Página de Repetitivos inclui julgados sobre requisitos para adesão ao Perse e fixação de honorários advocatícios

A Secretaria de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) atualizou a base de dados de Repetitivos e IACs Anotados. Foram incluídas informações a respeito do julgamento dos Recursos Especiais 2.126.428, 2.126.436, 2.130.054, 2.138.576, 2.144.064 e 2.144.088, classificados no ramo do direito tributário, no assunto Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse).

Os acórdãos estabelecem a necessidade de que o prestador de serviços turísticos esteja previamente inscrito no Cadastur e não seja optante pelo Simples Nacional para que possa se beneficiar da alíquota zero relativa a PIS/Cofins, CSLL e IRPJ, instituída no Perse.

Além disso, foram incluídas informações a respeito do julgamento dos Recursos Especiais 2.097.166 e 2.109.815, também classificados no ramo do direito tributário, no assunto execução fiscal. 

Os acórdãos estabelecem a fixação dos honorários advocatícios por apreciação equitativa quando o acolhimento da exceção de pré-executividade resultar apenas na exclusão do excipiente do polo passivo da execução fiscal.

A plataforma

A página de Precedentes Qualificados do STJ traz informações atualizadas relacionadas à tramitação – como afetação, desafetação e suspensão de processos –, permitindo pesquisas sobre recursos repetitivoscontrovérsiasincidentes de assunção de competênciasuspensões em incidente de resolução de demandas repetitivas e pedidos de uniformização de interpretação de lei, por palavras-chaves e vários outros critérios.

A página Repetitivos e IACs Anotados disponibiliza os acórdãos já publicados (acórdãos dos recursos especiais julgados no tribunal sob o rito dos artigos 1.036 a 1.041 e do artigo 947 do Código de Processo Civil), organizando-os de acordo com o ramo do direito e por assuntos específicos.

Fonte: STJ

Equilíbrio orçamentário e controle do gasto tributário: criação da Secgat

Uma questão que deveria ser evidente para todos os que acompanham o ambiente político brasileiro é a centralidade do Direito Financeiro e do Direito Tributário. É raro uma pauta política relevante que não trate destes dois temas ou que não seja de alguma forma condicionada por questões financeiras e tributárias. Atualmente, parece que temos uma grande questão, o equilíbrio fiscal, sendo que tudo o mais, do Perse ao IOF, são subtemas do tema maior que é o equilíbrio das contas públicas.

Em uma coluna anterior (aqui), dedicada à reforma da tributação da renda, chamei a atenção para a total falta de coerência dos diversos atores que clamam pelo equilíbrio fiscal no Brasil. Parece-me relevante trazer para este texto os seguintes trechos do que afirmei naquela oportunidade:

Temos ouvido muito a fala de que “o Congresso Nacional assumiu o seu papel e a sua relevância em relação ao orçamento público”, como referência ao fato de que a última década testemunhou um crescimento das atribuições de deputados e senadores em relação a decisões de alocação de recursos. Contudo, só gasto não é o orçamento. O orçamento é composto de despesas, mas também de receitas.
O que temos testemunhado é que o Congresso (i) não tem nenhuma ação clara de redução de sua fatia do orçamento, (ii) luta contra tornar os seus gastos mais transparentes – a transparência é uma imposição da LRF e do § 3º do artigo 145 da Constituição Federal, e (iii) não tem interesse em medidas de equilíbrio orçamentário que o coloque em rota de colisão com a elite do serviço público – que eles integram – ou com a elite econômica – que muitos e muitas deputados e senadores também integram. Esta é a quintessência da austeridade seletiva. É a austeridade desde que não seja feita por mim e que eu não sofra seus efeitos.
Não é uma realidade muito diferente da que encontramos no “mercado” e no mundo dos “analistas”. Como apontamos, o “mercado” quer equilíbrio fiscal, desde que não tenha que contribuir com ele. Seria muito mais coerente se, além de exigir desindexação de benefícios dos X% mais pobres da população, o “mercado” trouxesse para a mesa também estudos para a redução do nosso monumental gasto tributário, ou que o jornalista, fazendo aquela crítica indignada sobre a “crise fiscal”, lembrasse que muitas vezes recebe seus vencimentos via pessoa jurídica, pagando muito menos imposto do que um assalariado com remuneração equivalente.

Tributação e finanças públicas são, em essência, baseadas em decisões alocativas relacionadas a quem vai receber prestações públicas e quem vai financiá-las. O Sistema Tributário Nacional foi, em larga medida, apropriado por quem deveria ser responsável pelo financiamento dos gastos públicos, e qualquer discussão sobre equilíbrio orçamentário deveria começar por uma revisão profunda dos gastos tributários que foram apropriados pelo topo da pirâmide de renda da sociedade brasileira.

