STJ vai fixar tese sobre citação por app de mensagens ou redes sociais em ações civis

A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça vai definir tese vinculante sobre a validade da citação em ações cíveis por meio de aplicativo de mensagens ou de redes sociais.

O colegiado afetou dois recursos especiais ao rito dos repetitivos, sob relatoria do ministro Sebastião Reis Júnior. A previsão regimental é de que o julgamento seja feito em até um ano.

O tema não é novo, mas foi pouco explorado na jurisprudência do STJ. Até hoje, só foi decidido colegiadamente três vezes — duas delas pela 3ª Turma, que julga temas de Direito Privado.

Por esse motivo, os ministros Ricardo Villas Bôas Cueva e Raul Araújo se opuseram à afetação e ficaram vencidos. Para eles, seria necessário mais acórdãos para amadurecimento do debate.

O ministro Sebastião Reis Júnior citou dados da Comissão Gestora de Precedentes, que identificou 76 decisões monocráticas sobre o tema.

“No contexto apresentado, pode-se ter como madura a matéria submetida ao rito do recurso especial repetitivo, circunstância que possibilita a formação de um precedente judicial dotado de segurança jurídica”, disse.

Citação por WhatsApp

Para a 3ª Turma do STJ, a citação por WhatsApp é nula, mas pode ser validada se cumprir seu papel de dar plena e inequívoca ciência ao destinatário sobre a ação judicial da qual é alvo.

Isso implica que a citação seja feita por meio de conteúdo límpido e inteligível, de modo a não suscitar dúvidas no citado.

Como mostrou a revista eletrônica Consultor Jurídico, essa estratégia para citação por vezes causa mais problemas do que soluções, por criar insegurança jurídica e impulsionar nulidades.

De acordo com o Código de Processo Civil, a citação pode ser feita pelo correio, por meio de carta precatória ou rogatória, por oficial de Justiça, em cartório judicial ou por publicação de edital (quando o paradeiro do citando é desconhecido).

Em 2015, foi acoplada ao Código de Processo Civil a hipótese de citação por meio eletrônico (e-mail), mas não existe obrigatoriedade e há uma série de regulamentações que têm de ser cumpridas.

Sinal dos tempos

Fato é que o WhatsApp e aplicativos análogos têm sido cada vez mais incorporados nos atos judiciais — talvez nenhum tão relevante quanto a citação.

O Conselho Nacional de Justiça já autoriza que a intimação seja feita dessa forma — o informe de que houve um novo ou ato em um processo já conhecido e em andamento.

Também têm sido admitidos diversos tipos de notificação, como a feita ao devedor, desde que se comprove o envio e entrega da mensagem — posição recentemente unificada pelo STJ.

A Corte Especial ainda decidiu não suspender os processos ou recursos especiais que tratem sobre o tema enquanto aguarda o julgamento e definição da tese.

Clique aqui para ler o acórdão de afetação
REsp 2.160.946
REsp 2.161.438

O post STJ vai fixar tese sobre citação por app de mensagens ou redes sociais em ações civis apareceu primeiro em Consultor Jurídico.

Tributação das altas rendas e miscelânea metódica no cálculo do redutor previsto pelo PL 1.087

O Brasil tem um sistema tributário regressivo e que, portanto, termina por onerar proporcionalmente mais quem tem menos capacidade contributiva. Isso decorre de muitos fatores distintos, mas, fundamentalmente, em razão de termos um sistema majoritariamente baseado na tributação sobre o consumo (que é ínsita e estruturalmente regressiva) em comparação com a tributação da renda e do patrimônio.

Esse efeito regressivo é acentuado no âmbito do imposto de renda das pessoas físicas por um histórico longo de não correção monetária da tabela que prescreve as faixas de tributação e, ainda, pela previsão de poucas e concentradas faixas de alíquotas nominais. Isso gera a tributação de rendas de pessoas com baixa capacidade contributiva, com a fixação de uma progressividade acentuada apenas nas faixas iniciais de renda.

Parece encontrar foros de consenso a ideia de que algum ajuste de rota é necessário. Em que pese esse diagnóstico, a reforma da tributação sobre o consumo, com a criação dos novos Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), com uma alíquota combinada que pode girar em torno de 28%, parece desmentir a conclusão de que os últimos movimentos legislativos estão modalizados com esse propósito.

De todo modo, no âmbito da tributação da renda, surge agora o Projeto de Lei nº 1.087/25, que tem por objeto a implantação, no Brasil, de uma espécie de imposto mínimo sobre a renda, destinado a contribuintes que tenham auferido renda superior a R$ 600 mil. O projeto prevê a incidência desse Imposto de Renda das Pessoas Físicas Mínimo (IRPFM) sobre pessoas que aufiram rendas superiores a esse valor, sendo que a aplicação da alíquota máxima de 10% fica reservada para contribuintes que aufiram R$ 1,2 milhão ou mais.

Como começa a ser exposto pela doutrina especializada, o projeto pode ser criticado por diversos fundamentos, a começar pela falta de transparência quanto ao real objetivo da mudança que, ao final e ao cabo, pretende tributar dividendos recebidos por pessoas físicas [1], ainda que a hipótese de incidência prevista seja ligeiramente mais ampla. Além disso, já surgem vozes sustentando que o IRPFM não é propriamente um adicional do imposto de renda das pessoas físicas, tratando-se, em verdade, de um novo imposto que apenas poderia ser criado por meio de lei complementar [2]. Também não faltam críticas quanto ao fato de o IRPFM não distinguir sociedades de capital e sociedades de pessoas, o que gera uma tributação potencialmente injusta e desigual [3].

O objetivo deste pequeno texto é tratar de um ponto específico do projeto: a criação do que foi chamado, no texto do PL, de um “redutor” do IRPFM no caso de pagamento de lucros e dividendos. O redutor deve ser aplicado para evitar que a cobrança do imposto mínimo acarrete uma tributação final que, considerada a carga tributária da pessoa jurídica e da pessoa física segundo parâmetros próprios fixados no projeto, ultrapasse a alíquota nominal do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro (CSL). De modo bastante objetivo, o redutor é aplicado quando a soma das alíquotas efetivas da pessoa jurídica e da pessoa física ultrapassar o limite da alíquota nominal combinada.

A presença desse redutor parece ser uma resposta antecipada do governo a eventuais críticas sobre o fato de que, no final do dia, haverá tributação de dividendos, sem a redução correspondente das alíquotas incidentes na tributação corporativa. A resposta que o redutor parece ofertar é: ninguém pagará mais do 34%, mesmo que venha a ser considerada a carga tributária cumulada da pessoa jurídica e da pessoa física após a incidência do IRPFM. O projeto, portanto, nessa óptica, apenas eliminaria uma situação de subtributação.

O mecanismo, no entanto, merece revisão, especialmente na parte em que prevê a mensuração da carga tributária efetiva das pessoas jurídicas pela razão entre o valor efetivamente pago de IRPJ e CSL e o lucro contábil apurado no exercício pelas pessoas jurídicas.

Não há dúvida de que a apuração das bases de cálculo do IRPJ e da CSL parte do lucro contábil apurado pelas entidades, mas, por uma série de razões jurídicas (razões essas que são sempre tomadas como relevantes pelo legislador) com ele não se confunde. O chamado lucro real é, nos termos da legislação de regência, calculado a partir do lucro contábil com adições e exclusões que o legislador considera pertinentes, para que a renda (tributável do ponto de vista jurídico) do contribuinte possa ser efetivamente onerada.

