Herdeiros coproprietários respondem solidariamente por dívida condominial, mesmo além do quinhão hereditário

A viúva e os herdeiros alegavam que deveriam responder pela dívida apenas no limite do quinhão de cada um, mas a Terceira Turma entendeu que a solidariedade afasta essa regra legal.

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, decidiu que, subsistindo o regime de copropriedade sobre um imóvel após a partilha, por ato voluntário dos coerdeiros que aceitaram a herança, esses sucessores coproprietários respondem solidariamente pelas despesas condominiais, independentemente da expedição do formal de partilha, resguardado o direito de regresso previsto no artigo 283 do Código Civil (CC).

O colegiado entendeu também que, nesse caso, em razão da solidariedade, não se aplica a regra legal que limita a obrigação de cada herdeiro ao valor de seu quinhão hereditário.

Um condomínio edilício ajuizou ação de cobrança contra o espólio de um homem, a viúva meeira e seis filhos do falecido, pedindo que fossem condenados solidariamente a pagar o montante de R$ 4.325,57, uma vez que teriam deixado de quitar as taxas mensais de condomínio relativas ao imóvel do qual todos eram proprietários. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) manteve a decisão de primeiro grau que julgou o pedido procedente.

No recurso ao STJ, os herdeiros e a viúva contestaram a responsabilidade solidária, alegando que, após homologada a partilha, cada herdeiro coproprietário somente responderia pela dívida condominial do imóvel na proporção do seu quinhão hereditário, ainda que não expedido o respectivo formal.

Morte é o fato gerador da posse e da propriedade dos bens herdados

O relator do recurso, ministro Marco Aurélio Bellizze, afirmou que, com a morte de uma pessoa, é aberta a sucessão, transferindo-se de imediato a posse e a propriedade dos seus bens e direitos aos sucessores, à luz do princípio da saisine previsto no artigo 1.784 do CC.

Segundo o ministro, a responsabilidade pelos débitos do falecido e por aqueles cujo fato gerador ocorra após a abertura da sucessão, mas antes da partilha, recai sobre a massa indivisível da herança, a qual pertence aos sucessores e é administrada pelo inventariante até a homologação da partilha (artigo 1.991 do CC).

Bellizze destacou que, após a partilha, a responsabilidade passa para os herdeiros, na proporção da parte de cada um na herança e limitada ao respectivo quinhão, sendo a expedição do formal de partilha mero procedimento solene destinado à regularização da posse e da propriedade dos bens, além de servir de fundamento à eventual propositura de execução forçada pelo sucessor.

Credor tem direito a exigir de um ou de alguns dos devedores a dívida comum

De outro lado, o ministro ressaltou que, quando a herança inclui imóvel do qual decorram despesas condominiais, deve-se atentar para a natureza propter rem dessas obrigações, o que possibilita ao credor cobrar a dívida de quem quer que seja o proprietário.

De acordo com Bellizze, a solidariedade, nesse caso, resulta da própria lei, na medida em que o artigo 1.345 do CC admite a responsabilização do proprietário atual do imóvel pelas despesas condominiais anteriores à aquisição do bem. Daí decorre a possibilidade de cobrança da integralidade da dívida de quaisquer dos coproprietários, ressalvado o direito de regresso do condômino que pagou toda a dívida contra os demais codevedores, nos termos do artigo 283 do CC.

O ministro, inclusive, apontou que, ao disciplinar a solidariedade passiva, o artigo 275 do CC estabeleceu que o credor tem direito de exigir e receber de um ou de alguns dos devedores, parcial ou totalmente, a dívida comum, e que caso o pagamento tiver sido parcial, todos os demais devedores continuam obrigados solidariamente pelo resto.

“Havendo, nesse contexto, solidariedade entre os coproprietários de unidade individualizada pelas despesas condominiais após a partilha, revela-se inaplicável o disposto no artigo 1.792 do CC, segundo o qual o herdeiro não responde por encargos superiores às forças da herança”, concluiu ao negar provimento ao recurso especial.

Fonte: STJ

STJN destaca decisão que isenta de tarifas bancárias o envio de pensão alimentícia ao exterior

O programa STJ Notícias que vai ao ar na TV Justiça nesta segunda-feira (4) traz como um dos destaques o julgamento em que a Terceira Turma decidiu que estão isentas de tarifas bancárias as remessas ao exterior de valores relativos ao pagamento de pensão alimentícia, fixadas judicialmente. Para o colegiado, a isenção prevista na Convenção de Nova York sobre Prestação de Alimentos no Estrangeiro para despesas judiciais deve incidir também sobre as tarifas bancárias exigidas em tais operações.

A edição aborda ainda o entendimento firmado pela Terceira Turma no sentido de que o aviso sobre a intenção do inquilino de rescindir o contrato de locação pode ser enviado por e-mail.

Outra notícia é a decisão monocrática do ministro Reynaldo Soares da Fonseca que determinou o trancamento de inquérito que investigava o prefeito de Guarujá (SP), Valter Suman, por supostos crimes de organização criminosa, corrupção e lavagem de dinheiro.

Fonte: STJ

A jurisprudência e as ações do STJ no combate à violência contra a mulher

Às vésperas do Dia Internacional da Mulher, celebrado em 8 de março, o tribunal já está perto de alcançar a meta para julgamento de processos sobre feminicídio e violência doméstica em 2024.

O Dia Internacional da Mulher, celebrado em 8 de março, é um tributo às conquistas e contribuições das mulheres ao longo da história. É um momento para reconhecer vozes e realizações que permeiam a luta contínua por igualdade em todo o mundo.

Mas o Dia Internacional da Mulher também é uma chamada à ação contra desafios persistentes. De acordo com a Pesquisa Nacional de Violência contra a Mulher, realizada pelo Instituto DataSenado em 2023, 30% das mulheres com 16 anos ou mais já foram vítimas de algum tipo de violência doméstica ou familiar praticada por homens. Ou seja, cerca de 25,4 milhões de brasileiras sofreram esse tipo de violência. Desse total, 22% declararam que algum episódio de violência ocorreu nos 12 meses anteriores à pesquisa.

