política em todo o mundo.
“A matéria é uma das mais relevantes e polarizantes no embate entre ambientalistas e industriais, e coloca no mesmo polo político a agroindústria e movimentos sociais. A dissonância em torno do tema exige o debate qualificado, ampliado e democrático, viabilizado ao Judiciário por meio dos procedimentos de formação de precedentes qualificados”, observou o ministro.
Segundo o relator, ainda que o recurso especial se limite aos leilões de poucas áreas realizados em 2013, outras ações envolvendo blocos licitatórios distintos têm recebido decisões variadas de diferentes tribunais. Em sua avaliação, essa dispersão jurisprudencial, embora limitada, gera insegurança jurídica em um setor altamente regulado de interesse estratégico internacional.
“A causa, portanto, envolve relevante questão de direito, com grande repercussão social e sem repetição em múltiplos processos (artigo 947 do Código de Processo Civil), devendo ser processada na forma de IAC”, concluiu Afrânio Vilela.
IAC assegura orientação jurisprudencial uniforme
O IAC poderá ser instaurado quando o julgamento de recurso, de remessa necessária ou de processo de competência originária envolver relevante questão de direito, com grande repercussão social, mas sem repetição em múltiplos processos. Além de permitir o tratamento isonômico entre os cidadãos, o IAC acaba com as divergências existentes ou que possam surgir entre os órgãos fracionários da corte sobre a mesma questão jurídica complexa e delicada.
Com base no artigo 20, parágrafo 4º, do Código de Processo Civil (CPC) de 1973, a fixação de honorários advocatícios em patamar inferior a 1% do valor da causa é considerada irrisória, salvo justificativa específica que demonstre a adequação da verba de sucumbência.
Esse entendimento levou a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) a reformar decisão da Primeira Turma que fixou honorários em valor abaixo do mínimo legal. Para a Corte Especial, a afirmação de que o percentual de 1% seria exorbitante no caso não foi fundamentada adequadamente.
Segundo o processo, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) arbitrou os honorários sucumbenciais em R$ 10 mil, numa causa de R$ 240 milhões em 2015. Houve recurso ao STJ, cuja Primeira Turma aumentou o valor para R$ 200 mil.
Nos embargos de divergência submetidos à Corte Especial, foram indicados como paradigmas acórdãos que consideraram irrisória a fixação de honorários abaixo de 1%.
Jurisprudência presume que menos de 1% é valor irrisório
O relator dos embargos de divergência, ministro Sebastião Reis Júnior, destacou o fato de que, em todos os julgados analisados no caso, o arbitramento de honorários advocatícios foi discutido tendo como parâmetro o artigo 20, parágrafo 4º, do CPC de 1973.
Ele apontou que, tanto no acórdão da Primeira Turma quanto nos dois paradigmas apresentados pela parte embargante, o impedimento da Súmula 7 do STJ foi afastado diante do reconhecimento de que os honorários advocatícios haviam sido fixados em patamares irrisórios pelos tribunais de origem.
“Não obstante ser possível, diante das circunstâncias fáticas do caso, arbitrar equitativamente honorários advocatícios abaixo de 1% do valor da causa, faz-se necessária justificativa apta a superar a presunção firmada por esta corte”, disse.
Na hipótese em julgamento, o ministro observou que o acórdão embargado não fez nenhuma consideração quanto ao trabalho desenvolvido pelo advogado, nada dizendo sobre a natureza ou importância da causa, o tempo gasto, o lugar da prestação do serviço ou o grau de zelo exigido do profissional. A decisão – apontou – limitou-se a afirmar que o percentual de 1% sobre o valor da causa representaria uma condenação exorbitante em honorários e transbordaria os parâmetros firmados pelo STJ.
Na avaliação do relator, não há razão concreta para justificar essa afirmativa, e por isso deve prevalecer o entendimento de que são presumidamente irrisórios os honorários fixados abaixo de 1% do valor da causa.