Isso não deve causar qualquer surpresa, já que a contabilidade é informativa e preparada com propósitos de reconhecimento, mensuração e evidenciação da posição econômica do contribuinte, enquanto a norma tributária, voltada à oneração da renda, não acolhe, de forma direta, a base de cálculo contábil, realizando ajustes, ora para aumentar a base (adições), ora para reduzi-la (exclusões). O lucro contábil e o lucro real, portanto, dificilmente coincidem, pois são grandezas diversas que servem a propósitos absolutamente distintos. No lucro presumido, do mesmo modo, quase sempre existe um descasamento entre o lucro contábil e o lucro fiscal, apurado pela aplicação de um percentual de presunção fixado em lei. A regra simplificadora se aplica para a mensuração da base tributável.

Condão de embaralhar

Se assim o é, a chamada carga tributária efetiva suportada pelas empresas será, em regra, de 34%, já que o imposto pago deveria ser dividido pela base imponível tributária (o lucro real ou o lucro presumido), e não sobre uma base (o lucro contábil) que sequer serve como parâmetro de mensuração da renda auferida pela pessoa jurídica.

De modo singelo: o tributo pago por uma pessoa jurídica, calculado pela aplicação da alíquota de 34% sobre a base legalmente prescrita, conforma uma carga efetiva de 34%. A tentativa de se mensurar a carga efetiva com base em outros parâmetros, como o lucro contábil, é arbitrária, notadamente porque esse dado serve a outro propósito e sequer é juridicamente tributável como renda. Como já decidiu o Supremo Tribunal Federal (RE nº 606.107), conceitos contábeis e jurídicos não se confundem, sendo indevida a subordinação da tributação a critérios contábeis.

O mecanismo de tributação mínima, como posto no projeto, tem o condão de embaralhar uma série de subregimes tributários que foram (ou deveriam ter sido) pensados com o objetivo de cumprir certas políticas públicas, já que ele gera um efeito transversal na tributação de todas as espécies de renda. Isso termina gerando uma tributação de rendimentos que, por algum fundamento constitucional, foram desonerados. Ora, ou esses rendimentos foram desonerados com um objetivo nobre e, portanto, não podem ser, depois, onerados (ainda que via um IRPFM). Ou, não, não estão amparados num fundamento constitucional (são “privilégios odiosos”) e, então, o caminho deve ser a revogação da desoneração e não sua tributação sub-reptícia.

Anda mal, portanto, o projeto de lei quando cria essa espécie de redutor, altamente complexo e que dificilmente surtirá efeitos concretos, já que é construído com base em uma miscelânea de critérios distintos, talvez porque moldado apenas para servir de resposta à crítica de que o projeto aumenta a tributação das pessoas físicas sem reduzir, de forma correspondente, a tributação das pessoas jurídicas, embaralhando o atual modelo brasileiro de integração da tributação da renda.


[1] SCAFF, Fernando Facury. Tributação disfarçada de dividendos e distribuição disfarçada de lucros. Conjur, 14/04/2025. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2025-abr-14/tributacao-disfarcada-de-dividendos-e-distribuicao-disfarcada-de-lucros/

[2] BIFANO, Elidie Palma. Projeto de Lei 1.087/25: estamos diante de mais uma confusão tributária? Conjur, 02/04/2025. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2025-abr-02/o-projeto-de-lei-1-087-25-estamos-diante-de-mais-uma-confusao-tributaria/

[3] DERZI, Misabel; e MOURA, Fernando. Isenção de IR até R$ 5.000: atecnias em busca de maior justiça tributária. Conjur, 28/03/2025. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2025-mar-28/pl-1087-2025-atecnias-em-busca-de-maior-justica-tributaria/

O post Tributação das altas rendas e miscelânea metódica no cálculo do redutor previsto pelo PL 1.087 apareceu primeiro em Consultor Jurídico.

A batalha das inteligências artificiais em que não há vencedores

A pergunta que faço é: pode um Poder do Estado se dar ao luxo de atuar com ferramentas que invariavelmente irão “alucinar”?

 

Há algum tempo venho me dedicando a alertar sobre os perigos da inteligência artificial para o Direito — e para o mundo todo. Aqui mesmo na ConJur já falei sobre os riscos que a inteligência artificial representa em diversos textos. Nas últimas semanas tenho abordado alguns casos específicos, em que nossa vida cotidiana está cada vez mais se aproximando das distopias futuristas (ver aqui e aqui).

Ainda que de minha parte a preocupação com a inteligência artificial e a alta dependência tecnológica devam ser um tema que deve ser tratado com maior seriedade por parte da comunidade jurídica, há setores que abraçam efusivamente a inteligência artificial como solução para os seus problemas.

No Brasil, poucos setores falam tanto em inteligência artificial quanto o Poder Judiciário. Enquanto empresas do setor privado tratam com cautela os processos de automatização por meio de inteligência artificial — sobretudo porque não dispõe do domínio tecnológico necessário para controlar os algoritmos criados por algumas poucas empresas internacionais — no primeiro minuto em que essas tecnologias se apresentaram como viáveis o Judiciário brasileiro se lançou às mãos de robôs, chatbots e quejandos. Todavia, as consequências fáticas da adoção prematura deste tipo de tecnologia começam a pipocar por todos os lados. A pressa do Judiciário gera monstros.

1. O futuro é um tribunal de robôs?

Conforme a “Pesquisa uso de inteligência artificial (IA) no Poder Judiciário: 2023” realizada pelo Conselho Nacional de Justiça, 66% dos tribunais do país fazem uso de inteligência artificial, tendo sido mapeados 140 projetos em desenvolvimento pelos tribunais do país [1]. O campeão de projetos é o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul é campeão com 12 projetos de inteligência artificial em desenvolvimento (!!!).

 

Sem dúvida esses dados já estão obsoletos. Observado que os dados publicados pelo CNJ são referentes ao ano de 2023 e estes já davam conta de que havia um crescimento de 22% em uso de inteligência artificial nos tribunais em relação ao ano de 2022, se for mantida esta proporção de crescimento no uso IA, ao final de 2025 quase 100% dos tribunais do país farão uso de inteligência artificial. Os algoritmos estavam chegando e chegaram.

Claro, tenho plena ciência de que esses números podem perfeitamente desacelerar em face de limitações orçamentarias e técnicas nos mais diversos tribunais do país. No entanto, a cada dia somos bombardeados com notícias sobre os novos robôs e inteligências artificiais que vem sendo desenvolvidos pelos tribunais. A cada semana, um novo robô.

2. E o juiz resolveu usar a inteligência artificial para aumentar a produtividade…

Diante do incentivo à adoção da inteligência artificial como solução para “aumentar a produtividade” e “otimizar recursos” em uma larga escala institucional pelo Poder Judiciário, infelizmente não me causa espanto que essa passe a ser utilizada como forma de resolver questões mais singelas… como a produtividade individual de magistrados.

Em uma recente publicação realizada pelo portal Migalhas, há informação de que um magistrado está sendo investigado pela corregedoria do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão por uso indevido de inteligência artificial para aumento de sua produtividade (ver aqui).

Conforme a reportagem, o referido magistrado saltou – magistralmente – de uma produtividade média mensal de 80 sentenças, em agosto de 2024, para 969 decisões, muitas delas com padrão textual uniforme. Além disso, nas decisões do magistrado foi identificada ausência de fundamentação ou análise de provas, distribuição indevida de processo por prevenção e, especialmente, o uso inadequado de ferramentas de inteligência artificial, com a criação de “precedentes inexistentes”, gerando insegurança jurídica.

Eis um dos problemas centrais da inteligência artificial generativa que vem se propagando diariamente: o que IA não sabe, ela inventa. Já falei sobre isso anteriormente, inclusive apontando que IA disse que eu disse coisas que nunca falei.

3. Sobre alucinações produzidas pela inteligência artificial

A cada dia mais e mais casos de petições e decisões que resolveram inventar jurisprudência para confirmar os vieses aos quais esses robôs e chatbots foram condicionados desde o princípio.