O levantamento ainda mostra que 74% das brasileiras acreditam que houve aumento da violência doméstica e familiar em 2023. Essa percepção foi mais acentuada entre as pobres (78%), seguidas pelas negras, pardas e indígenas (71%), pelas brancas e amarelas (70%) e, por último, pelas mulheres com renda acima de dois salários mínimos (entre 62% e 70%).

Nesse contexto, a luta contra a violência de gênero – assim como contra as disparidades no ambiente de trabalho e outras formas de discriminação – continua sendo essencial para eliminar as barreiras que limitam o pleno desenvolvimento das mulheres.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem se empenhado para tornar mais efetivos os mecanismos legais que buscam coibir e responsabilizar os agressores. Nessa linha, por proposta da própria corte, foi firmado, nas Metas Nacionais do Poder Judiciário para 2024, o compromisso de julgar, até 31 de dezembro, todos os 19.684 processos de feminicídio e de violência doméstica distribuídos até 2022 e que ainda aguardavam uma decisão final.

Julgamento de casos de violência contra a mulher vem crescendo nos últimos anos

As metas nacionais, que expressam o compromisso dos tribunais com a prestação de uma justiça mais rápida e eficiente, são estabelecidas anualmente no Encontro Nacional do Poder Judiciário. Em dezembro do ano passado, no encontro realizado em Salvador, foi definido que a Meta 8 (prioridade para os processos sobre violência de gênero), até então aplicável à Justiça dos estados, seria encampada também pelo STJ, com o compromisso específico de julgar 100% dos casos de feminicídio e de violência doméstica e familiar contra a mulher distribuídos na corte até 2022.

De acordo com a presidente do STJ, ministra Maria Thereza de Assis Moura, a adesão à meta foi voluntária, a partir de uma manifestação de interesse do próprio tribunal. “Desde que formalizamos nossa adesão à Meta 8 – ou seja, só neste ano de 2024 –, já julgamos 40 processos relacionados a violência doméstica e a casos de feminicídio, e hoje restam apenas 251 processos pendentes entre todos os que foram distribuídos até 2022. O cumprimento da meta reflete o compromisso do Tribunal da Cidadania com a promoção da igualdade e a erradicação de toda forma de violência baseada em gênero”, afirmou a presidente.

A chefe da Assessoria de Gestão Estratégica do STJ, Elaine Nóbrega Borges, informou que, para auxiliar no cumprimento das metas que lhe são aplicáveis, o tribunal vem utilizando um painel estratégico que mostra aos gabinetes dos ministros todos os processos pendentes em cada uma delas. “Ao entrar nesse painel, os ministros têm acesso a quais são os processos vinculados aos assuntos que dizem respeito à meta. Assim, eles conseguem priorizar o julgamento e alcançar cada uma delas”, explicou.

Nos últimos anos, já vinha aumentando na corte o ritmo do julgamento de processos sobre violência de gênero. De acordo a Coordenadoria de Governança de Dados e Informações Estatísticas do STJ, só nos últimos três anos, o tribunal julgou 13.866 processos relacionados ao tema, sendo 3.770 em 2021, 4.497 em 2022 e 5.599 em 2023. Desse total, 9.312, distribuídos até 2022, integram a Meta 8.

Esse crescimento fica mais evidente no longo prazo. Em 2009, quando o STJ começou a classificar processos com esse tema, foram distribuídos 41 e julgados apenas 6 (cerca de 15%). Em 2023, o número de processos distribuídos chegou a 6.485, dos quais 4.554 foram julgados no mesmo ano, correspondendo a cerca de 70% do total dos novos casos que chegaram naquele ano. Em 2023, ainda houve o julgamento de outros 1.045 processos, que foram distribuídos em anos anteriores.

Gabinete tem equipe específica para trabalhar com processos sobre violência de gênero

Além do painel estratégico, alguns ministros organizaram seus gabinetes de maneira diferenciada para julgar os processos relacionados à Meta 8, como é o caso da ministra Daniela Teixeira. Segundo a ministra, tão logo chegam ao gabinete, os processos com essa temática são triados e encaminhados à análise de uma equipe responsável por assegurar prioridade em seu processamento.

Daniela Teixeira afirmou que o gabinete aplica a esses processos o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, observando as peculiaridades dos crimes contra mulheres e as diversas formas de violência que elas podem sofrer, para evitar a reprodução de estereótipos de gênero nas decisões.

“Por exemplo, nos processos de violência contra a mulher, eu tenho decidido que o juiz da localidade onde está a vítima é quem deve fixar as medidas protetivas cabíveis ao caso, sempre ouvindo a vítima antes. Entendo que a melhor solução para a segurança da mulher é ouvi-la, saber dela se ainda estão presentes as ameaças. Não acho razoável que eu decida, daqui de Brasília, apenas lendo as alegações do réu, sobre a segurança de uma mulher que está a milhares de quilômetros. Essas decisões não me trazem alegria, mas sim a sensação de que estou cumprindo o meu dever, analisando cada processo individualmente”, declarou.

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Nas minhas decisões, procuro sempre utilizar ferramentas para sanar as assimetrias que se apresentam nas relações jurídicas, entre elas o controle de convencionalidade, a fim de buscar a efetivação dos direitos humanos e da dignidade da mulher.

Ministra Daniela Teixeira

A ministra ainda destacou que priorizar o julgamento de processos relacionados à Meta 8 no STJ é fundamental, pois é um tema que implica violação dos direitos humanos. Ela planeja, inclusive, ultrapassar a meta em seu gabinete e chegar ao fim do ano com a conclusão do julgamento de todos os processos distribuídos até 2023, e não apenas até 2022.

Engajada na proteção dos direitos dos mais vulneráveis, Daniela Teixeira anunciou que, após o STJ cumprir a Meta 8, pretende sugerir ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) “uma meta específica para julgar os processos que envolvem violência sexual contra crianças, o chamado estupro de vulnerável”.

“Os números são assustadores e precisam ser estudados para que todos os poderes possam trabalhar harmonicamente para diminuir essa tragédia. Na triagem que realizamos no gabinete, encontramos apenas um processo de estupro de mulher e, infelizmente, 511 processos de estupro de vulnerável. Esse dado foi o que mais me chocou desde a minha chegada [ela tomou posse no tribunal em novembro último], e pretendo fazer um levantamento das condições dos processos para levar ao CNJ”, declarou.