O instrumento jurídico mais ágil para preservar o direito à liberdade, quando utilizado de forma desvirtuada – às vezes totalmente abusiva –, acaba por prejudicar a própria prestação de justiça a quem precisa.
Ao longo do dia 12 de dezembro de 2024, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) recebeu 625 habeas corpus – um número tão elevado quanto comum na rotina da corte –, mas o conteúdo de um deles chamou atenção: trazia o pedido de prisão do presidente da Rússia, Vladimir Putin, sob o argumento de que a medida seria necessária para cumprir decisão emitida pelo Tribunal Penal Internacional.
Classificado pelo presidente da corte, ministro Herman Benjamin, como “inusitado“, o caso é curioso não apenas pelo personagem em questão, mas pela contradição entre o pedido e a natureza do habeas corpus – instituto criado para assegurar a liberdade da pessoa, não para restringi-la.
Ainda assim, a petição, como todas que chegam à Justiça, precisou ser analisada e decidida – não apenas de forma monocrática, mas também em colegiado e pela Vice-Presidência do STJ, após sucessivos recursos internos –, juntando-se aos mais de um milhão de habeas corpus recebidos pelo tribunal em sua história – marca atingida em 30 de abril deste ano.
Em uma era marcada pelo avanço da litigância em larga escala, o habeas corpus ocupa lugar central no cotidiano do STJ. Concebido para ser acionado diante de ameaça ou coação ilegal ao direito de ir e vir, tornou-se, ao longo dos anos, uma das ações mais manejadas na Justiça brasileira, revelando não apenas o alcance democrático do instituto, mas também o uso distorcido que dele tem sido feito.
Por trás da impressionante quantidade de habeas corpus impetrados no STJ, emergem questões como as fragilidades do sistema recursal, as dificuldades estruturais das cortes sobrecarregadas e a defasagem entre legislação e jurisprudência.
As consequências vão muito além do atraso na tramitação dos processos. O excesso de habeas corpus, especialmente nos colegiados de direito penal, tem prejudicado o cumprimento da missão mais importante do STJ: uniformizar a aplicação das leis por meio do julgamento do recurso especial.
Impetrações sem suporte legal mínimo justificam a aplicação de multas
Após analisar uma série de habeas corpus de um mesmo impetrante, o presidente do STJ aplicou multa de R$ 6 mil pela reiteração de pedidos sem qualquer base constitucional ou legal. O comportamento – que, segundo afirmou Herman Benjamin no julgamento do HC 980.750, configura ato atentatório à dignidade da Justiça e litigância ímproba – foi punido com base no artigo 77, II e IV, e parágrafos 2º ao 5º, do Código de Processo Civil (CPC), entre outros dispositivos legais.
Em 2024, muitas situações semelhantes foram identificadas nos mais de 89 mil habeas corpus analisados apenas pela Terceira Seção – órgão do STJ que julga os casos da área criminal.
Características do habeas corpus o tornam um instrumento atrativo
Houve ainda o habeas corpus manejado contra o Tribunal de Justiça do Piauí para questionar a substituição do peticionamento em papel pelo peticionamento eletrônico. Na ocasião, a ministra Laurita Vaz (aposentada), relatora, definiu a pretensão como “descabida” e afirmou que demandas como aquela só contribuíam para o abarrotamento dos tribunais.
A preocupação manifestada por Laurita Vaz e pelo presidente do STJ se confirma em números. O tribunal demorou 30 anos para atingir a marca de 500 mil habeas corpus, mas levou apenas seis anos para dobrar o quantitativo.
O cenário da Terceira Seção ilustra o problema. Segundo o ministro Ribeiro Dantas, que presidiu o colegiado de março de 2023 a fevereiro de 2025 e é o relator do HC 1.000.000, os habeas corpus correspondem a quase 70% dos casos analisados nos órgãos julgadores de direito penal. “Isso desfigura, de certa maneira, o que se espera da jurisdição do STJ em matéria criminal”, avalia o magistrado.