Nesse sentido, vale mencionar matéria publicada pelo The New York Times, que dá conta exatamente deste que pode ser apontado como o problema central prático — para além dos problemas éticos óbvios — a geração de respostas absolutamente dissociadas dos fatos por parte da inteligência artificial, as chamadas alucinações (ver aqui).

Conforme a reportagem, quanto mais sofisticados ficam os modelos matemáticos utilizados para construir as inteligências artificiais que estão disponíveis ao público se transformam, maior o número de alucinações elas produzem. Nos modelos mais modernos de inteligência artificial testados pelo New York Times, o percentual de alucinações chegou a 79% (!!!) e os desenvolvedores afirmam: essas alucinações podem ser reduzidas, mas nunca deixarão de existir.  O que me dizem os adeptos da IA do Brasil?

A pergunta que faço é: pode um Poder do Estado se dar ao luxo de atuar com ferramentas que invariavelmente irão “alucinar”?

O caso do juiz do Maranhão serve como ilustração daquilo que já afirmei anteriormente, não se trata de uma simples questão de revisão das respostas geradas pela inteligência artificial ou de um defeito de operação do usuário em elaborar corretamente o comando para que a inteligência artificial gere a respostas adequadamente.

Se tais inteligências artificias foram criadas para “solucionar problemas”, se eles não resolverem os de problemas imediatamente, são inúteis. Por essa mesma razão as inteligências artificiais disponíveis no mercado nunca dirão que não tem as respostas que estão sendo buscadas. Pior: tem gente vendendo a produção dos robôs.

4. Venda de petições feitas por IA

De outra parte, em mais uma reportagem recente, temos a notícia de que a Justiça Federal do Rio de Janeiro, atendendo ao pedido de tutela de urgência formulado em ação civil pública ajuizada pela OAB-RJ, determinou a suspensão das atividades de uma plataforma que prometia a criação de petições iniciais para Juizados Especiais, por apenas R$ 19,90 (ver aqui).

A ação civil pública ajuizada pela OAB afirma que a referida plataforma oferecia petições iniciais com argumentação jurídica padronizada, formulada por inteligência artificial, podendo ser protocolada imediatamente nos juizados especiais.

Ainda que o caso concreto da plataforma que oferecia petições para os juizados especiais mediante pagamento de R$ 19,90 demonstre uma camada extra de picaretagem, qual a diferença entre esta plataforma e os chatbots que já estão disponíveis “gratuitamente” na internet? Afinal, ainda que não se tenha que pagar uma soma em dinheiro, o pagamento se dá através de informações que são fornecidas pelo usuário voluntariamente a plataforma.

Todavia, quando observamos o conteúdo daquilo que é “produzido” tanto pela “IA fazedora de petições iniciais para juizados especiais por R$ 19,90” e o Chat GPT — apenas para citar o chatbot mais popular — o resultado é o mesmo e provavelmente tem a origem no mesmo lugar: plágio.

Eis mais uma evidência concreta daquilo que já afirmei por diversas vezes: aquilo que se chama de inteligência artificial generativa é apenas uma máquina de plágio.

5. Petições geradas por IA v. decisões por IA: a batalha final ou a crônica de um desastre anunciado?

Diante desse quadro temos uma situação distópica que cada dia parece mais real: de um lado petições iniciais criadas por inteligência artificial, de outro lado decisões geradas por inteligência artificial para responder as petições. E o que a IA não sabe? Ela inventa. Ah! E claro, tudo isso supervisionado por um dos 14 robôs desenvolvidos pelo tribunal…

Vejam que o quadro caótico que estou apontando não está ligado à forma de que a ferramenta está sendo usada pelos usuários — como os entusiastas da IA costumam acusar aqueles apontam seus perigos — a questão é que própria IA esteja na equação, porque ela está fazendo aquilo que foi programada: gerar solução para um problema.

Eis o busílis. Se a inteligência artificial é a apontada como solução para os problemas humanos de um dos Poderes do Estado, o problema está na solução ofertada.

Nesse sentido, o próximo grande mote dos tribunais no Brasil já está decidido: litigância predatória. O Superior Tribunal de Justiça formulou uma tese ao julgar o Tema 1.198, possibilitando que o magistrado determine que a parte autora emende a petição inicial para demonstrar o interesse de agir e autenticidade da postulação. Ciente de que a tese — fixada pela Corte Especial do STJ e, portanto, “precedente qualificado” — poderia gerar problemas de abusos por parte do próprio Judiciário, o relator do caso afirmou que essas poderiam ser controladas pontualmente. Como isso será feito, ninguém sabe.

Pois bem, conforme o relatório do CNJ, dos 140 projetos de inteligência artificial que estão em desenvolvimento pelos tribunais do país, 15 deles estão vinculados à litigância predatória. E se robô alucinar e identificar uma demanda equivocadamente? Em um país em que impera o realismo jurídico, quantos terão seus direitos solapados?

De fato, deve ser observado que a principal queixa efetuada pelos magistrados no Brasil é a de excesso de processos. Afirmam que em lugar algum no mundo há tantos processos quanto no Brasil. É necessário simplificar, automatizar, diminuir a quantidade de recursos etc. Todavia, a pergunta sobre as razões pelas quais o número de demandas não para de crescer, raramente é feita. Há uma ampla negligência acerca da razão pela qual a vida brasileira vem sendo tão judicializada. De novo: por que será que há tantas demandas e tantos recursos? Há muitas respostas circulando. Mas, são lidas? Compreendidas?

Fazendo uma analogia com a medicina, estamos apenas tratando os sintomas de uma doença mais profunda que está matando o paciente. Pior, para tratar a doença do paciente estamos implementado um tratamento que pode matar todos os outros pacientes que estão em tratamento.

Na distopia futurista Duna, de Frank Herbert, o fim do mundo como conhecemos foi gerado por uma guerra entre os seres humanos e os computadores e robôs conscientes. Apesar da vitória humana sobre as máquinas e sua consequente destruição total, um mandamento foi fundamental foi estabelecido: “não farás máquina à semelhança da mente humana”.

Sempre digo que a literatura chega antes. Ainda é tempo de aprendermos com ela antes que o nosso mundo se torne efetivamente uma distopia. Até porque, no nosso mundo, corremos o sério risco de perder a guerra… Ou já a perdemos? Quando nos deparamos com um caso como o do juiz do Maranhão, parece improvável que possamos vencer.

 


[1] CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Pesquisa uso de inteligência artificial (IA) no Poder Judiciário: 2023. Brasília, 2023. Disponível em: https://bibliotecadigital.cnj.jus.br/jspui/handle/123456789/858

O post A batalha das inteligências artificiais em que não há vencedores apareceu primeiro em Consultor Jurídico.

Boas práticas e diretrizes internacionais para o processo legislativo democrático

Há uma crescente atenção de diversas organizações internacionais para a necessidade de democratizar o processo legislativo. Como destaca Tímea Drinóczi, para além da expansão da realização de análises de impacto legislativo ex ante em diversos países, organizações internacionais passaram a se dedicar à disseminação de boas práticas e diretrizes (guidelines) democráticas para o processo legislativo como estabelecimento de padrões de legística, fortalecimento da participação social e aumento da transparência das atividades parlamentares [1].

O presente artigo apresenta em visão panorâmica iniciativas recentes de algumas organizações internacionais que têm apontado boas práticas e diretrizes para o processo legislativo democrático, fazendo-se, quando possível, vinculações com o cenário brasileiro. Apresentam-se, em breves linhas, essas iniciativas com algumas conclusões gerais ao final.

Uma das organizações mais tradicionais é a União Interparlamentar – Inter-Paliamentary Union (IPU). Fundada em 1889, é sediada em Genebra e congrega mais de 180 Parlamentos nacionais, inclusive o Brasil. Sua atuação é destinada a promover a cooperação entre os Parlamentos para fortalecimento de suas capacidades institucionais e suas democracias. Alguns de seus temas de maior atenção são a resiliência democrática e os parlamentos, participação feminina na política, transformação digital e combate à crise climática.