Não é possível aplicar multa isolada em caso de violência doméstica contra a mulher

No cumprimento de sua missão de uniformizar a aplicação da legislação federal, o STJ tem proferido decisões que dão efetividade aos dispositivos e princípios instituídos no ordenamento jurídico para coibir a violência de gênero. Várias dessas decisões estão reunidas na mais nova edição de Jurisprudência em Teses, produzida pela Secretaria de Jurisprudência do STJ, com o título Julgamentos com Perspectiva de Gênero IV.

Entre os precedentes mais marcantes nessa área, a Terceira Seção definiu, no Tema 1.189 dos recursos repetitivos, que a vedação constante do artigo 17 da Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) impede a imposição, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, de pena de multa isoladamente, ainda que prevista de forma autônoma no tipo penal imputado.

O ministro Sebastião Reis Junior, relator, explicou que a intenção do legislador, ao impedir a aplicação isolada da pena de multa, foi maximizar a função de prevenção geral das penas impostas em decorrência de crimes cometidos no contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher, deixando claro para a coletividade que a agressão contra a mulher trará sérias consequências a quem a pratica, para além da esfera patrimonial.

Júri não pode afastar feminicídio mediante análise de aspectos subjetivos da motivação do crime

No julgamento do AgRg no HC 808.882, a Sexta Turma decidiu que é inviável o afastamento da qualificadora do feminicídio pelo tribunal do júri mediante a análise de aspectos subjetivos da motivação do crime, dada a natureza objetiva da qualificadora, ligada à condição de sexo feminino.

O ministro Rogerio Schietti Cruz, relator, afirmou que a decisão tomada pelos jurados, ainda que não seja a mais justa ou a mais harmônica com a jurisprudência dominante, é soberana (artigo 5º, XXXVIII, alínea “c”, da Constituição). Contudo, segundo o magistrado, tal princípio é mitigado quando os jurados proferem uma decisão em manifesta contrariedade às provas, casos em que o veredicto deve ser anulado pela instância revisora, e o réu submetido a novo julgamento perante o tribunal do júri.

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Comprovado que a morte da mulher se deu em contexto de violência doméstica e familiar ou de menosprezo ou discriminação de gênero, deverá incidir a qualificadora.
HC 808.882

Ministro Rogerio Schietti Cruz

“Desse modo, deveria haver sido reconhecida a qualificadora do feminicídio, uma vez que se tratou de homicídio praticado em contexto de violência doméstica e familiar contra a vítima”, disse o relator.

Pena agravada para quem agride a mulher no ambiente doméstico

Para a Quinta Turma, a aplicação da agravante prevista no artigo 61, inciso II, alínea “f”, do Código Penal na condenação por lesão corporal em contexto de violência doméstica, por si só, não configura bis in idem.

Ao julgar o REsp 1.998.980, o ministro Joel Ilan Paciornik, relator, apontou que a figura qualificada ou a causa de aumento de pena previstas, respectivamente, nos parágrafos 9º e 10 do artigo 129 do Código Penal não incidem na mesma situação que a agravante genérica do artigo 61, inciso II, “f”, não resultando, assim, em dupla punição pelo mesmo ato.

Segundo o relator, a causa de aumento busca punir mais gravemente o agente que pratica a lesão corporal utilizando-se das relações familiares ou domésticas, circunstância que torna a vítima mais vulnerável ao seu agressor e também eleva as chances de impunidade. Nesse contexto, o magistrado destacou que a vítima pode ser tanto homem quanto mulher, já que a ação não é movida pelo gênero do ofendido.

Por outro lado, o ministro explicou que a agravante genérica prevista no artigo 61, inciso II, alínea “f”, visa punir o agente que pratica crime contra a mulher em razão de seu gênero, cometido ou não no ambiente familiar ou doméstico. “Ou seja, a aplicação conjunta da agravante e da causa de aumento pune o agressor pela violência doméstica contra a mulher”, afirmou.

Agravante por parentesco pode ser aplicada juntamente com a qualificadora de feminicídio

Entendimento parecido foi fixado no REsp 2.007.613, de relatoria do ministro Ribeiro Dantas. Nesse processo, a Quinta Turma entendeu que não há bis in idem na incidência da agravante do artigo 61, inciso II, alínea “e”, do Código Penal – que tutela o dever de cuidado nas relações familiares – e da qualificadora do feminicídio.

Ribeiro Dantas ressaltou que a agravante apenas eleva a punição pela insensibilidade moral do agente que violou o dever de apoio mútuo existente entre parentes, enquanto a qualificadora se refere a situação distinta, qual seja, a violência praticada contra a mulher em contexto caracterizado por relação de poder e submissão.

“Logo, sendo distintas as condições valoradas nas diversas fases da dosimetria, não há se falar em bis in idem“, concluiu.

É possível dispensar exame de corpo de delito quando existem outras provas do crime

Em outro julgamento relevante (AgRg HC 843.482), a Quinta Turma entendeu que, na hipótese de lesão corporal em contexto de violência doméstica, é possível a dispensa do exame de corpo de delito, caso existam outras provas idôneas da materialidade do crime.

O relator, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, apontou que, no caso em julgamento, não foi feito exame pericial, mas a condenação do réu se baseou no depoimento detalhado da companheira agredida – o qual é particularmente importante quando se trata de violência doméstica. No depoimento, a vítima informou com clareza o modo como foi agredida e as datas dos fatos.

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Nos crimes praticados no âmbito de violência doméstica, a palavra da vítima possui especial relevância, uma vez que são cometidos, em sua grande maioria, às escondidas, sem a presença de testemunhas.
HC 843.482

Ministro Reynaldo Soares da Fonseca

Além disso, de acordo com o ministro, foram incluídas no processo fotos das lesões no rosto da vítima e evidências trazidas por testemunhas – especialmente o relato de um policial, que disse ter visto a vítima logo após o crime e que ela lhe mostrou as lesões causadas pelos socos do agressor.