Previsto no artigo 5º, inciso LXVIII, da Constituição Federal, o habeas corpus é um poderoso aliado na proteção do direito à liberdade de locomoção, pois é gratuito, não exige maiores formalidades e tem tramitação mais rápida.
Na mesma linha do texto constitucional, o atual Código de Processo Penal (CPP) dispõe no artigo 647: “Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir, salvo nos casos de punição disciplinar.”
Devido às suas características, o habeas corpus se tornou um instrumento atrativo também para quem deseja outras coisas que não preservar a liberdade do indivíduo diante de coações ou ameaças ao direito de locomoção. Não é de estranhar, portanto, o aumento de sua utilização nos últimos anos, sobretudo com a facilidade de acesso aos tribunais trazida pelo processo eletrônico.
O que mais preocupa o Judiciário, pelo volume, não são nem os pedidos que de tão despropositados chegam a soar folclóricos, e sim o uso do habeas corpus como panaceia para tentar reformar toda e qualquer decisão desfavorável no processo penal – inclusive proferidas em outros habeas corpus –, em substituição aos recursos previstos na legislação.
História da Justiça no Brasil revela uso amplo do habeas corpus
A utilização do habeas corpus no Brasil é antiga. Ribeiro Dantas conta que ele surgiu no país por meio de decretos, nos tempos do Império, mas a sua introdução expressa no ordenamento jurídico se deu no CPP de 1832. A Constituição republicana de 1891 elevou o instituto à categoria de garantia constitucional.
“É essa Constituição (não se sabe até hoje se foi de propósito ou se foi um esquecimento, isto é, se foi um silêncio simples ou um silêncio eloquente) que diz que se daria habeas corpus para qualquer violação por ilegalidade ou abuso de poder. Não se explicitava que era o direito à livre locomoção”, recorda o ministro.
Com isso, prossegue Ribeiro Dantas, advogados reivindicavam diversos direitos por meio de habeas corpus, e o Supremo Tribunal Federal (STF) reconhecia o caráter mais amplo da ação. Apenas em 1926, uma emenda constitucional definiu que o habeas corpus deveria ser impetrado para assegurar a liberdade de locomoção. Mesmo assim, o instrumento já havia se consolidado, nas palavras do magistrado, como um “bebê grandão”.
Modelos adotados em outros países são mais restritivos
O ministro Rogerio Schietti Cruz, membro da Terceira Seção e presidente do Núcleo de Gerenciamento de Precedentes e de Ações Coletivas (Nugepnac) do STJ, aponta que o habeas corpus, de fato, se estabeleceu como um instrumento de uso mais extenso e flexível, especialmente em comparação com modelos adotados em outros países.
“No Brasil”, relata Schietti, “o habeas corpus foi ampliando seu leque de incidência de tal modo que, hoje, tudo que ocorre no processo penal, ou mesmo antes dele, pode ser objeto de um habeas corpus. É uma tradição nossa difícil de mudar, porque se você, de alguma forma, criar limitações, isso causará reações, além da desproteção a alguns direitos que são alcançados por uma interpretação bem ampla do instituto”.
A dificuldade para limitar o habeas corpus à sua finalidade expressamente prevista na Constituição e no CPP tem a ver também com o fato de que o Brasil viveu – em um passado não muito distante – mais de 20 anos de ditadura militar. Nesse período, entre as muitas arbitrariedades perpetradas pelo Estado, houve a edição do Ato Institucional número 5 (AI-5), cujo artigo 10 suspendeu a concessão do habeas corpus nos casos enquadrados como “crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular”.
Com a redemocratização, a chamada Constituição Cidadã de 1988 restabeleceu o devido processo legal, e o habeas corpus – impulsionado pelo sentimento de rejeição ao arbítrio anterior – passou a ser admitido na jurisprudência para corrigir situações apenas indiretamente ligadas à liberdade de locomoção.
Habeas corpus substitutivo de recurso próprio e overruling
Segundo o defensor público Marcos Paulo Dutra, coordenador de Defesa Criminal e do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, o habeas corpus, atualmente, simboliza a democratização do acesso à Justiça e é um instrumento fundamental para a superação de entendimentos jurisdicionais (overruling).