Isonomia, generalidade da tributação e privilégios odiosos

Sabe-se que o princípio da isonomia é uma das pedras angulares do Sistema Tributário Nacional e estabelece que todos os que manifestem a mesma capacidade contributiva paguem o mesmo tributo. Contudo, como bem observava Ricardo Lobo Torres, a isonomia tem, em si, um paradoxo, em suas palavras, “o aspecto mais intrincado da igualdade se relaciona com a sua polaridade. Enquanto nos outros valores (justiça, segurança, liberdade) a polaridade significa o momento da sua negação (injustiça, insegurança, falta de liberdade), na igualdade o seu oposto não a nega, senão que muitas vezes a afirma. Aí está o paradoxo da igualdade”. [1]

Dessa forma, a questão mais complexa relacionada ao princípio da isonomia não está em afirmar que todos que manifestem igual capacidade contributiva devem pagar o mesmo tributo, mas em identificar as situações nas quais a desigualdade realiza os valores, princípios e finalidades constitucionais em maior medida do que a igualdade da tributação.

Mesmo que a igualdade conviva com a diferença, não é qualquer tratamento diferenciado que será compatível com a isonomia. Aquele somente se justificará por uma finalidade constitucional que a realize. Do contrário, teremos o que Ricardo Lobo Torres, de forma eloquente, chamava de privilégio odioso. Segundo nosso saudoso mestre “o privilégio odioso consiste na permissão, destituída de razoabilidade, para que alguém deixe de pagar os tributos que incidem genericamente sobre todos os contribuintes ou receba, com alguns poucos, benefícios inextensíveis aos demais”. [2]

Tamanho dos gastos tributários

Segundo o Relatório Nacional sobre Gastos Tributários elaborado por Paolo de Renzio, Manoel Pires, Natalia Rodrigues e Giosvaldo Teixeira Junior, disponibilizado em fevereiro de 2025 (aqui), “os gastos tributários no Brasil corresponderam a 4.78% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2023, considerando somente o nível federal. Se os gastos tributários de nível estadual são incluídos, a proporção chega a 7.2% do PIB em 2023”. O gasto tributário da União Federal previsto para 2025 atingia exorbitantes R$ 544 bilhões (aqui).

É evidente que uma redução significativa do gasto tributário da União contribuiria significativamente para o tão falado equilíbrio fiscal. Nada obstante, mais problemático do que o tamanho do gasto tributário é a sua opacidade, a falta de políticas públicas claras e, principalmente, como apontamos, a sua conversão em privilégios para os mais ricos, à custa da pressão por corte de gastos que beneficiam os mais pobres.

Sugestões sobre o controle dos gastos tributários

Há diversas sugestões sobre como equacionar as distorções causadas pelos gastos tributários, desde a revisão dos regimes simplificados do IRPJ/CSLL, até a limitação de deduções com saúde (ver o Relatório Nacional sobre Gastos Tributários, aqui). Alternativas como estas certamente fazem sentido.

O Simples Nacional deveria ser apenas um regime de simplificação sem ser, necessariamente, corresponder a uma relevante desoneração fiscal. Nesse sentido, uma revisão da tabela do Simples seria certamente adequada. De outra parte, a previsão de limites às deduções de saúde, assim como as que vigoram para os gastos com educação, é outra medida que deve ser debatida abertamente com a sociedade.

Nada obstante, neste texto não queremos tratar deste aspecto “qualitativo” dos gastos tributários. Temos uma questão mais relevante, de natureza institucional, decorrente do fato de não haver uma efetiva gestão do gasto tributário da União Federal, utilizada, aqui, como paradigma.

Recentemente, na reforma tributária, tivemos uma experiência bem-sucedida com a criação da Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda. A Sert exerceu um papel fundamental de desenvolvimento técnico, interlocução pública, transparência e debate congressual de questões relacionadas à reforma tributária, tornando-se essencial para o avanço e aprovação da Emenda Constitucional nº 132/2023 e da legislação infraconstitucional subsequente.

Cremos que precisamos de uma estrutura similar com foco no gasto tributário, com a criação da Secretaria Especial para Controle do Gasto Tributário (Secgat).