Entre suas iniciativas, destacam-se os World e-Parliament Reports, sendo o mais recente de 2024, em que são apontadas as principais tendências de transição digital dos Parlamentos [2]. Como o Report demonstra, há uma tendência acentuada no período pós-Covid 19 de que as inovações digitais sejam permanentemente incorporadas às práticas parlamentares, gerando desafios de transparência, segurança e inclusão digital e oportunidades de aumento da participação social e resiliência democrática em contextos de crise. Há também o robusto “Indicadores para os Parlamentos Democráticos”, lançado em 202 [3], em que há 25 indicadores do caráter democrático dos parlamentos, já com estudos de casos em que países os utilizaram para avaliar suas instituições e práticas.

Outra instituição que tem se destacado é a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), na qual é o Brasil é um país associado com possível ingresso pleno futuro. Na OCDE, há dois principais órgãos que trabalham o tema das boas práticas e diretrizes em processo legislativo e democracia.

O primeiro deles é o Comitê de Política Regulatória, cuja missão é fortalecer a produção de normas jurídicas – legislativas e administrativas – com base em evidências empíricas de forma estratégica e inovadora. Em 2012, foi adotada a importante Recomendação para a Política Regulatória e Governança [4], que sugeriu a seus membros a adoção de uma política regulatória ampla (whole-of-government) fundada em princípios de transparência e participação social, bem como a adoção de boas práticas como a análise de impacto ex ante e avaliação constante de estoque regulatório. O Comitê também faz regularmente a avaliação de políticas regulatórias de determinados países (Regulatory Police Outlook [5]). O Brasil é um dos países regularmente avaliados, sendo que o Relatório de 2022 (Regulatory Reform in Brazil [6]) ressalta, dentre outras sugestões, a necessidade de criação de uma política nacional de melhoria da qualidade regulatória, inclusive envolvendo o Poder Legislativo. No plano do Poder Executivo federal, a retomada do Programa de Fortalecimento da Capacidade Institucional para Gestão em Regulação (PRO-REG – Decreto 11.738/2023) e os Decretos 10.411/2020 e 11.243/2022 dialogam diretamente com essas recomendações.

Destaque e conclusões

Ainda no âmbito da OCDE, em 2022 foi criada a “Iniciativa Reforçando a Democracia” coordenada pelo Comitê de Governança Pública, tendo cinco pilares-chave: 1) combate à desinformação, 2) ampliação da participação social, 3) representação política, transparência na vida pública e igualdade de gênero, 4) práticas de sustentabilidade e 5) democracia digital. Um relatório de 2024 sobre a implementação desses pilares por diversos países retrata, entre outros, a necessidade de repensar respostas estatais lentas em face da desinformação digital e formas inovadoras e criativas de ampliar a participação social nas atividades do poder público no geral e dos parlamentos, em específico [7].

Outra instituição que tem ganhado destaque na atuação internacional a respeito da democratização do processo legislativo é o Escritório para Instituições Democráticas e Direitos Humanos – Office for Democratic Institutions and Human Rights (ODIHR) –, da Organização para Segurança e Cooperação na Europa). Atualmente com 57 países membros da Europa, Ásia Central e América do Norte, a Organização tem uma atuação destacada na cooperação com países de transição democrática mais recente na avaliação e produção de sugestões para o fortalecimento de eleições transparente e justas e do caráter democrático das normas jurídicas que regem o processo legislativo.

Uma publicação recente que se destaca é o Guidelines on Democratic Lawmaking for Better Laws [8], em que são apresentados 17 princípios para o legislar democrático, entre eles os pré-requisitos do processo legislativo: respeito aos princípios democráticos, aderência ao Estado de Direito e respeito aos direitos humanos. Como já destacado em outra oportunidade [9], trata-se de um documento pioneiro focado especialmente na produção legislativo do direito, do seu potencial democrático, boas práticas parlamentares e desafios contemporâneos. Embora produzido por uma organização com atuação mais regionalizada, podem servir de inspiração para outros países, inclusive o Brasil, uma vez que apresentam rica experiência prática de problemas e soluções enfrentadas por parlamentos.

No âmbito das Américas, há o Parlamericas, entidade instalada em 2001, no âmbito da Organização dos Estados Americanos (OEA), como fórum de compartilhamento de experiências e cooperação entre os parlamentos americanos. Atualmente 35 parlamentos nacionais participam do Parlamericas, inclusive o Brasil. Entre suas publicações, se destacam o Mapa para Abertura Legisaltiva 2.0, de 2021 [10], em que há a descrição de diretrizes e iniciativas para o fortalecimento transparência, accountability, participação social e ética na condução das atividades parlamentares.

Diante desse cenário de multiplicidade de documentos, apontam-se quatro conclusões.

É no mínimo curioso perceber que o debate sobre os princípios – aqui não em sentido jurídico, mas de diretrizes políticas – do processo legislativo seja objeto de maior atenção internacional relativamente a pouco tempo. Desde as revoluções liberais do século 17 e 18, entende-se que os parlamentos são órgãos centrais dos governos representativos e, mais recentemente, das democracias representativas, com suas regras e formalidades.

Contudo, é nas últimas décadas, com as transições democráticas especialmente em países da América Latina, leste Europeu, África e Ásia e as constantes crises da democracia representativa, que se aprofundam as demandas por maior qualidade e democraticidade dos trabalhos parlamentares. Como Elsa Pilichowski, diretora de Governança Pública da OCDE e responsável pelo programa Reforçando a Democracia, destaca: “(..) não é que nossas democracias não estão funcionando como elas costumavam funcionar – são as expectativas dos cidadãos que mudaram” [11]. Há, portanto, novas demandas de transformação democrática do processo legislativo e não apenas um retorno a um idealizado modelo de deliberação do passado.

Em segundo lugar, é possível notar alguns pontos largamente comuns nos diversos documentos e diretrizes sobre o legislar democrático. Diretrizes como respeito à democracia e aos direitos humanos, aumento da participação social e de minorias políticas, legislação com base em evidências e análise de impacto legislativo, igualdade de gênero na política e aumento do uso de ferramentas digitais nas atividades parlamentares, apenas para mencionar alguns, são contemplados nos diversos documentos e apontam para aspectos da transformação dos parlamentos no século 21.

Esses pontos comuns podem oferecer o substrato político para justificar e oferecer alternativas para reformas do arcabouço jurídico a respeito da produção legislativa do direito. Como aponta Edoardo Celeste em relação à grandes declarações de direito do século 18 e, mais recentemente, às diversas declarações de direitos digitais produzidas inclusive por entidades do terceiro setor, há um movimento histórico de que pautas inicialmente políticas do constitucionalismo expressadas em documentos esparsos e não vinculantes sejam incorporadas ao discurso jurídico e, posteriormente, transformadas em direito vigente nos planos nacionais [12]. Essa pode ser justamente a tendência no caso da democratização do processo legislativo a partir dessas diretrizes internacionalmente compartilhadas.

Em terceiro lugar, há uma percepção compartilhada de que a transformação dos parlamentos depende, de um lado, de estável compromisso político dos representantes parlamentares e, de outro, institucionalização por meio de regras e instituições dedicadas a essas atividades. Embora a produção legislativa não seja uma atividade meramente técnica, mas essencialmente política na qual diversas visões de mundo e ideologias são apresentadas para o debate público antes da tomada de decisão, há uma dimensão crescente da incorporação de boas práticas regulatórias para o processo legislativo, que requerem pessoal e instituições com algum grau de independência para produzirem informações para subsídio dos parlamentares. Além disso, a participação social por meio de canais institucionalizados cada vez mais é percebida como um elemento central do processo legislativo e não apenas algo que pode ou não ocorrer a critério exclusivo da maioria parlamentar.