“Quando pensamos na guinada promovida pelo STJ a respeito do reconhecimento pessoal e fotográfico, isso se deu por meio do habeas corpus, o que é sensacional”, afirma o defensor.
Ao falar sobre o aumento das impetrações, ele lembra o debate jurisprudencial em torno da admissibilidade do chamado habeas corpus substitutivo de recurso especial ou substitutivo de recurso ordinário constitucional.
“O STJ tem uma jurisprudência consolidada que não admite o denominado habeas corpus substitutivo. Mas, em muitíssimos casos, os ministros, com acerto, evoluem e acabam concedendo a ordem de ofício, tamanhas as teratologias identificadas”, observa Dutra.
Via paralela mais ágil e desestímulo ao uso do recurso especial
Na avaliação do advogado criminalista Caio César Domingues de Almeida, autor do livro Habeas Corpus na Jurisprudência dos Tribunais Superiores, a atual arquitetura recursal tem levado os operadores do direito a enxergar no habeas corpus uma via paralela – e mais ágil – para garantir a apreciação de questões urgentes, especialmente quando há alguma possibilidade de risco à liberdade do acusado.
Para ele, o sistema atual desestimula o uso regular do recurso especial, cujas exigências procedimentais muitas vezes inviabilizam o exame do mérito.
Como forma de enfrentar o número excessivo de habeas corpus, o advogado sugere uma flexibilização que permitisse à defesa pleitear medidas de urgência diretamente no corpo do recurso especial, à semelhança do que já ocorre com a concessão de habeas corpus de ofício em certos casos. “Essa possibilidade traria mais segurança aos advogados, que hoje recorrem ao habeas corpus temendo que a discussão de direito nem sequer seja apreciada nos tribunais superiores”, diz.
Ministro alerta para necessidade de atualização do CPP
Essa percepção encontra eco no próprio STJ. O ministro Ribeiro Dantas alerta que o uso massivo do habeas corpus se relaciona diretamente com a defasagem do CPP, em vigor desde 1941. Para ele, a legislação brasileira não foi atualizada para lidar com a complexidade e as demandas do processo penal contemporâneo, especialmente no que se refere à celeridade na análise de decisões interlocutórias que afetam a liberdade do réu.
Ribeiro Dantas traça um paralelo histórico com o uso excessivo do mandado de segurança entre as décadas de 1970 e 1990, quando esse instrumento funcionava como uma espécie de “válvula de escape” para ineficiências do processo civil.
Segundo ele, somente após reformas profundas no CPC – que tornaram os mecanismos recursais mais funcionais e acessíveis –, o mandado de segurança perdeu seu caráter emergencial e passou a ser utilizado de forma mais racional. No processo penal, no entanto, o ministro destaca que faltam instrumentos processuais adequados para lidar com situações que não podem esperar.
“Nesses casos, o habeas corpus muitas vezes se apresenta como a única via rápida e eficaz, diante de recursos ordinários excessivamente formais, complexos e morosos”, comenta o ministro.
Leis em descompasso com jurisprudência geram “avalanche” de ações
Para o jurista Guilherme de Souza Nucci, desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, o maior problema não se encontra no manejo do habeas corpus ou na esfera do processo penal, mas sim na falta de atualização de alguns normativos, como a Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas).
O magistrado, que é autor de obras na área do direito penal e do direito processual penal, aponta que as drogas respondem por mais de 50% da carga de trabalho da Justiça criminal, mas esse dado não recebe a devida atenção por parte do legislador. O resultado dessa lentidão é que os tribunais superiores acabam definindo parâmetros que já poderiam estar no texto legal, como é o caso da descriminalização, decidida no STF, do porte de até 40 gramas de maconha para uso pessoal.
Outro exemplo citado pelo magistrado diz respeito à incidência do princípio da insignificância. Ele lembra que, nesse caso, o STJ já estabeleceu filtros em sua jurisprudência.