Necessitamos, urgentemente, de transparência sobre o gasto tributário da União, muito além do que encontramos no Demonstrativo dos Gastos Tributários que acompanha o Projeto de Lei Orçamentária Anual. Ter transparência [3] não é só revelar quanto é o gasto tributário e onde está alocado. Exige que a sociedade entenda a justificativa da renúncia fiscal para que possa controlá-la e que seja possível verificar a existência de fundamento constitucional que a legitime. [4]

Por exemplo, a renúncia fiscal decorrente do Simples está escorada em justificativas que vão da suposta relevância das pequenas empresas na geração de emprego até a sua capacidade de inovação. Contudo, estudos como o publicado por Leonel Cesarino Pessôa, Alexandre Evaristo Pinto e Daniel Zugman (aqui) negam a existência de base empírica para tais premissas.

Dessa forma, este é um exemplo claro de um gasto tributário que demanda uma análise e discussão pública ampla e transparente, para que seja possível uma decisão política sobre a sua manutenção, readequação ou mesmo eliminação.

Um órgão federal inteiramente dedicado à questão do gasto tributário e da sua gestão, que gere informação técnica transparente de qualidade, certamente imporá ao Congresso a obrigação de se posicionar a favor da manutenção de privilégios — que no modelo atual certamente existem — ou da sociedade. Afinal, como destacaram Paolo de Renzio, Manoel Pires, Natalia Rodrigues e Giosvaldo Teixeira Junior, no citado Relatório Nacional sobre Gastos Tributários, “é possível afirmar que o Congresso Nacional é o principal ator na criação de gastos tributários, pois todos os novos incentivos precisam passar pelo Poder Legislativo”. (destaque nosso)

Tema recorrente nos debates contemporâneos sobre finanças públicas é o papel do Poder Legislativo na execução orçamentária. Contudo, o Legislativo buscou protagonismo no gasto público sem ter a mesma responsabilidade jurídica atribuída ao chefe do Poder Executivo.

Nesse contexto, uma medida salutar para que o Poder Legislativo passe a pensar a gestão fiscal de uma forma responsável é a criação de hipóteses legais de crimes de responsabilidade contra a lei orçamentária, que possam ser cometidos por deputados(as) federais e senadores(as), notadamente os (as) presidentes dessas Casas Legislativas.

Conclusão

O desvio de finalidade dos gastos tributários é uma das maiores patologias do Sistema Tributário Nacional. Temos um modelo tributário que cria privilégios disfarçados de iniciativas de política pública e redistribui o custo do orçamento para quem, não raro, sequer deveria contribuir, tudo isso com base em argumentos retóricos na maioria das vezes sem qualquer base empírica.

Este cenário tem que mudar, e a mudança, segundo vemos, passa pela institucionalização do controle do gasto tributário. Nesse sentido, a criação da Secretaria Especial para Controle do Gasto Tributário, ou qualquer órgão equivalente, poderá ser um grande passo adiante de um Sistema Tributário mais justo, alinhado ao que impõe o § 3º do artigo 145 da Constituição.

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[1] TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário: Valores e Princípios Constitucionais Tributários. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. v. II. p. 158.

[2] TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário: Valores e Princípios Constitucionais Tributários. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. v. II. p. 319.

[3] Sobre o tema da transparência, ver nosso texto publicado na semana passada em coautoria com Carmen Silvia Lima de Arruda (aqui).

[4] Ver: ROCHA, Sergio André. Fundamentos do Direito Tributário Brasileiro. 3 ed. Belo Horizonte: Casa do Direito, 2024. p. 131-139.

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Meu BC passa a contar com novos serviços para o cidadão

A partir desta quarta-feira (25/6), ficará ainda mais fácil acessar alguns serviços do Banco Central (BC) que ajudam o cidadão no acompanhamento da sua vida financeira. O BC aperfeiçoou o portal Meu BC, que é uma área do site do BC desenvolvida para atender às necessidades do cidadão que busca informações e serviços, como o Sistema de Valores a Receber (SVR); registro de reclamações contra instituições financeiras e de pedidos de informação; Calculadora do Cidadão; consulta de instituições autorizadas a funcionar pelo BC; dados sobre educação financeira e muito mais.

A principal mudança é que, agora, o portal Meu BC conta com uma área logada, passando a centralizar as principais informações pessoais e sigilosas, garantindo uma experiência mais intuitiva para o usuário.

Por exemplo, para acessar o Registrato, que é um dos serviços do BC mais procurados pelo público em geral, era preciso dar mais cliques e navegar por mais tempo pelo portal para encontrar o conteúdo desejado. Agora, ao fazer o login no portal, o acesso a todos os relatórios do Registrato está disponível na primeira tela da interface de interação com o cidadão.

Ou seja, ficará muito mais simples e rápido ter acesso aos relatórios de Chaves Pix, de Empréstimos e Financiamentos (SCR), de Contas e Relacionamentos em Bancos (CCS), de Câmbio e Transferências Internacionais e de Cheques Sem Fundos, disponibilizados pela ferramenta.