Por fim, e a título de conclusão, abre-se amplo campo para estudos e pesquisas. Para mencionaram-se apenas alguns deles: 1) comparação entre os documentos e perspectivas das organizações internacionais sobre o caráter democrático do processo legislativo, 2) ) análise da colaboração entre essas instituições entre si e os parlamentos nacionais e regionais, 3) estudos de caso para a incorporação dessas diretrizes aos diferentes parlamentos nacionais e regionais, 4) relação dessas diretrizes com o direito positivo vigente de diversos países, com destaque para sua tradução em normas jurídicas constitucionais, legais e regimentais, bem como a prática de sua revisão judicial, e 5) estudos de caso do impacto dessas diretrizes sobre o processo legislativo de leis em concreto para avaliar suas potencialidades e desafios. Como é fácil perceber, trata-se de empreitada que mobiliza diversas áreas do conhecimento entre elas a teoria política, ciência política, política comparada, direito constitucional, direito parlamentar e direito regulatório. Fica, portanto, o convite.


[1] Tímea Drinóczi, “Quality Control and Management in Legislation: a Theoretical Framework”, KLRI Journal of Law and Legislation 7 (2017), p. 73.

[2] https://www.ipu.org/resources/publications/reports/2024-10/world-e-parliament-report-2024

[3] https://www.parliamentaryindicators.org/

[4] https://www.oecd.org/en/publications/2012/11/recommendation-of-the-council-on-regulatory-policy-and-governance_g1g3fce5.html

[5] https://www.oecd.org/en/publications/oecd-regulatory-policy-outlook-2025_56b60e39-en.html#:~:text=Adopt%20regulatory%20reviews%20to%20revise,potential%20for%20risk%2Dbased%20enforcement.

[6] https://www.oecd.org/en/publications/2022/06/regulatory-reform-in-brazil_da75f3f8.html

[7] https://www.oecd.org/en/publications/2024/10/the-oecd-reinforcing-democracy-initiative_458501ab.html

[8] https://www.osce.org/odihr/558321

[9] Victor Marcel Pinheiro, “Review: ODIHR Guidelines on Democratic Lawmaking for Better Laws”, Theory and Practice of Legislation 12 (2024), pp. 344-357.

[10] https://www.parlamericas.org/uploads/documents/Road_map_2.0_ENG.pdf

[11]  Entrevista, “Time to act: Nurturing our democracies for the 21st century”, OECD Podcasts, 2022.

[12] Edoardo Celeste, “Digital Constitutionalism: The Role of Internet Bill of Rights”, London, Routledge, 2023, pp. 116-7.

O post Boas práticas e diretrizes internacionais para o processo legislativo democrático apareceu primeiro em Consultor Jurídico.

Nova regra de supervisão judicial não se aplica a recuperação concedida antes da lei

Embora a nova Lei de Recuperação Judicial e Falências, de 2020, tenha entrado em vigor com aplicação imediata aos processos pendentes, foram mantidos os “atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas” sob a vigência da norma anterior. As novas regras sobre supervisão judicial, portanto, não se aplicam aos planos de recuperação que foram aprovados e homologados antes de lei entrar em vigor.

Relógio e martelo de juiz sobre calendário

Com base nessa interpretação, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu que o prazo de carência para início dos pagamentos da recuperação da rede Hotéis Othon não afeta o início do prazo de supervisão judicial.

Quando o plano foi aprovado e a recuperação judicial da rede hoteleira foi concedida, a nova lei ainda não havia entrado em vigor. O artigo 61 da lei original, de 2005, previa apenas que, a partir da decisão de concessão, o devedor permaneceria em recuperação até cumprir todas as obrigações previstas no plano que vencessem até dois anos depois.

Após a mudança na legislação, o mesmo artigo passou a prever que o juiz pode ordenar a manutenção do devedor em recuperação judicial até o cumprimento dessas mesmas obrigações, “independentemente do eventual período de carência”.

No plano aprovado e na decisão que concedeu a recuperação à Hotéis Othon, havia a previsão de um prazo de carência de quatro anos para o início do pagamento da maior parte dos débitos.

Após a nova lei entrar em vigor, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro determinou que o prazo de supervisão judicial começasse “independentemente do prazo de carência”.

Em recurso ao STJ, a Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae), uma das credoras da rede hoteleira, alegou que a regra não se aplicava ao caso, já que a recuperação foi concedida antes de a nova lei entrar em vigor. O TJ-RJ, porém, decidiu aplicar o entendimento da nova norma.

O ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, relator do caso, acatou os argumentos da Cedae. Ele lembrou que a nova Lei de Recuperação Judicial faz menção ao artigo 14 do Código de Processo Civil, segundo o qual “a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada”.

Recurso negado

Apesar de ter concordado com os argumentos da Cedae sobre a supervisão judicial, a 3ª Turma do STJ negou o recurso e manteve a decisão tomada pelo TJ-RJ. Isso porque a estatal pediu a nulidade do prazo de carência de quatro anos concedido à Hotéis Othon, e o relator considerou que esse prazo não pode ser alterado devido à teoria do isolamento dos atos processuais.

Ele ressaltou que o TJ-RJ não poderia decidir sobre o início do prazo de supervisão judicial ou do prazo máximo de carência previsto no plano de recuperação, pois são temas reservados à deliberação dos credores.

“Assim, ainda que não se possa aplicar a nova redação do art. 61 da Lei nº 11.101/2005 ao caso, observado o disposto no art. 14 do Código de Processo Civil e a teoria do isolamento dos atos processuais, a hipótese é de manutenção do resultado do julgado, que reflete a vontade dos credores ao aprovarem os termos do plano de recuperação judicial, com a previsão de carência de 48 (quarenta e oito) meses para início dos pagamentos, sem nenhuma ressalva quanto à prorrogação do termo inicial do prazo de supervisão judicial”, escreveu o relator.

Clique aqui para ler o voto do relator
REsp 2.181.080

O post Nova regra de supervisão judicial não se aplica a recuperação concedida antes da lei apareceu primeiro em Consultor Jurídico.

Após 25 anos, a Lei de Responsabilidade Fiscal vive ou é um fantasma?

A Lei Complementar 101, mais conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que fez aniversário de 25 anos no dia 4/5/2025, permanece viva ou é apenas um fantasma que assombra nosso ordenamento jurídico? Antes de responder é necessário traçar um panorama geral sobre o tema.

Uma das mais antigas normas sobre Direito Financeiro ainda vigentes é a Lei 4.320/1964, que foi uma das últimas a serem aprovadas durante o governo do presidente João Goulart, que estabelece as normas gerais dessa disciplina. Trata-se de uma boa norma, que cumpriu muitas funções relevantes em nosso ordenamento jurídico, mas que necessita ser atualizada. Algumas iniciativas vêm sendo adotadas nesse sentido, tendo à frente o economista José Roberto Afonso.

A última década do século passado, os anos 90, foi economicamente muito conturbada no Brasil, com diversos desafios tendo que ser enfrentados ao mesmo tempo. Havia uma espiral inflacionária fazendo com que os agentes econômicos públicos e privados corressem atrás da reposição de suas perdas econômicas, driblando o nominalismo da moeda por meio de múltiplas fórmulas de correção monetária. Existiam diversos índices para os contratos privados e os tributos eram expressos em “moedas indexadas”, como a série de ORTNs, OTNs, BTNs, Ufir e assemelhadas. Existia até uma figura tributária muito peculiar, o “lucro inflacionário”, que felizmente ficou no passado.

Limites

Em meados da década de 90 alguns desses problemas foram enfrentados com extrema coragem e competência econômica pela equipe dos presidentes Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, que formularam o Plano Real, o Proer e diversos outros programas para conter a inflação e reorganizar e economia. É nesse contexto que surgiu há 25 anos a LRF, que trata de diversos aspectos referentes às finanças públicas, sendo que dois se destacam: (1) o controle das despesas com pessoal (despesa obrigatória de caráter continuado) e (2) o controle da dívida pública.