“Mas onde está na lei? Não tem. Então, o advogado vai reclamar junto ao STJ o tempo todo. Nós temos que atualizar a lei penal utilizando os próprios institutos que os tribunais estão adotando, para que pare a avalanche de habeas corpus reclamando, muitas vezes, o óbvio”, declarou Nucci.
Uma resposta efetiva diante da violação de direitos
Em meio ao debate sobre o uso excessivo do habeas corpus, a história do vídeo abaixo mostra como, apesar das distorções e do volume preocupante de impetrações, esse instrumento continua a representar uma resposta efetiva à violação de direitos fundamentais. No caso de Romário dos Santos, foi a decisão do STJ no HC que fez a diferença entre uma condenação injusta e o restabelecimento da paz em sua vida.
A série especial HC1 milhão: mais ou menos justiça? debate o aumento expressivo do uso desse instrumento constitucional, trazendo diferentes pontos de vista sobre o fenômeno e o seu impacto nas atividades dos tribunais.
No próximo domingo: o papel de cada ator do Sistema de Justiça no ingresso massivo de habeas corpus no STJ.
Sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 1.298), a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu que a fixação de honorários advocatícios devidos pelo autor, em caso de desistência de ação de desapropriação por utilidade pública ou de constituição de servidão administrativa, deve seguir os percentuais definidos no artigo 27, parágrafo 1º, do Decreto-Lei 3.365/1941 (entre 0,5 e 5%), tendo como base de cálculo o valor atualizado da causa.
De acordo com o colegiado, esses percentuais não são aplicáveis somente se o valor da causa for muito baixo, hipótese em que os honorários serão arbitrados por apreciação equitativa, nos termos do artigo 85, parágrafo 8º, do Código de Processo Civil (CPC).
Com a fixação da tese jurídica, podem voltar a tramitar os recursos especiais e agravos em recurso especial que discutem a mesma questão e que estavam suspensos à espera desse julgamento. O entendimento definido pela Primeira Seção deverá ser observado pelos tribunais de todo o país na análise de casos semelhantes.
Base de cálculo segue regra supletiva do artigo 85, parágrafo 2º, do CPC
O ministro Paulo Sérgio Domingues, relator do repetitivo, destacou que o Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar a ADI 2.332, já debateu a constitucionalidade da regra sobre honorários inserida no Decreto-Lei 3.365/1941. Na ocasião, foi reconhecida a validade da base de cálculo e dos percentuais da verba sucumbencial definidos especificamente para ações expropriatórias.
Na hipótese de desistência da ação de desapropriação ou de constituição de servidão administrativa, entretanto, o ministro explicou que não há como aplicar a base de cálculo prevista no decreto-lei. Segundo ele, isso se dá porque a sentença não definirá indenização alguma, uma vez que não ocorrerá perda da propriedade imobiliária ou imposição de ônus ou restrição para a fruição do bem imóvel pelo seu proprietário.
“À falta de condenação ou de proveito econômico efetivo, já foi dito que não há suporte jurídico para o estabelecimento da base de cálculo dos honorários nos moldes do artigo 27, parágrafo 1º, do Decreto-Lei 3.365/1941, de modo que essa base será fixada de acordo com norma jurídica supletiva prevista no artigo 85, parágrafo 2º, do CPC, tomando-se em conta, então, o valor atribuído à causa”, afirmou o ministro.
Percentual dos honorários independe de existência de condenação
Quanto aos percentuais dos honorários, o relator avaliou que os valores previstos no Decreto-Lei 3.365/1941 representam norma especial que não depende da existência ou inexistência de condenação do expropriante. Segundo ele, a desistência da ação não faz desaparecer o suporte jurídico de aplicação do decreto-lei – que, como lei especial, prevalece sobre a norma geral.