Para se ter uma ideia da importância desses relatórios, apenas o SCR foi emitido mais de treze milhões de vezes em 2024. Saiba mais no BC te Explica #99.

Área logada 

Além do Registrato, o usuário terá acesso à Central de Autorizações, novo serviço que trata do compartilhamento de acesso aos relatórios do Registrato com terceiros (saiba mais abaixo), ao SVR, ao Cadastro de Operações de Crédito Rural (CACR), e o acompanhamento de demandas registradas no BC.

É importante destacar que é preciso ter conta gov.br, nível prata ou ouro, com a verificação em duas etapas habilitada para ter acesso à área logada do Meu BC. Se tiver dúvidas sobre como obter esse nível de acesso, assista ao BC te Explica #138.

Ao pensar na melhoria da experiência de navegação, o novo Meu BC também trouxe avanços para o atendimento das pessoas com deficiência visual, passando a ser acessível para leitores de tela. “O propósito foi centralizar o acesso às informações sigilosas do cidadão a partir do acesso único via GovBr. Com essas informações em uma área segura, o cidadão pode monitorar de forma simples e rápida o seu relacionamento com o Sistema Financeiro Nacional”, disse Sirlene Cristina de Freitas, coordenadora no Departamento de Atendimento Institucional (Deati) do BC.

Central de Autorizações

Esse é um novo serviço criado pelo BC. Na Central de Autorizações, o titular dos dados pode compartilhar, com até cinco pessoas, o acesso aos seus relatórios do Registrato: “O objetivo é permitir que uma pessoa de confiança possa ter acesso e ajudar outra no acompanhamento da vida financeira. Por exemplo, que um filho possa auxiliar os pais idosos no monitoramento de suas informações, ou que o responsável financeiro do núcleo familiar possa acessar os relatórios dos outros membros, desde que eles o autorizarem”, exemplificou Sirlene. Essas autorizações podem ser por prazo certo e podem ser canceladas a qualquer momento pelo titular das informações.

Informações detalhadas

O acompanhamento dos pedidos de informação, reclamações e manifestações de ouvidoria registrados no BC ficou muito mais completo. Antes, a consulta era bem resumida. No caso de uma reclamação, por exemplo, só era possível saber se ela tinha sido encaminhada para o banco e se havia uma resposta enviada para o endereço cadastrado na instituição. Com o novo módulo, é possível ter o detalhamento completo de cada demanda, com descrição, horário e data do protocolo, acesso aos documentos enviados pelo BC e ainda, no caso de reclamações, é possível acessar as respostas enviadas pela instituição financeira.

O que não muda

Sirlene explica que nem todos os serviços disponíveis no portal Meu BC precisam de login com a conta gov.br prata ou ouro e a verificação em duas etapas habilitada. Opções que não envolvam dados sigilosos, como o registro de um pedido de informação ao BC, continuarão a ser acessados também por contas de nível bronze.

Já serviços como a Calculadora do Cidadão e a consulta se uma instituição é autorizada a funcionar pelo BC, entre outros, não dependem de qualquer login na conta gov.br.

Dois anos

O Meu BC está no ar desde 2023. Nestes dois anos de funcionamento, o portal se consolidou como um importante instrumento de acesso da sociedade a serviços disponibilizados ao cidadão pelo BC. Visite o Meu BC aqui.

Fonte: BC

Juíza afasta multa prevista no Mover para importador independente 

A Lei 14.902/2024, que criou o Programa Mobilidade Verde e Inovação (Mover), dispensou importadores de veículos que atuam de forma independente — sem vínculo direto com as montadoras  — do chamado “registro de compromissos” ao programa. Por essa razão, o Decreto 12.435/25, que regulamenta a lei, não tem o condão de impor uma penalidade não prevista por ela. 

Magistrada entendeu que exigência não está prevista no texto da lei que criou o programa e não pode ser imposta via decreto

Esse foi o entendimento da juíza Enara de Oliveira Olímpio, da 2ª Vara Federal Cível de Vitória, para afastar a incidência de uma multa que foi aplicada com base nesse decreto. A penalidade é prevista pela exigência do registro de compromissos, uma obrigação do Mover para fabricantes e representantes oficiais de montadoras no país. 

O artigo 4º da lei que criou o Mover, no entanto, dispensa importadores independentes dessa obrigação. A Advocacia-Geral da União (AGU), por meio de parecer da Consultoria Jurídica do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), sustentou que a dispensa prevista na lei não afastaria, por si só, a aplicação da multa compensatória. 

A interpretação da CGU foi incorporada ao decreto, cujo artigo 7º passou a prever sanção mesmo nos casos não previstos no texto da lei. Diante disso, o autor impetrou mandado de segurança preventivo para afastar a penalidade. 