Opinião da vítima não afeta manutenção da prisão preventiva do acusado

A manifestação da vítima sobre a revogação de medidas protetivas de urgência é irrelevante quando se discute a manutenção da prisão preventiva do acusado, pois a custódia cautelar, fundada na gravidade concreta da conduta, não está na esfera de disponibilidade da vítima de violência doméstica. Esse entendimento foi fixado pela Sexta Turma no julgamento do AgRg HC 768.265.

O relator do habeas corpus, ministro Rogerio Schietti Cruz, afirmou que a competência para analisar a necessidade e a adequação da prisão preventiva é reservada ao Poder Judiciário, de modo que não cabe à vítima decidir se abre mão da medida imposta ao acusado.

O magistrado ainda ressaltou que, conforme foi apontado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), o crime contra a integridade física da mulher, no contexto da Lei Maria da Penha, é de ação pública incondicionada (movida pelo Ministério Público sem a necessidade de pedido da vítima) e dispensa qualquer ato por parte da ofendida para ter andamento. Assim, segundo o ministro, o pedido superveniente da vítima para que sejam revogadas as medidas protetivas não é motivo suficiente para substituir a prisão por outras medidas cautelares.

É possível aumentar a pena se a violência extrapola o normal do crime

Em 2022, ao julgar o AgRg no HC 697.993, a Quinta Turma fixou a tese segundo a qual, no contexto de violência doméstica contra a mulher, é possível aumentar a pena-base quando a intensidade da agressão extrapola a normalidade característica daquele tipo de crime.

No caso, um homem espancou sua companheira com um pedaço de madeira até ela perder os sentidos. Ao STJ, a defesa alegou que a pena-base foi fixada acima do mínimo legal de forma desproporcional. Sustentou que não foram observados os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, visto que o juízo de primeiro grau não teria apresentado motivos válidos para o aumento da pena-base.

O ministro Joel Ilan Paciornik ponderou que, como o agressor bateu na vítima com um pedaço de madeira até que ela perdesse os sentidos, a culpabilidade do ato extrapolou a previsão legal. Segundo o ministro, a culpabilidade, que corresponde ao grau de reprovabilidade da conduta, excedeu o nível comum do tipo penal, justificando a valoração negativa dessa circunstância prevista no artigo 59, caput, do Código Penal.

Realidade social por trás da Meta 8 tem sido uma preocupação do STJ em sua atuação institucional

Para além da jurisprudência, a realidade social que motivou a Meta 8 tem sido uma forte preocupação do STJ em sua atuação institucional. Foi assim que o tribunal aderiu à Campanha Sinal Vermelho, de combate à violência doméstica, e vem se engajando, anualmente, na campanha 21 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra a Mulher, na qual são desenvolvidas atividades internas e externas de conscientização sobre os vários cenários da violência de gênero.

Além disso, em 2020, a corte instituiu a Ouvidoria das Mulheres, que se tornou o primeiro canal especializado de escuta ativa desse tipo entre os tribunais brasileiros. Por meio dela, magistradas, servidoras, estagiárias e colaboradoras do STJ têm a oportunidade de apresentar sugestões, elogios, reclamações e denúncias relacionadas à igualdade de gênero, à participação feminina e a casos de violência.

Tribunal inspirou CNJ a instituir vagas para mulheres em situação de vulnerabilidade

Em 2022, por meio da Instrução Normativa 15/2022, o STJ adotou uma cota para mulheres em situação de vulnerabilidade econômica, decorrente de violência doméstica e familiar, nos seus contratos de prestação de serviços. Segundo a instrução normativa, os contratos de serviços contínuos com previsão de contratação de no mínimo 50 colaboradores devem reservar 4% das vagas para mulheres vítimas de violência doméstica.

A iniciativa, pioneira no Poder Judiciário, inspirou a Resolução 497/2023 do CNJ, que criou em todo o território nacional o Programa Transformação, com critérios para que os tribunais e os conselhos da Justiça reservassem vagas, nos contratos de prestação de serviços continuados e terceirizados, para as mulheres em condição de vulnerabilidade.

A resolução do CNJ ampliou a proposta da Instrução Normativa 15/2022 e, além das vítimas de violência no contexto doméstico e familiar, incluiu outras classes de vulneráveis no programa, tais como mulheres trans e travestis, migrantes e refugiadas, mulheres em situação de rua, egressas do sistema prisional, indígenas, campesinas e quilombolas. Além disso, a reserva de vagas passou a ser de no mínimo 5% nos contratos que previam a contratação de pelo menos 25 colaboradores.

Ketlin Feitosa Scartezini, titular da Assessoria de Gestão Sustentável do STJ, participou tanto da construção do normativo do tribunal quanto do programa do CNJ. Para ela, o STJ deu um salto em sua condição de Tribunal da Cidadania ao ter inspirado uma norma como a Resolução 497/2023.

“Como órgão de Estado, devemos sempre fomentar e executar esse tipo de política pública social. Uma resolução que tem cunho obrigatório, como é o caso dessa que veio do CNJ, cria inúmeras possibilidades de emprego, ampliando o mercado de trabalho para as mulheres”, afirmou.

Fonte: STJ

Consumidor pode exigir medidas reparatórias após 30 dias do prazo para conserto do produto com defeito

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a extrapolação do prazo de 30 dias para conserto de produto com defeito dá ao consumidor o direito de exigir uma das medidas reparatórias previstas no artigo 18, parágrafo 1º, do Código de Defesa do Consumidor (CDC): a substituição do bem, a restituição imediata do valor pago ou o abatimento proporcional do preço. De acordo com o colegiado, caso o consumidor opte pela restituição da quantia paga, o fato de ter permanecido utilizando o produto não afasta a incidência de juros de mora.

O caso julgado diz respeito a um consumidor que, ao longo de sete meses, fez tentativas infrutíferas de solucionar o defeito de um carro novo comprado em concessionária Renault. Ao acionar a Justiça, ele pediu a restituição do dinheiro que havia pago. O juízo de primeiro grau negou o pedido, entendendo que o defeito seria causado pelo desgaste natural de uma peça, a qual fora substituída em uma das idas à oficina.

Com base em laudo pericial que atestou a existência de vício do produto, o Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA) determinou a imediata restituição do valor e o pagamento de indenização por danos morais, com juros e correção monetária.