Paulo Sérgio Domingues acrescentou que o entendimento deve ser flexibilizado quando o valor da causa for irrisório. Nesse caso, prosseguiu o ministro, devem ser afastados os parâmetros especiais de percentuais e base de cálculo de honorários para que seja aplicado o arbitramento por apreciação equitativa, a fim de impedir que a verba sucumbencial seja fixada em patamar incompatível com a dignidade do trabalho advocatício.
Instâncias ordinárias não aplicaram as disposições do decreto-lei
Um dos recursos representativos da controvérsia (REsp 2.129.162) foi interposto em ação movida pela Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) para a constituição de servidão administrativa sobre um imóvel particular, com o objetivo de construir uma linha de distribuição de energia elétrica. Quase um ano depois, após a concessionária desistir da ação, o juízo de primeiro grau arbitrou os honorários em 10% do valor da causa, com base nos artigos 85 e 90 do CPC. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais manteve o parâmetro adotado, deixando de aplicar a regra do artigo 27, parágrafo 1º, do Decreto-Lei 3.365/1941.
“Deve ser reformado o acórdão recorrido, já que a solução do caso concreto que dele emana está em desconformidade com a jurisprudência sedimentada no âmbito deste STJ, bem como com a tese jurídica ora estabelecida”, concluiu o ministro ao determinar o retorno do processo ao tribunal de origem para que os honorários sejam novamente arbitrados.
O tribunal de segundo grau havia aplicado em favor dos compradores de boa-fé, por analogia, o entendimento que o STJ adotou para imóveis hipotecados na crise da construtora Encol, nos anos 1990.
A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concluiu que o entendimento firmado na Súmula 308 da corte não pode ser aplicado, por analogia, aos casos que envolvem garantia por alienação fiduciária. Para o colegiado, não é possível estender uma hipótese de exceção normativa para restringir a aplicação de uma regra jurídica válida.
Segundo o processo, uma construtora, pretendendo obter crédito para um empreendimento imobiliário, alienou fiduciariamente um apartamento e uma vaga de garagem a uma administradora de consórcios.
Três anos depois, apesar de os imóveis pertencerem à credora fiduciária, a devedora fiduciante entregou-os, por meio de contrato de promessa de compra e venda, para outra empresa, que, por sua vez, transferiu a duas pessoas os direitos contratuais sobre os bens. Estas, ao saberem que a propriedade dos imóveis havia sido consolidada em nome da credora fiduciária, devido à falta de pagamento por parte da devedora, entraram na Justiça.
O recurso especial foi interposto pela administradora de consórcios após o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) dar razão aos autores da ação e desconstituir a consolidação da propriedade fiduciária. A corte local entendeu que seria possível a aplicação analógica da Súmula 308 do STJ aos casos envolvendo garantia por alienação fiduciária.
Súmula está relacionada à compra de imóveis pelo SFH
O relator na Quarta Turma, ministro Antonio Carlos Ferreira, comentou que a Súmula 308 versa sobre imóveis, dados como garantia hipotecária, que foram adquiridos no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação (SFH), o qual tem normas mais protetivas para as partes vulneráveis da relação. Conforme lembrou, a súmula surgiu diante do grande número de processos decorrentes da crise financeira da construtora Encol, que culminou com sua falência em 1999.
Segundo o ministro, a análise dos julgamentos que deram origem ao enunciado sumular revela que o financiamento imobiliário do SFH foi o principal fundamento para invalidar, perante os compradores de imóveis da Encol, as hipotecas firmadas entre a construtora e os bancos. Tanto que foi consolidado no STJ o entendimento de que a Súmula 308 não se aplica nos casos de imóveis comerciais, limitando-se àqueles comprados pelo SFH.
Devedor fiduciante não é dono do imóvel
Em seu voto, o relator afirmou que não há como justificar a aplicação da Súmula 308 à alienação fiduciária, tendo em vista a distinção de tratamento jurídico entre os dois tipos de devedores: “Quando o devedor hipotecário firma um contrato de promessa de compra e venda de imóvel com terceiro de boa-fé, ele está negociando bem do qual é proprietário. No entanto, essa situação distingue-se significativamente daquela do devedor fiduciante, uma vez que, ao negociar bem garantido fiduciariamente, estará vendendo imóvel que pertence ao credor fiduciário”.