Ao analisar o caso, a magistrada entendeu que a penalidade imposta via decreto viola princípios da legalidade (art. 150, I, da Constituição Federal) e da hierarquia normativa, ao prever penalidade fundada exclusivamente em norma infralegal.

“Com efeito, se a Lei dispensou o importador de cumprir determinado requisito para a importação (registro de compromisso), não pode o Decreto impor penalidade diante da ausência de tal cumprimento. Verifica-se, portanto, alteração do sentido e alcance da norma legal, o que é vedado pelo nosso ordenamento jurídico, sob pena de violação aos princípios da estrita legalidade e da hierarquia das normas”, registrou. 

O importador foi representado pelos advogados João Gabriel Jacob e Lucas Pereira de Almeida Tedesco, da Mattar Vilela Advogados.

Clique aqui para ler a decisão
Processo 5015344-96.2025.4.02.5001

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Comissão aprova guarda de animal de estimação às vítimas de violência doméstica

A Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Câmara dos Deputados aprovou projeto de lei que garante às vítimas de violência doméstica o direito de guarda dos animais de estimação da família.

Foi aprovado um substitutivo da relatora, deputada Laura Carneiro (PSD-RJ), ao Projeto de Lei 918/23, do deputado Delegado Matheus Laiola (União-PR) e de outros três parlamentares. “O direito da guarda dos animais de estimação é uma regra que merece ser introduzida nas leis, pois sabemos que os animais já estabeleceram, com os membros da casa onde vivem, vários tipos de vínculos afetivos saudáveis e importantes”, disse a relatora.

O texto aprovado pela comissão altera o Código Civil para definir que os animais são “seres vivos sencientes e passíveis de proteção jurídica própria”. Com isso, eles passam a ser reconhecidos como seres capazes de sentir e experimentar sensações e, portanto, devem ter proteção própria assegurada por lei.

O substitutivo da relatora também estabelece que, nas ações de divórcio e dissolução de união estável, o juiz deverá decidir sobre a guarda dos animais de estimação da família, garantido à mulher vítima de violência doméstica o direito à guarda.

A proposta também altera a Lei Maria da Penha para determinar que o direito à guarda provisória de animais de estimação inicia-se por decisão do delegado e só se torna definitivo por decisão judicial.

Próximos passos
A proposta tramita em caráter conclusivo e ainda será analisada pelas comissões de Finanças e Tributação; e de Constituição e Justiça e de Cidadania. Para virar lei, a medida precisa ser aprovada pela Câmara e pelo Senado.

Fonte: Câmara dos Deputados

Revolução Digital: promessas e riscos

Vivemos sob a égide da Revolução Digital, com o crescimento gradativo da inteligência artificial no dia a dia dos brasileiros. Ela substituiu a tecnologia analógica pela digital, permitindo a universalização dos computadores pessoais, dos telefones celulares inteligentes e da internet, conectando bilhões de pessoas em todo o mundo.

Os benefícios sociais dessa revolução são inegáveis. Houve a democratização sem precedentes do acesso ao conhecimento, à informação e ao espaço público. Em momentos desafiadores, como o confinamento imposto pela pandemia de Covid-19, a tecnologia mostrou sua face mais virtuosa. Plataformas digitais viabilizaram o trabalho remoto, o ensino a distância, a prestação jurisdicional e a manutenção de vínculos afetivos. Surgiram, ademais, potentes ferramentas de interação social, como as redes sociais, que redefiniram as formas de participação e de engajamento cívico.

Entretanto, essa nova ordem digital também fez emergir um conjunto expressivo de desafios. O primeiro deles diz respeito à circulação irrestrita de conteúdos, que, destituídos de qualquer filtro editorial, abriram espaço para a proliferação da desinformação, dos discursos de ódio e das teorias conspiratórias. A forma de funcionamento das redes sociais, com seu modelo de negócios fundado no engajamento, tem desestabilizado a esfera pública e ameaçado valores fundamentais como a civilidade, a verdade e o respeito mútuo. Enfrentar tais distorções exige um delicado equilíbrio: preservar a liberdade de expressão, sem que ela se converta em instrumento de destruição da própria democracia e sem que o mundo desabe num abismo de incivilidade movido a ódio e a mentiras.

A segunda consequência negativa foi uma certa tribalização da vida, em que os programas de inteligência artificial direcionam a cada usuário apenas notícias, informações, anúncios e opiniões que já correspondem ao que essas pessoas pensam, reforçando o viés de confirmação. Os indivíduos passaram a habitar bolhas informacionais que reforçam suas crenças preexistentes, os distanciam de visões contrapostas e dificultam o exercício da empatia.