No que se refere às despesas com pessoal, quando surgiu a LRF alguns estados gastavam mais de 100% de sua receita corrente líquida com pagamento de pessoal, ou seja, faziam empréstimos para pagar a folha de salários – o que parece inacreditável nos dias atuais. O artigo 19 passou a determinar que, após certo período de transição, os gastos com pessoal dos estados tivessem um limite 60% de sua receita corrente líquida (artigo 19, II).

Você já deve ter ideia do verdadeiro pandemônio financeiro que existia e do enorme problema político que surgiu para a implantação da LRF. Mas, se o artigo 19 era de difícil efetivação, o artigo 20 causou ainda mais confusão. O artigo 20 da LRF estabelece limites para os gastos com pessoal para cada Poder, em cada unidade federada. Por exemplo, um estado só poderia gastar com o Poder Judiciário estadual até 6% do montante estabelecido no artigo 19 (artigo 20, II, “b”). Esta norma gerou reações políticas diversas. Por um lado, reclamaram fortemente os representantes dos Poderes Legislativo, Judiciário, Tribunais de Contas e Ministério Público, pois estariam limitados aos percentuais estabelecidos no artigo 20, sem a possibilidade de obter aumento de remuneração junto ao Poder Executivo. Por outro lado, os governadores ficaram contentíssimos com a limitação estabelecida, pois criava um parâmetro dentro do qual estariam contidos os pleitos financeiros desses Poderes, reduzindo a pressão que poderia ser feita.

Diversas associações ingressaram com ADIs que foram reunidas na ADI 2.237, e julgada após 20 anos de tramitação sob diversos relatores. Dentre outras deliberações, validou a constitucionalidade dos artigos 19 e 20 da LRF, tendo sido o relator final o ministro Alexandre de Moraes (aviso aos eventuais interessados: o acórdão possui mais de 500 páginas).

Curiosamente, estas duas regras (artigos 19 e 20, LRF), somadas à que assegura a autonomia financeira do Poder Judiciário (artigo 99, CF), acabaram por permitir a extrapolação do teto remuneratório estabelecido na Constituição – mas isso é prosa para outro texto.

O segundo foco da LRF foi a questão dos limites de endividamento dos entes federados. O artigo 30 reporta-se à Constituição, mencionando a edição de normas sobre limites globais para o montante (1) da dívida consolidada de cada ente federado e (2) da dívida mobiliária federal.

Para regular a dívida consolidada dos estados, do Distrito Federal e dos municípios foi editada pelo Senado Federal a Resolução 40/01 e para regular as operações de crédito interno e externo desses mesmos entes federados, inclusive concessão de garantias, foi aprovada a Resolução 43/01.

O artigo 3º da Resolução 40/21 traz uma norma de um formalismo impressionante, ao estabelecer que qualquer estado pode se endividar até duas vezes sua receita corrente líquida, e qualquer município pode fazê-lo em percentual menor, até 1,2 vezes. Trata-se de um erro, pois regula situações diferentes como formalmente iguais – dá para comparar o município de São Paulo (12 milhões de habitantes) com o estado do Amapá (800 mil habitantes), sendo que o primeiro, por ser município, pode se endividar até 1,2 de sua receita e o segundo, por ser estado, pode se endividar até 2 vezes? A distinção pela forma (municípios x estados) é inadequada à realidade.

É igualmente gritante a ausência nessas normas de qualquer limite à dívida pública consolidada da União, o que ocasionou a recente proposta de resolução do Senado apresentada pelo senador Renan Calheiros limitando em quatro vezes a receita corrente líquida da União, a ser implementada em 15 anos. O intuito é claro: limitar o endividamento da União, hoje considerado um dos pontos que gera o aumento da taxa de juros no Brasil.

Conselho, teto e arcabouço

Outro aspecto não regulamentado até hoje na LRF é o Conselho de Gestão Fiscal, cuja função é a de acompanhamento e avaliação da política e da operacionalidade da gestão fiscal, constituído por representantes de todos os Poderes e esferas de governo, do Ministério Público e de entidades técnicas representativas da sociedade (artigo 67). Existem projetos de lei em trâmite sobre isso, mas que se encontram paralisados em algum lugar do Congresso.

A LRF foi insuficiente para controlar os gastos e a dívida dos governos brasileiros, considerados no tempo e no espaço geográfico, o que levou ao estabelecimento da Emenda Constitucional 95/16, patrocinada pelo governo do presidente Temer, que instituiu o famigerado Teto de Gastos, o qual foi amplamente dinamitado durante o governo do presidente Bolsonaro e revogado no governo do presidente Lula, pela Emenda Constitucional 126/22 (artigo 9º), sendo instituído o Regime Fiscal Sustentável pela Lei Complementar 200/23, conhecido como arcabouço fiscal.

Sugestão

Respondendo à questão acima, se a LRF, ao chegar aos 25 anos de idade, permanece viva ou é apenas um fantasma. Entendo ser uma norma viva e importante, mas insuficiente para fazer frente aos desafios atuais. Foi um marco quando editada, mas não se sustenta sozinha, precisando que incontáveis outras normas, algumas acima mencionadas, que apoiem as finanças públicas nacionais, dando-lhe sustentabilidade (e não singelo equilíbrio).

Uma sugestão simples, que reduziria muita litigância judicial e extrajudicial: fazer com que a dívida interfederativa, isto é, a que existe entre estados, DF e municípios com a União, deixe de ser tratada como uma qualquer dívida bancária. Melhor explicando: a União utiliza a lógica bancária nessas operações e não a lógica da cooperação federativa, pois cobra juros financeiros e não juros legais. Um exemplo fala por si: estudos da Febrafite apontam que “em valores corrigidos para dezembro de 2024 pela inflação oficial brasileira, o estado (de São Paulo) recebeu R$ 255 bilhões, já pagou R$ 455 bilhões e ainda estava devendo R$ 289 bilhões. Esta absurda diferença de R$ 489 bilhões decorre exclusivamente dos juros reais cobrados pela União pelo empréstimo feito com base na Lei federal 9.496/97”. A mentalidade banqueira da União, em detrimento da cooperação federativa, acarreta a impossibilidade de quitação dessas dívidas.

Em algum momento teremos que descolar o que é reposição de perda inflacionária (a antiga correção monetária) do que são juros reais, hoje reunidos na taxa Selic. Dados concretos: a inflação anual de 2024 medida pelo IPCA foi de 4,83% e a taxa Selic no mesmo período foi de 12,25%. Essa diferença de quase 8 pontos percentuais representa juros reais. O Brasil é viciado em juros altos e isso deve ser alterado para diversas indexações que ainda permanecem em nossa economia. Trata-se de um resquício “imexível” do Plano Real.

Enfim, a LRF permanece viva, mas é insuficiente em face da complexidade atual.

O post Após 25 anos, a Lei de Responsabilidade Fiscal vive ou é um fantasma? apareceu primeiro em Consultor Jurídico.

Condenação em obrigações de natureza assistencial não atrai responsabilidade subsidiária de ente público

A 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (DF/TO) julgou, na sessão do dia 2/4, um agravo de instrumento em recurso ordinário envolvendo o Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Asseio, Conservação Ambiental e Pública do Estado do Tocantins e uma empresa que presta serviços de limpeza pública no município de Paraíso do Tocantins. O acórdão do colegiado abordou temas como custas processuais, justiça gratuita e responsabilidade subsidiária de ente público no pagamento de verba trabalhista decorrente de norma coletiva.
No caso, o sindicato ajuizou uma ação trabalhista contra a empresa e o município tocantinense, sob alegação de descumprimento de obrigações trabalhistas. Após sentença parcialmente favorável ao sindicato na 1ª Vara do Trabalho de Palmas, ambas as partes recorreram ao TRT-10. O sindicato questionou a negativa do benefício de Justiça gratuita e a exclusão do município da responsabilidade subsidiária, enquanto a empresa contestou a condenação ao pagamento de multas e obrigações impostas pela sentença inicial.
CNJ/Divulgação

TRT-10, TRT-DF, Tribunal Regional do Trabalho 10ª Região

A entidade sindical também alegou que não deveria arcar com as custas processuais, pois a sentença havia condenado a empresa ao seu pagamento. Além disso, defendeu que o município deveria ser responsabilizado subsidiariamente por falhas na fiscalização do contrato com a empresa. Já a empresa argumentou que o seguro garantia apresentado era válido para substituir o depósito recursal, mas o TRT-10 verificou que o valor era inferior ao exigido por lei, o que caracterizou deserção do recurso.