No recurso ao STJ, a fabricante do carro alegou que o consumidor apenas poderia optar por uma das medidas reparatórias do CDC se o produto tivesse se tornado inadequado ao consumo ou tivesse seu valor reduzido. Sustentou também que o acréscimo de juros de mora ao valor restituído representaria enriquecimento ilícito, pois as perdas e danos do consumidor teriam sido compensadas pelo uso do carro.

Consumidor não pode arcar com ineficácia da correção do problema

A relatora do caso no STJ, ministra Nancy Andrighi, explicou que o CDC atribuiu ao fornecedor o dever de zelar pela qualidade de seu produto; se não o cumpre, o código determina a correção do defeito no prazo máximo de 30 dias.

Para a ministra, esse prazo deve ser contado, sem interrupção ou suspensão, desde a primeira manifestação do vício até seu efetivo reparo, não se renovando a cada vez que o bem é levado ao fornecedor para correção do problema. A partir da extrapolação do prazo de 30 dias, o consumidor passa a ter o direito de recorrer aos mecanismos reparatórios previstos no artigo 18 do CDC.

Nancy Andrighi esclareceu que o uso do produto com defeito durante a tramitação do processo não altera as consequências naturais do descumprimento da obrigação pelo fornecedor. “Conforme já decidiu esta corte no REsp 1.297.690, não é legítimo esperar que o consumidor tenha que suportar, indefinidamente, os ônus da ineficácia dos meios empregados para a correção do problema apresentado”, asseverou a ministra.

Juros são decorrência do descumprimento da obrigação

Com relação aos juros de mora, a ministra disse que sua função é ressarcir o credor pelo atraso no pagamento da dívida, sendo, portanto, uma consequência do inadimplemento, conforme estabelece o artigo 395 do Código Civil.

Ao citar precedente da Terceira Turma (REsp 2.000.701), Nancy Andrighi confirmou que a opção do consumidor pela restituição da quantia paga nada mais é do que o direito de resolver o contrato em razão do inadimplemento por parte do fornecedor. “Ou seja, se o fornecedor, interpelado, judicial ou extrajudicialmente, não restitui de forma imediata, pratica ato ilícito relativo, devendo arcar com os juros de mora que lhe são inerentes”, declarou.

Leia o acórdão no REsp 2.101.225.

Fonte: STJ

Banco responde por transações realizadas após comunicação do roubo do celular

A vítima ajuizou ação indenizatória alegando que avisou o banco sobre o roubo, mas a instituição não impediu as transações financeiras pelo aplicativo e se recusou a ressarci-la dos prejuízos.

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por maioria, decidiu que, na hipótese de roubo do aparelho celular, a instituição financeira responde pelos danos decorrentes de transações realizadas por terceiro por meio do aplicativo do banco após a comunicação do fato. Segundo o colegiado, o ato praticado pela pessoa que roubou o celular não se caracteriza como fato de terceiro apto a romper o nexo de causalidade estabelecido com o banco.

Uma mulher ajuizou ação de indenização por danos materiais e morais contra o Banco do Brasil, buscando ser ressarcida dos prejuízos causados em decorrência de transações bancárias realizadas por terceiro que roubou seu celular. A mulher alegou que, embora tenha informado o banco acerca do fato, este não teria impedido as transações e se recusou a ressarci-la.

O juízo de primeiro grau julgou procedentes os pedidos e condenou o banco a ressarcir à autora o valor de R$ 1.500 e ao pagamento de R$ 6.000 a título de compensação por dano moral. O Tribunal de Justiça de São Paulo, no entanto, deu provimento à apelação interposta pelo banco, por considerar que ficou caracterizado, no caso dos autos, o fortuito externo, não havendo que se falar em prestação de serviço bancário defeituoso ou de fortuito interno.

No recurso ao STJ, a mulher sustentou que o ocorrido não se caracteriza como fortuito externo, mas sim risco inerente à atividade bancária, uma vez que é dever do banco adotar as ferramentas necessárias para evitar fraudes.

É dever da instituição financeira verificar a regularidade e a idoneidade das transações

A ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso, observou que, nos termos do artigo 14, parágrafo 1°, do Código de Defesa do Consumidor (CDC), o serviço é considerado defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele espera, levando-se em consideração circunstâncias relevantes, como o modo de seu fornecimento, o resultado e os riscos que razoavelmente dele se pressupõem, e a época em que foi fornecido.

A relatora explicou que o dever de segurança consiste na exigência de que os serviços ofertados no mercado ofereçam a segurança esperada, ou seja, não tenham por resultado dano aos consumidores individual ou coletivamente. Segundo Nancy, é com base nisso que o artigo 8º do CDC admite que se coloquem no mercado apenas produtos e serviços que ofereçam riscos razoáveis e previsíveis, isto é, que não sejam potencializados por falhas na atividade econômica desenvolvida pelo fornecedor.

“É dever da instituição financeira verificar a regularidade e a idoneidade das transações realizadas pelos consumidores, desenvolvendo mecanismos capazes de dificultar a prática de delitos. O surgimento de novas formas de relacionamento entre cliente e banco, em especial por meio de sistemas eletrônicos e pela internet, reafirmam os riscos inerentes às atividades bancárias. É imperioso, portanto, que instituições financeiras aprimorem continuamente seus sistemas de segurança”, afirmou.

Cabia ao banco adotar as medidas de segurança necessárias para obstar transações

A ministra também destacou que o fato exclusivo de terceiro é a atividade desenvolvida por uma pessoa que, sem ter qualquer vinculação com a vítima ou com o causador aparente do dano, interfere no processo causal e provoca com exclusividade o evento lesivo. “No entanto, se o fato de terceiro ocorrer dentro da órbita de atuação do fornecedor, ele se equipara ao fortuito interno, sendo absorvido pelo risco da atividade”, ressaltou.

Dessa forma, a relatora apontou que, ao ser informado do roubo, cabia ao banco adotar as medidas de segurança necessárias para obstar a realização de transações financeiras via aplicativo de celular. Para Nancy, a não implementação das providências cabíveis configura defeito na prestação dos serviços bancários por violação do dever de segurança (artigo 14 do CDC).