Um terceiro aspecto crítico está relacionado à crise no modelo de negócios da mídia tradicional, fragilizada pela migração da publicidade para as plataformas digitais. Além do fechamento das portas de veículos da mídia tradicional – rádio, televisão e jornais impressos –, houve o enfraquecimento de um mecanismo essencial ao funcionamento do espaço público: o controle editorial feito pela imprensa tradicional sobre a informação, que assegurava um grau mínimo de qualidade, veracidade e civilidade das informações difundidas.

O que se vê, portanto, é a emergência de “tribos” digitais que constroem suas próprias narrativas, muitas vezes dissociadas da realidade objetiva. A verdade foi perdendo a importância. Os fatos já não são mais objetivos, passam a ser entendidos como meras opiniões que podem ser moldadas ao gosto das crenças individuais. Nesse cenário, precisamos fazer com que mentir volte a ser errado. Em uma democracia, a verdade é plural e não tem dono, mas não pode ser substituída por falsidades deliberadas.

Por outro lado, quando usada com responsabilidade e para fins pacíficos e humanitários, a tecnologia digital tem o potencial de elevar o melhor da experiência humana. No âmbito do Poder Judiciário, por exemplo, a digitalização dos processos tornou-se realidade em toda a Justiça brasileira. Isso permitiu maior celeridade, transparência e eficiência na entrega da prestação jurisdicional, aproximando o Poder Judiciário do cidadão.

Adicionalmente, o sistema de justiça tem se valido da inteligência artificial para aprimorar rotinas, qualificar a análise de dados e liberar os agentes humanos para as tarefas mais relevantes. No Supremo Tribunal Federal (STF), contamos com quatro ferramentas de inteligência artificial em uso. A mais recente é a MARIA, a primeira com inteligência artificial generativa, desenvolvida para gerar ementas, relatórios processuais e análises iniciais de processos de modo automatizado, a partir da análise de peças processuais. Ela é um marco do compromisso da Suprema Corte brasileira com a modernização e com a utilização institucional e a inovação responsável.

Fora do campo jurídico, a inteligência artificial pode proporcionar melhorias significativas em áreas de relevância social, como saúde, cultura e educação. Mas também impõe desafios, sobretudo no mercado de trabalho, no qual o impacto é mais óbvio e previsível, ameaçando postos tradicionais e exigindo uma complexa requalificação da força laboral.

A Revolução Digital representa, em síntese, uma das maiores transformações da humanidade. Somente a história nos dirá se saberemos aproveitá-la para o bem ou se nos perderemos no caminho. O que está ao nosso alcance, neste momento, é estabelecer marcos éticos, regulatórios e jurídicos, para frear o mau uso da tecnologia e para preservar o pluralismo, a diversidade e a liberdade.

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Plataformas de criptomoedas respondem objetivamente por fraudes em transações de clientes

A Quarta Turma reconheceu a responsabilidade da empresa pela falha no sistema de segurança que fez um usuário da plataforma perder aproximadamente R$ 200 mil em bitcoins.

As plataformas destinadas às transações de criptomoedas respondem de forma objetiva por fraudes na transferência desses ativos, caso a operação tenha seguido as medidas de segurança, como uso de login, senha e autenticação de dois fatores. 

Com esse entendimento, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento ao recurso de um usuário de plataforma de criptomoedas para reconhecer a responsabilidade da empresa pela falha no sistema de segurança.

Segundo o processo, o usuário estava transferindo 0,00140 bitcoins de sua conta na plataforma para outra corretora, quando uma falha no sistema teria resultado no desaparecimento de 3,8 bitcoins da conta, equivalentes, na época, a aproximadamente R$ 200 mil.

De acordo com o usuário, essa falha estaria relacionada ao mecanismo de dupla autenticação da plataforma, que exige login, senha e validação por email para a realização de transações. Ele relatou que, no seu caso, não foi gerado o email de autenticação relativo à transação fraudulenta. A empresa alegou que a fraude ocorreu por uma invasão hacker no computador do usuário, e não por falha da plataforma.

O juízo de primeiro grau condenou a empresa a devolver a quantia perdida e a pagar R$ 10 mil por danos morais, pois ela não comprovou a alegada invasão hacker, nem o envio do email ao usuário antes da transferência. Contudo, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) entendeu que o desaparecimento dos bitcoins decorreu de culpa exclusiva do usuário e de terceiros, e afastou o dever de indenizar.

Instituições financeiras respondem objetivamente por fraudes nas operações

A relatora no STJ, ministra Isabel Gallotti, lembrou que a jurisprudência do tribunal se consolidou no sentido de que “as instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias” (Súmula 479).