O relator na 3ª Turma do Regional, desembargador Brasilino Santos Ramos concordou parcialmente com os argumentos do sindicato. O entendimento foi de que a condenação em obrigações de natureza assistencial, e não trabalhista, não acarreta responsabilidade subsidiária do ente público. Dessa forma, o desembargador manteve a exclusão do município da obrigação.
Em voto, o magistrado também explicou que a entidade não estaria obrigada a pagar as custas processuais, pois a condenação recaía sobre a empresa, conforme o artigo 789 da CLT. Quanto à justiça gratuita, o relator negou o benefício ao sindicato, pois este não comprovou situação de miserabilidade, exigida para pessoas jurídicas pela Súmula 463 do TST.
“O pleito autoral se refere a valores pagos ao sindicato da categoria para atendimento de benefícios aos trabalhadores e não se destinam ao pagamento de verbas trabalhistas. Conclusão que pode ser depreendida do parágrafo 5º da cláusula décima 18 da convenção coletiva de trabalho 2023/2024 – O benefício do Amparo Social tem natureza exclusivamente assistencial e não salarial, haja vista que não se constitui em contraprestação de serviços, tendo caráter universal e compulsório¿. Embora haja previsão em proposta apresentada ao ente público, quando do processo administrativo de licitação, de valores gastos por empregado, não há como imputar ao ente público a obrigatoriedade de fiscalizar o cumprimento da norma coletiva em relação a valores devidos pela empregadora diretamente ao sindicato da categoria, ainda que o montante possa ser utilizado em benefício de todos os trabalhadores.” Com informações da assessoria de imprensa do TRT-10.
Processo 1081-02.2023.5.10.0801 

O post Condenação em obrigações de natureza assistencial não atrai responsabilidade subsidiária de ente público apareceu primeiro em Consultor Jurídico.

Securitização e reforma tributária: da não cumulatividade do IBS e da CBS

A reforma tributária possui como um dos seus fundamentos a neutralidade fiscal, definida como a mitigação da influência dos tributos sobre as decisões de consumo e de organização da atividade econômica. Ela tende a representar um empecilho para o planejamento tributário das empresas, pois, em tese, o novo sistema é formulado para que, independentemente das estruturas societárias criadas, dos contratos firmados e das nomenclaturas utilizadas, o encargo tributário permaneça o mais constante possível.

A securitização de crédito, conforme Resolução nº 60/2021 da CVM, consiste na aquisição de créditos para utilização como lastro para a emissão de títulos. Em suma, a empresa que possui créditos a receber no longo prazo, aliena-os à securitizadora com deságio a fim de ter uma antecipação do valor a receber. Assim, incrementa seu caixa, viabilizando o aumento de suas operações e outros investimentos.

Apesar de ser uma estratégia eminentemente financeira para as empresas, a securitização também é recorrentemente utilizada como meio de obter benefícios tributários, já que o deságio aplicado na venda do crédito pode ser deduzido na apuração do Imposto de Renda como despesa financeira.

Esta vantagem tributária, no entanto, depende da conjugação e equilíbrio de diversos fatores, incluindo a tributação da própria atividade de securitização. Logo, os contribuintes devem estar atentos à manutenção deste equilíbrio diante da reforma tributária, que prevê a modificação também da tributação dos serviços financeiros.

Securitização

Para uma análise mais completa, é necessário entender alguns aspectos tributários atuais da securitização de crédito.

Em primeiro lugar, a atividade não é submetida à cobrança de ISS, por conta da sua ausência de previsão na Lista Anexa à Lei Complementar nº 116/2003, o que se confirmou em precedentes dos tribunais brasileiros.

A IN 2.121/22 dispõe que há a incidência de Contribuição para o PIS/Pasep e a Cofins sobre as securitizadoras com um regime cumulativo com alíquota de 4,65%. A base de cálculo é composta pela diferença entre o custo de aquisição dos direitos creditórios e o valor recebido pela securitizadora, o que permite o desconto das despesas com a captação de recursos.

A LC 214/25, que regulamenta o IBS e da CBS sobre os serviços financeiros, dispõe que, na operação de securitização, a base de cálculo será composta pelo desconto aplicado sobre a liquidação antecipada do crédito com a dedução das despesas com captação de recursos e das despesas com emissão, distribuição, custódia, escrituração, registro, preparação e formalização de documentos, administração do patrimônio separado e atuação de agentes fiduciários, de cobrança e de classificação de risco.

Há uma grande semelhança entre as bases de cálculo antes e depois da reforma, com uma maior definição das despesas passíveis de dedução da receita. Uma eventual majoração dos encargos tributários sobre a atividade, para análise da manutenção do benefício tributário, dependerá, portanto, da alíquota designada para o cálculo dos novos tributos.

Na Reforma, a securitização de crédito está sujeita à incidência de IBS e CBS, calculados conforme a alíquota geral do regime de serviços financeiros. Essas alíquotas serão fixadas de modo a manter a atual carga tributária incidente sobre as operações de crédito praticadas pelas instituições financeiras bancárias.

Considerando a IN 2.121/2022 e a LC 214/25, percebe-se que a definição da base de cálculo para operações de crédito possui semelhanças, porém, a alíquota dos novos tributos será acrescida dos encargos tributários não recuperados, atualmente, pelas instituições financeiras. Assim é provável que a nova alíquota de modo que poderá resultar em valor superior a 4,65%, porém espera-se que não seja um aumento abrupto, de modo que as operações de securitização não devem ser excessivamente oneradas com o novo sistema.

Já sob a perspectiva daquele que cede o crédito, uma novidade da Reforma é a possibilidade de permitir o crédito de IBS e CBS sobre o valor do deságio aplicado sobre o título. Ou seja, além do benefício já existente quanto à dedução do deságio no IRPJ e CSLL, o novo sistema permitirá a dedução (crédito) também em relação aos tributos do consumo, o que atualmente não ocorre com o PIS e a Cofins. Assim, a operação pode se tornar ainda mais atrativa, do ponto de vista fiscal, para os contribuintes.

Em conclusão, ainda não é possível avaliar com precisão o impacto das novas regras sobre a atividade de securitização de créditos. Contudo, a semelhança na composição das bases de cálculos entre o atual e o novo regime, permite vislumbrar uma perspectiva de baixo impacto, salvo diante de variação abrupta da alíquota. Como aspecto positivo, o creditamento sobre o deságio tende a potencializar os benefícios tributários obtidos pela securitização, podendo fazer com que esse tipo de operação se mantenha como uma opção viável de planejamento para as empresas diante do novo sistema.

O post Securitização e reforma tributária: da não cumulatividade do IBS e da CBS apareceu primeiro em Consultor Jurídico.

Justiça Federal manda suspender site que vende petições feitas por inteligência artificial

Embora seja possível o acesso aos juizados especiais federais sem advogado em determinadas causas, a intermediação remunerada por meio que não identifique profissional habilitado para a produção de peças jurídicas não é permitida, assim como a exploração econômica de uma atividade exclusiva da advocacia.