“O nexo de causalidade entre os prejuízos suportados pela autora e a conduta do banco – melhor dizendo, ausência de conduta – decorrem do fato de que este poderia ter evitado o dano se tivesse atendido à solicitação da recorrente tão logo formulada. O ato praticado pelo infrator do aparelho celular não caracteriza, então, fato de terceiro apto a romper o nexo de causalidade estabelecido com o banco”, concluiu a ministra ao dar provimento ao recurso interposto pela mulher.

Leia o acórdão no REsp2.082.281.

Fonte: STJ

Tribunal determina isenção de tarifas bancárias na remessa de pensão alimentícia ao exterior

Os ministros entenderam que a isenção prevista na Convenção de Nova York não se aplica apenas às despesas judiciais, pois o objetivo é facilitar o atendimento das necessidades do alimentando.

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ)decidiu, por maioria, que estão isentas de tarifas bancárias as remessas ao exterior de valores relativos ao pagamento de pensão alimentícia, fixadas judicialmente. O colegiado entendeu que a isenção prevista na Convenção de Nova York sobre Prestação de Alimentos no Estrangeiro para despesas judiciais deve incidir também sobre as tarifas bancárias exigidas em tais operações.

O Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública para que um banco deixasse de cobrar tarifas nas operações relativas a pensões alimentícias pagas no Brasil e remetidas ao alimentando residente no exterior. O juízo de primeiro grau deferiu o pleito, o que foi mantido pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) ao negar provimento à apelação do banco.

No recurso ao STJ, o banco pediu a reforma do acórdão do TRF3, sob o fundamento de que não haveria norma no ordenamento jurídico brasileiro que regulamentasse a isenção das tarifas. A instituição financeira também alegou sua ilegitimidade para integrar o polo passivo e sustentou que o Ministério Público não seria parte legítima para propor a ação, pois não estaria caracterizado o interesse social no caso, mas apenas interesses individuais.

Cobrança de tarifas bancárias dificulta concretização do direito a alimentos

Para o relator, ministro Humberto Martins, a cobrança de tarifas para envio de verba alimentar ao exterior representa um obstáculo à concretização do direito aos alimentos.

Martins afirmou que a interpretação literal da Convenção de Nova York pode levar à conclusão de que a isenção de despesas mencionada em seu artigo IX se refere exclusivamente aos trâmites judiciais, mas o objetivo dessa dispensa é “facilitar a obtenção de alimentos, e não apenas a propositura de uma ação de alimentos”.

Segundo o ministro, a isenção deve compreender todos os procedimentos necessários à efetivação da decisão judicial, estendendo-se às tarifas do serviço bancário de remessa de valores para o exterior. Ele invocou precedentes do STJ segundo os quais o benefício da justiça gratuita também alcança os atos extrajudiciais indispensáveis à efetividade da prestação jurisdicional, como a obtenção de certidões de imóveis para ajuizamento da ação ou as providências necessárias à execução da sentença.

“Assim, como a remessa para o exterior de verba alimentar fixada judicialmente representa a efetivação da decisão judicial e, consequentemente, a obtenção dos alimentos, a isenção prevista na Convenção de Nova York deve incidir também sobre as tarifas bancárias exigidas em tal operação, independentemente de norma regulamentar editada pelo Banco Central do Brasil”, declarou.

Martins comentou ainda que, embora o pagamento das tarifas bancárias seja obrigação do alimentante, “a oneração do devedor pode comprometer a remessa da verba alimentar, caracterizando-se como uma das dificuldades que a convenção pretendeu eliminar”.

Defender direitos indisponíveis é papel do Ministério Público

O ministro esclareceu que o direito aos alimentos é um direito indisponível, cuja defesa está entre as atribuições constitucionais do Ministério Público. Ele ressaltou que a legitimidade ativa da instituição, além de amparada pela Constituição Federal, apoia-se no artigo VI da Convenção de Nova York e no artigo 26 da Lei de Alimentos, que lhe atribuem a função de instituição intermediária para garantir a prestação alimentícia.

Quanto à legitimidade passiva do banco, o ministro indicou entendimento já sedimentado no STJ de que as condições da ação – entre elas, a legitimidade – devem ser verificadas a partir das afirmações constantes na petição inicial, conforme preceitua a Teoria da Asserção. Como a petição afirma que o banco vem cobrando as tarifas, o relator concluiu que sua legitimidade passiva é evidente, “já que se pretende a cessação da cobrança”.

Fonte: STJ

Cláusula de renúncia às benfeitorias em contrato de aluguel não se estende às acessões

Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a cláusula de contrato de locação imobiliária que prevê renúncia à indenização por benfeitorias e adaptações não pode ser estendida à hipótese de acessão (aquisição do direito de propriedade sobre os acréscimos feitos no imóvel).

A partir desse entendimento, o colegiado restabeleceu a sentença que reconheceu o direito de um empresário a ser ressarcido depois de construir uma academia em propriedade alugada, mas não conseguir viabilizar o negócio por falta de regularização que dependia da locadora.

“A obra realizada pelo locatário configurou uma acessão – e não uma mera benfeitoria, até porque o valor por ele investido no imóvel alcançou um montante elevado, que supera o senso comum para uma simples adaptação do bem para suas atividades”, avaliou o relator do caso, ministro Marco Aurélio Bellizze.

Ação apontou enriquecimento sem causa da proprietária

Sem poder iniciar as atividades da academia, o empresário parou de pagar os aluguéis até que a situação do imóvel fosse regularizada, mas se viu obrigado a deixar o local devido à ação de despejo movida pela proprietária. Posteriormente, o imóvel foi alugado para outra pessoa que fez uso de toda a estrutura construída.

Por essa razão, o antigo locatário ajuizou ação alegando enriquecimento sem causa da dona do imóvel e pedindo indenização por danos materiais.

O juízo de primeiro grau acolheu o pedido, mas a decisão foi reformada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP). A corte entendeu que a cláusula de renúncia ao direito de indenização estabelecida no contrato de locação abrangeria não só as benfeitorias, mas todas as alterações feitas no imóvel. Nessa situação, estaria incluída a construção (acessão) feita para adequar o local à atividade que o locatário pretendia desenvolver.