Entre as instituições financeiras definidas no artigo 17 da Lei 4.595/1964 – acrescentou a ministra –, estão as pessoas jurídicas públicas e privadas que tenham como atividade principal ou acessória a custódia de valores de propriedade de terceiros. Dessa forma, a relatora observou que a empresa de criptomoedas em questão é instituição financeira, constando, inclusive, da lista de instituições autorizadas, reguladas e supervisionadas pelo Banco Central.

“Em se tratando, portanto, de instituição financeira, em caso de fraude no âmbito de suas operações, a sua responsabilidade é objetiva, só podendo ser afastada se demonstrada causa excludente da referida responsabilidade, como culpa exclusiva da vítima ou de terceiros, nos termos do artigo 14, parágrafo 3º, I, do Código de Defesa do Consumidor (CDC)“, apontou.

Isabel Gallotti verificou que, no caso, não foram produzidas provas de que o usuário tivesse liberado informações pessoais para terceiros de maneira indevida ou de que houvesse confirmado a operação contestada por email – provas essas que poderiam afastar a responsabilidade da empresa pela transação fraudulenta.

Ataque hacker não exclui responsabilidade da instituição

Além disso, a ministra destacou que a empresa deveria demonstrar que o usuário atuou de maneira indevida em toda a cadeia de atos necessários para a conclusão da operação, ou seja, que ele fez login e inseriu senha e código PIN para transferir 3,8 bitcoins e, também, que confirmou essa específica operação por meio de link enviado por email.

Na hipótese, a relatora ressaltou que a empresa não apresentou o email de confirmação da transação de 3,8 bitcoins, sendo que tal prova era indispensável para afastar a sua responsabilidade pelo desaparecimento das criptomoedas.

Por fim, a ministra comentou que um ataque hacker no caso não excluiria a responsabilidade da empresa, que responderia pela falta de segurança adequada para combater esses crimes.

Leia o acórdão no REsp 2.104.122.

Fonte: STJ

Conciliação no STF mantém marco temporal para terras indígenas

O Supremo Tribunal Federal (STF) realizou nesta segunda-feira (23) a última reunião da comissão de conciliação convocada pelo ministro Gilmar Mendes sobre o marco temporal para demarcação de terras indígenas.

Após nove meses de trabalho, foi elaborada uma minuta com sugestões de um anteprojeto que será enviado ao Congresso Nacional para alteração na Lei 14.701 de 2023, norma que, apesar de tratar direitos dos povos indígenas, inseriu o marco temporal para as demarcações.

Pela tese do marco temporal, os indígenas somente têm direito às terras que estavam em sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal, ou que estavam em disputa judicial na época.

A questão do marco temporal não foi alterada porque não houve consenso.

Além disso, no ano passado, Gilmar Mendes negou uma liminar contra a suspensão da regra e enviou o caso para conciliação. 

Também não há consenso sobre o procedimento de indenização dos proprietários de terras após o reconhecimento de que eles ocupam uma terra indígena.

As regras estão sendo elaboradas pela Advocacia-Geral da União (AGU) e deverão ser protocoladas no STF até quinta-feira (26).

Minuta 

A minuta apresenta pontos de consenso entre os representantes do Senado, da Câmara dos Deputados, do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e de estados e municípios.

A aprovação não contou com a participação ampla dos povos indígenas.

Em agosto do ano passado, representantes da Articulação dos Povos Indígenas (Apib) se retiraram da conciliação. A entidade entendeu que os direitos dos indígenas são inegociáveis e não há paridade no debate.

O documento trata de pontos consensuais que, em alguns casos, já constam na Lei 14.701/2323 e foram explicitados, como permissão para turismo em áreas indígenas, desde que seja autorizado pelos indígenas, além da obrigatoriedade de participação de estados e municípios no processo de demarcação.

A minuta também prevê que o processo demarcatório, que é realizado pela Funai, deverá ser público, e os atos deverão ser amplamente divulgados.

Em dezembro de 2022, o Congresso Nacional derrubou o veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao projeto de lei que validou o marco.

Em setembro, antes da decisão dos parlamentares, o Supremo decidiu contra o marco. A decisão da Corte foi levada em conta pela equipe jurídica do Palácio do Planalto para justificar o veto presidencial. 

Fonte: EBC

Abono de permanência e cálculo de honorários em demandas sobre direito à saúde

​A Secretaria de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) divulgou a edição 854 do Informativo de Jurisprudência. A equipe de publicação destacou dois julgamentos nesta edição.