De acordo com a jurisprudência do STJ, acrescentou Antonio Carlos Ferreira, a venda a non domino (aquela realizada por quem não é dono do bem) não produz efeitos em relação ao proprietário, não importando se o terceiro adquirente agiu de boa-fé. “Se o devedor fiduciante negociou bem imóvel de titularidade do credor fiduciário sem sua expressa anuência, esse acordo apenas produzirá efeitos entre os contratantes”, completou.
O ministro observou ainda que a eventual aplicação da Súmula 308 aos contratos de alienação fiduciária poderia prejudicar os próprios consumidores, pois o aumento do risco resultaria em elevação do custo de crédito. “É essencial haver segurança jurídica e econômica nos contratos de alienação fiduciária para garantir a estabilidade das relações contratuais entre as partes envolvidas, bem como para promover o desenvolvimento econômico e o acesso ao crédito de forma responsável”, concluiu.
O colegiado levou em conta que nenhuma norma impõe à administradora a obrigação de efetuar o registro da cessão de direitos creditórios a pedido do cessionário, com o qual ela não tem nenhum vínculo.
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a administradora de consórcio não é obrigada a efetuar o registro, em seus assentamentos, a pedido do cessionário, da cessão de direitos creditórios inerentes a uma cota de consórcio cancelada.
Segundo o processo, uma empresa adquiriu, por meio de instrumento particular, os direitos de crédito relativos a uma cota de consórcio cancelada. Na sequência, ajuizou ação contra a administradora do consórcio para que esta fosse obrigada a anotar, em seu sistema, que ela – a empresa adquirente – havia se tornado cessionária do crédito, e por isso a administradora deveria se abster de pagar o crédito cedido ao consorciado cedente, “sob pena de ter que pagar de novo”.
O juízo de primeiro grau negou os pedidos, por entender que a cessão de cota de consórcio deve observar o disposto no artigo 13 da Lei 11.795/2008. Contudo, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) reformou a sentença e condenou a administradora a anotar em seu sistema a cessão realizada.
No recurso ao STJ, a administradora do consórcio sustentou que, para haver uma transferência de cotas, a sua anuência prévia seria indispensável, mas essa regra não foi observada no caso.
Regulamento do consórcio tem regra para transferência
Segundo o relator, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, a jurisprudência do STJ entende que a eficácia de uma cessão de crédito está condicionada apenas à notificação do devedor, como disposto no artigo 290 do Código Civil (CC).
Apesar disso, o ministro ressaltou que não se pode desconsiderar o artigo 286 do mesmo código, que dispõe que o credor pode ceder o seu crédito desde que isso não contrarie a convenção firmada com o devedor.
O relator observou, no entanto, que esse não seria o aspecto mais importante para a solução da controvérsia, tendo em vista que, na demanda, não foram questionadas propriamente a validade e a eficácia da cessão de crédito, mas apenas o dever de anotação e registro do negócio jurídico celebrado pelo consorciado com um terceiro, e a pedido deste, nos assentamentos cadastrais da administradora de consórcio.
Não há lei que obrigue o registro
Villas Bôas Cueva destacou que “não há, nem na Lei 11.795/2008 nem nas normas editadas pelo órgão regulador e fiscalizador (Resolução BCB 285/2023), nenhuma disposição obrigando a administradora de consórcio a efetuar o registro da cessão de direitos creditórios, a pedido do cessionário, com o qual aquela não mantém nenhum vínculo obrigacional”.
Ele enfatizou que, mesmo sendo válida a cessão de crédito – questão que não estava em julgamento –, não se poderia criar a obrigatoriedade de anotação e registro do negócio jurídico, como pretendido pela autora da ação.
“Deve o cessionário assumir os riscos de sua atividade, não podendo impor à administradora de consórcios obrigações que ela só tem para com o próprio consorciado”, concluiu o relator.
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