Benfeitoria e acessão não podem ser tratadas da mesma forma

O ministro Bellizze apontou que a existência de uma nova construção no imóvel ficou claramente demonstrada no processo, havendo divergência entre as instâncias ordinárias quanto ao alcance da cláusula de renúncia a indenizações.

Segundo o relator, é preciso diferenciar os conceitos de benfeitoria e acessão, institutos que não podem ser tratados da mesma forma: a primeira é uma melhoria de natureza acessória realizada em coisa já existente, enquanto a acessão é a aquisição da propriedade de acréscimos, nas formas previstas no artigo 1.248 do Código Civil (CC).

“Por isso, mostra-se inviável estender a previsão contratual de renúncia à indenização por benfeitoria também à acessão, notadamente porque o artigo 114 do CC determina que ‘os negócios jurídicos benéficos e a renúncia interpretam-se estritamente'”, observou Bellizze.

Código Civil prevê indenização para locatário que age de boa-fé

O magistrado ressaltou ainda que o locatário não pôde explorar a academia por falta de alvará de funcionamento, o qual não foi obtido devido ao desinteresse da proprietária do imóvel. “Ou seja, o locatário foi impedido de iniciar suas atividades em decorrência de ato da locadora”, disse, lembrando que, segundo o artigo 1.255 do CC, quem edifica em terreno alheio perde a construção para o proprietário, mas tem direito à indenização se agiu de boa-fé.

“O locatário procedeu de boa-fé, inclusive mediante autorização da locadora para a realização das obras, podendo-se cogitar a má-fé da proprietária, consoante presunção do artigo 1.256, parágrafo único, do CC, já que a construção se deu com o seu conhecimento e sem impugnação de sua parte”, concluiu o relator ao dar provimento ao recurso especial.

Leia o acórdão no REsp 1.931.087.

Fonte: STJ

Processo de recuperação judicial pode ser suspenso se empresa não comprovar regularidade fiscal

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou que é válida a exigência de apresentação de certidões de regularidade fiscal como condição para a concessão da recuperação judicial, especialmente depois da entrada em vigor da Lei 14.112/2020, que aumentou para dez anos o prazo de parcelamento dos débitos tributários das empresas em recuperação.

Segundo o colegiado, se não houver comprovação da regularidade fiscal, como exige o artigo 57 da Lei 11.101/2005, o processo recuperacional deverá ser suspenso até o cumprimento da exigência, sem prejuízo da retomada das execuções individuais e dos eventuais pedidos de falência.

O caso julgado diz respeito a um grupo empresarial cujo plano de recuperação foi aprovado pela assembleia geral de credores. Na sequência, o juízo informou que, para haver a homologação do plano e a concessão da recuperação judicial, o grupo deveria juntar em 30 dias, sob pena de extinção do processo, as certidões negativas de débitos (CND) tributários, conforme exige a lei, ou comprovar o parcelamento de eventuais dívidas tributárias. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) negou provimento à apelação das recuperandas.

Ao STJ, o grupo de empresas alegou que o crédito tributário não se sujeita à recuperação judicial. Sustentou também que a falta de apresentação das certidões negativas não pode ser impedimento para a concessão da recuperação, tendo em vista os princípios da preservação da empresa e de sua função social.

Exigência de regularidade fiscal equilibra os fins do processo recuperacional

O relator do recurso, ministro Marco Aurélio Bellizze, observou que a Lei 14.112/2020 entrou em vigor com o objetivo de aprimorar os processos de recuperação e de falência, buscando corrigir as inadequações apontadas pela doutrina e pela jurisprudência entre as disposições da Lei 11.101/2005 e a prática.

De acordo com o ministro, a partir da nova lei – que estabeleceu uma melhor estrutura para o parcelamento fiscal das empresas em recuperação e possibilitou a realização de transações relativas a créditos em dívida ativa –, é possível afirmar que o legislador quis dar concretude à exigência de regularidade fiscal da recuperanda. Segundo Bellizze, essa exigência, como condição para a concessão da recuperação, foi a forma encontrada pela lei para equilibrar os fins do processo recuperacional em toda a sua dimensão econômica e social, de um lado, e o interesse público titularizado pela Fazenda Pública, de outro.

“Justamente porque a concessão da recuperação judicial sinaliza o almejado saneamento, como um todo, de seus débitos, a exigência de regularidade fiscal da empresa constitui pressuposto da decisão judicial que a declare”, afirmou.

O relator também ressaltou que, confirmando a obrigatoriedade de comprovação da regularidade fiscal como condição para a concessão da recuperação judicial, a nova redação do artigo 73, inciso V, da Lei 11.101/2005 estabelece que o descumprimento do parcelamento fiscal é causa de transformação da recuperação em falência.

Princípio da preservação da empresa não justifica dispensar certidões

“Não se afigura mais possível, a pretexto da aplicação dos princípios da função social e da preservação da empresa veiculados no artigo 47 da Lei 11.101/2005, dispensar a apresentação de certidões negativas de débitos fiscais (ou de certidões positivas com efeito de negativas), expressamente exigidas pelo artigo 57 do mesmo veículo normativo, sobretudo após a implementação, por lei especial, de um programa legal de parcelamento factível, que se mostrou indispensável à sua efetividade e ao atendimento a tais princípios”, concluiu o ministro ao negar provimento ao recurso especial.

É cabível recurso adesivo à apelação do advogado da parte contrária que apenas discute honorários

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, considerou válida a interposição de recurso adesivo quando a apelação é apresentada pelo advogado da parte contrária exclusivamente para discutir honorários de sucumbência. A partir desse entendimento, o colegiado rejeitou recurso especial segundo o qual não deveria ser conhecido um recurso adesivo vinculado à apelação em que o advogado apenas pretendia modificar a decisão sobre honorários.
“Trata-se de posicionamento que melhor se adequa à teleologia do recurso adesivo, porquanto propicia a democratização do acesso à Justiça e o contraditório ampliado”, destacou a relatora do caso, ministra Nancy Andrighi. A origem do recurso especial foi uma ação de cobrança na qual um homem foi condenado a pagar R$ 35 mil a uma gráfica. Nenhuma das partes recorreu quanto ao mérito da decisão, mas a defesa do homem entrou com apelação alegando a ocorrência de erro no cálculo da verba honorária. O Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) julgou prejudicada a apelação e deu provimento ao recurso adesivo da empresa. No recurso especial, o devedor argumentou que apenas o autor e o réu de uma ação teriam legitimidade para entrar com recurso adesivo, instrumento processual que não poderia ser utilizado para apelo de terceiro – no caso, o advogado interessado em discutir a fixação de honorários.