Com esse entendimento, a 27ª Vara Federal do Rio de Janeiro determinou, em liminar desta quarta-feira (30/4), a suspensão imediata de um site que oferece aos clientes a criação por inteligência artificial de petições iniciais para ações em juizados especiais pelo preço de R$ 19,90. Até a publicação desta notícia, a plataforma continuava no ar.

A empresa, sediada em Curitiba, elabora as peças de forma automatizada a partir de um formulário preenchido pelo interessado. O cliente informa o que motivou a ação, que pedido pretende fazer, qual o valor da causa e que provas podem ser anexadas. Feito isso, basta clicar em “gerar petição” e receber o documento em instantes, segundo o site.

Como mostrou a revista eletrônica Consultor Jurídico, a OAB-RJ passou a investigar a venda de petições feitas por IA. A apuração deu origem a uma ação civil pública contra as atividades praticadas pela plataforma. A seccional alegou mercantilização indevida da atividade jurídica.

Fundamentação da decisão

A juíza Geraldine Vital considerou que a publicidade usada pela plataforma em seu site e nas redes sociais “ostenta claro viés mercantil”, pois promete “êxito e simplificação do trâmite judicial” e  divulga “petições prontas para protocolar” por valores fixos. Ela constatou violação ao inciso IV do artigo 34 do Estatuto da Advocacia, que proíbe a captação de causas.

Segundo a magistrada, o site “promove atividade materialmente equivalente à advocacia, por meio da utilização de publicidade ostensiva, captação ativa de demandas e serviços jurídicos padronizados”.

Na sua visão, a atuação da plataforma, com ampla publicidade e monetização do serviço, “compromete o controle institucional e ético sobre a advocacia, e vulnera, em consequência, a confiança legítima do jurisdicionado e a própria função jurisdicional”.

Vital ainda viu “potencial prejuízo coletivo à ordem jurídica e ao sistema de justiça, na medida em que tais práticas geram a proliferação de ações com vícios formais e falhas de fundamentação”. Ela concluiu que “há ilicitude na prática de advocacia por quem não é regularmente inscrito na OAB, mesmo sob roupagem digital”.

Plataforma nega mercantilização irregular

ConJur pediu explicações à empresa por meio de um número de WhatsApp disponível na página. O site enviou respostas automatizadas que, aparentemente, também foram geradas por inteligência artificial.

Segundo a empresa, a inteligência artificial garante “que a fundamentação legal e as jurisprudências necessárias sejam incluídas” na petição. O site negou que a venda dos documentos configure mercantilização da advocacia.

“O objetivo é facilitar o acesso à Justiça, permitindo que qualquer cidadão possa elaborar sua petição inicial sem a necessidade de um advogado, conforme previsto na Lei 9.099/1995. A plataforma se limita a prestar um serviço de suporte na criação de documentos, garantindo que as pessoas possam reivindicar seus direitos de forma acessível e rápida”, diz a empresa.

Clique aqui para ler a decisão
Processo 5038042-87.2025.4.02.5101

O post Justiça Federal manda suspender site que vende petições feitas por inteligência artificial apareceu primeiro em Consultor Jurídico.

OAB-RJ investiga venda online de petições feitas por IA

A seccional do Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados do Brasil abriu uma apuração sobre venda de petições feitas por inteligência artificial. A entidade identificou um site que oferece aos clientes, ao preço de R$ 19,90, a criação de petições iniciais para ações em Juizados Especiais.

A empresa, sediada em Curitiba, elabora as peças de forma automatizada a partir de um formulário preenchido pelo interessado. O cliente informa o que motivou a ação, que pedido pretende fazer, qual o valor da causa e que provas podem ser anexadas. Feito isso, basta clicar em “gerar petição” e receber o documento em instantes, segundo o site.

A Corregedoria da OAB-RJ instaurou processo para apuração do caso. O presidente da Comissão dos Juizados Especiais Estaduais da seccional, Carlos Guedes, sustenta que a prática pode configurar exercício ilegal da advocacia. “Esse serviço é uma mercantilização indevida da atividade jurídica. Se houver participação de advogados, consideramos que há exercício ilegal da profissão”, diz.

A mercantilização da advocacia é proibida pelo artigo 5º do Código de Ética e Disciplina da OAB. Já o Estatuto da Advocacia veda serviços “que apresentem forma ou características de sociedade empresária”, conforme previsto no artigo 16, parágrafo 1º.

IA já chegou aos tribunais

A Justiça já tem identificado o uso de documentos feitos por inteligência artificial. A 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná decidiu, no dia 11 de abril, por exemplo, não conhecer de um recurso após identificar que a peça foi produzida com robôs.

A petição foi movida por um advogado dativo contra uma decisão que levou um réu ao Tribunal do Júri por homicídio. Conforme verificou o TJ-PR, o recurso citou trechos falsos da decisão original, inventou precedentes e até nomes de magistrados.

O desembargador Gamaliel Seme Scaff, relator do caso, advertiu o advogado para que se atentasse ao rigor ético da profissão. “O Poder Judiciário não está brincando de julgar recursos! Ao agir com tamanho descuido e desrespeito, o i. advogado não exterioriza a seriedade que o caso requer e que o seu cliente merece”, escreveu o magistrado.

Para Guedes, da OAB-RJ, o uso indiscriminado e displicente da IA é um risco à credibilidade da advocacia e à qualidade do Judiciário. “Uma possível consequência dessa prática é assoberbar os tribunais com ações, muitas vezes mal fundamentadas, e banalizar a Justiça”, avalia.

Plataforma nega mercantilização irregular

A empresa que oferece as petições só fornece os documentos para causas de até 20 salários mínimos, porque esse é o limite previsto em lei para que uma pessoa acione os Juizados Especiais sem assistência de advogado.

Segundo vídeos promocionais nas redes sociais da plataforma, os processos tratam principalmente de relações de consumo, que são ajuizados contra companhias aéreas, empresas de telefonia e serviços semelhantes.

A revista eletrônica Consultor Jurídico pediu explicações à empresa por meio de um número de WhatsApp disponível na página. O site enviou respostas automatizadas que, aparentemente, também foram geradas por inteligência artificial.

Segundo a empresa, a inteligência artificial garante “que a fundamentação legal e as jurisprudências necessárias sejam incluídas” na petição.  O site negou que a venda dos documentos configure mercantilização da advocacia.

“O objetivo é facilitar o acesso à Justiça, permitindo que qualquer cidadão possa elaborar sua petição inicial sem a necessidade de um advogado, conforme previsto na Lei 9.099/95. A plataforma se limita a prestar um serviço de suporte na criação de documentos, garantindo que as pessoas possam reivindicar seus direitos de forma acessível e rápida”, diz a empresa

Site condenado 

Uma empresa com práticas semelhantes foi condenada pela Justiça Federal do Rio de Janeiro a se abster de fazer publicidade irregular e captação de clientela. A sentença foi reforçada em abril do ano passado pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região.

O caso nasceu de uma Ação Civil Pública movida pela OAB-RJ. O site em questão oferecia “consultoria especializada” para pessoas interessadas em processar companhias aéreas por danos como cancelamento ou atraso de voos e extravio de bagagem. A empresa cobrava 30% da eventual indenização como pagamento pelo serviço.

A plataforma alegou, nos autos, que era um “blog de caráter informativo e educacional” e tinha como objetivo “orientar os consumidores sobre como proceder nos casos em que queiram buscar seus direitos”. A Justiça, porém, considerou que a atuação da empresa era irregular.

“A demandada não está constituída como sociedade de advogados e oferece serviços de consultoria jurídica, de forma indevida, captando clientela, mercantilizando a advocacia”, escreveu à época a juíza federal convocada Marcella Araújo da Nova Brandão, relatora do caso em segunda instância.

O post OAB-RJ investiga venda online de petições feitas por IA apareceu primeiro em Consultor Jurídico.