Doutrina admite recurso adesivo a partir de apelação do advogado

A ministra Nancy Andrighi explicou que o recurso adesivo é admitido na hipótese de sucumbência recíproca entre as partes e se sujeita ao recurso principal, mas não há relação de subordinação quanto à matéria debatida pelo recurso principal. Segundo a relatora, a controvérsia diz respeito à legitimidade para interposição do recurso adesivo. Em sua avaliação, a interpretação literal do artigo 997, parágrafo 1º, do Código de Processo Civil leva a crer que ele só poderia ser interposto pelas partes do processo e desde que uma delas tivesse apresentado o recurso principal. No entanto, Nancy Andrighi disse se alinhar à corrente doutrinária que admite a possibilidade de interposição do recurso adesivo a partir de apelação exclusiva do advogado, pois esse entendimento “amplia a legitimidade para recorrer adesivamente”.

Atuação do advogado se assemelha à de parte processual

A ministra apontou que a jurisprudência do STJ já reconheceu a legitimidade concorrente da parte e do advogado para discutir verba honorária, o que permite concluir que os advogados que ingressam no processo para discutir direito próprio atuam com feição de parte processual. “Logo, deve-se permitir a interposição de recurso adesivo quando interposto recurso principal pelos patronos da contraparte”, finalizou a relatora. Posteriormente, o colegiado ainda rejeitou embargos de declaração do recorrente, por entender que não houve omissão quanto à análise dos argumentos submetidos ao tribunal. Fonte: STJ

Divulgação permanente do edital de credenciamento de leiloeiros só é obrigatória após nova Lei de Licitações

Para a Primeira Turma, a obrigatoriedade só existe após a opção formal da administração pública pelo sistema de credenciamento, procedimento que não era expressamente previsto na lei antiga.

A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu que a administração pública só é obrigada a divulgar edital de credenciamento de leiloeiros oficiais de forma permanente na internet após a vigência da nova Lei de Licitações (Lei 14.133/2021). Para o colegiado, a obrigatoriedade só existe após a administração optar formalmente pelo sistema de credenciamento, procedimento que não era expressamente previsto na Lei 8.666/1993.

O entendimento foi estabelecido pela turma ao julgar recurso em mandado de segurança de um leiloeiro que buscava a sua inclusão em lista de credenciados para participar de futuros leilões da Secretaria de Infraestrutura e Mobilidade de Santa Catarina, publicada pelo órgão em 2014. Subsidiariamente, o leiloeiro pedia que a secretaria fosse obrigada a publicar e manter na internet o edital de credenciamento, nos termos do artigo 79, parágrafo único, inciso I, da Lei 14.133/2021.

A ministra Regina Helena Costa, relatora, apontou que, embora a Lei 8.666/1993 não previsse expressamente a modalidade de credenciamento de leiloeiros, o sistema era admitido pelo Tribunal de Contas da União (TCU) como hipótese de inexigibilidade de licitação, nos casos em que o interesse público permitisse a contratação de todos aqueles que satisfizessem as condições fixadas pelo poder público, sem critérios de preferência.

Credenciamento é mecanismo auxiliar das licitações

Incorporando o entendimento do TCU – comentou a ministra –, a Lei 14.133/2021, em seu artigo 6º, inciso XLIII, passou a definir o credenciamento como o processo administrativo de chamamento público no qual a administração convoca interessados em prestar serviços ou fornecer bens para se credenciarem no órgão. O credenciamento é disciplinado entre os mecanismos auxiliares das licitações previstos pelos artigos 78, inciso I, e 79 da nova Lei de Licitações.

A ministra lembrou que o artigo 79, parágrafo único, da lei fixa alguns parâmetros a serem observados pela administração nessas hipóteses, em especial a obrigatoriedade de manter o edital de chamamento no site oficial, como forma de permitir em caráter permanente o cadastramento de novos interessados.

“Essa exigência tem por escopo atender aos princípios da transparência e da impessoalidade, impondo à administração não apenas o dever de informar aos potenciais licitantes os requisitos para o credenciamento, mas, sobretudo, a obrigação de contemplar todos os sujeitos qualificados enquanto perdurar o interesse público na elaboração de lista de credenciados, interditando-se, por conseguinte, o estabelecimento de data limite para a postulação de novos candidatos”, completou.

Não há direito subjetivo ao credenciamento do leiloeiro

Regina Helena Costa afirmou que não existe direito subjetivo ao credenciamento, o qual depende da análise da administração acerca do atendimento, pelos leiloeiros interessados, dos requisitos definidos no edital de convocação.

“De outra parte, ultimado o procedimento, os postulantes que atenderem às exigências editalícias passam a deter mera expectativa de direito à futura contratação, a qual deverá ser instrumentalizada mediante processos de inexigibilidade ou dispensa de licitação, notadamente em razão da impossibilidade de competição entre todos os sujeitos habilitados à execução do objeto do contrato”, disse ela.

Em relação ao leilão, a relatora apontou que, de acordo com o artigo 31 da nova Lei de Licitações, o procedimento pode ser conduzido por servidor designado ou por leiloeiro oficial, mas, nesse último caso, a seleção deve se dar, obrigatoriamente, mediante credenciamento ou licitação na modalidade pregão.

No caso dos autos, Regina Helena Costa apontou que não haveria como obrigar a administração a publicar o edital de chamamento na forma pleiteada pelo leiloeiro, não apenas porque o cadastramento só passou a ser obrigatório após a Lei 14.133/2011, como também porque o órgão público é competente para decidir, com base em critérios de conveniência e oportunidade, sobre o tipo de procedimento licitatório a ser realizado e sobre quem será  o responsável pela condução de eventual leilão – se um servidor designado ou um leiloeiro.

Fonte: STJ