No primeiro processo em destaque, a Primeira Seção, por unanimidade, decidiu que o abono de permanência, dada sua natureza remuneratória e permanente, integra a base de incidência das verbas calculadas sobre a remuneração do servidor público, tais como o adicional de férias e a gratificação natalina (13º salário). A tese foi fixada nos REsp 1.993.530 e REsp 2.055.836, de relatoria da ministra Regina Helena Costa.

Em outro julgado mencionado na edição, a Primeira Seção, por unanimidade, definiu que nas demandas em que se pleiteia do poder público a satisfação do direito à saúde, os honorários advocatícios são fixados por apreciação equitativa, sem aplicação do artigo 85, parágrafo 8º-A, do Código de Processo Civil. Os REsp 2.169.102 e REsp 2.166.690 tiveram como relatora a ministra Maria Thereza de Assis Moura.

Fonte: STJ

Judicialização de terapias CAR-T: papel do Judiciário no acesso à saúde

A judicialização da saúde vem crescendo no Brasil, tanto no âmbito da saúde pública quanto na suplementar.

Na saúde suplementar, a judicialização possui um papel importante diante das frequentes negativas de cobertura de certos tratamentos pelas operadoras de planos de saúde. Especificamente no campo da oncologia, a judicialização é ainda mais evidente com o surgimento de terapias avançadas, como aquelas com CAR-T (Chimeric Antigen Receptor T-cell therapy).

As negativas de cobertura têm se tornado tão frequentes que aos pacientes não restam alternativas, senão acionar o Judiciário, que vem acertadamente pautando-se no que dispõe a Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998 (Lei dos Planos de Saúde), para garantir o acesso ao tratamento prescrito.

Terapia CAR-T: tratamento inovador não experimental

A terapia CAR-T representa uma abordagem inovadora de tratamento oncológico, envolvendo a alteração genética de células T do próprio paciente, as quais desempenham um papel fundamental na defesa e no combate a doenças, para que elas passem a reconhecer e atacar as células tumorais.

As terapias CAR-T são o resultado de mais de 60 anos de estudos e avanços em imunoterapia e biotecnologia. No Brasil, diversas terapias CAR-T, enquadradas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) como uma categoria especial de medicamentos novos [1], já passaram por um rigoroso processo de avaliação e aprovação de registro [2] perante a agência até a sua disponibilização no mercado brasileiro.

Assim, o fato de terapias CAR-T já registradas serem resultado de pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias não pode ser confundido com o atributo experimental.

Como se sabe, medicamentos experimentais são aqueles que só podem ser disponibilizados aos pacientes sob condições determinadas, que incluem a participação em pesquisas clínicas, antes da aprovação de seu registro na Anvisa, ou por meio de programas específicos, como o uso compassivo ou acesso expandido. Essas restrições visam garantir o acesso seguro a tratamentos promissores, mas ainda em fase de desenvolvimento — o que não é o caso de terapias CAR-T já registradas.

Obrigação dos planos de saúde

Apesar de diversas terapias avançadas já serem aprovadas pela Anvisa há anos, o que se nota é um movimento das operadoras de negativa de cobertura de tais medicamentos, sob a argumentação de que seriam medicamentos (i) de caráter experimental, (ii) de alto custo e (iii) não previstos no Rol da ANS.

Como mencionado, o primeiro argumento é equivocado em razão do registro das terapias CAR-T na Anvisa. E o segundo argumento não é suficiente nem aceitável para motivar uma negativa de cobertura. [3] Afinal, o teto dos preços de comercialização desses medicamentos no país é definido pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (Cmed). Além disso, o pressuposto econômico da operação de planos e seguros de saúde é justamente pulverizar os riscos dentre uma massa de beneficiários para que o acesso a tratamentos de alto custo para um indivíduo seja acessível àqueles que tiverem prescrição médica e cobertura contratual para tanto.

Por fim, o último argumento também não encontra suporte na legislação. Por se enquadrarem como medicamentos e não possuírem caráter experimental, as terapias CAR-T devem ter sua cobertura assegurada pelas operadoras de planos de saúde, o que inclusive decorre de diversos dispositivos legais da Lei dos Planos de Saúde.

Primeiramente, para os planos que incluem a cobertura de internação hospitalar, o artigo 12, II, “d” [4], da referida lei prevê a cobertura obrigatória dos medicamentos administrados durante a internação conforme prescrição do médico assistente.

Essa previsão é reforçada pelo artigo 8º, III, [5] da Resolução Normativa nº 465/2021 (“RN nº 465/2021”) da ANS, ao estabelecer a obrigatoriedade de cobertura de medicamentos com registro na Anvisa, ainda que não listados expressamente no Rol da ANS, quando (i) utilizados em procedimentos com cobertura obrigatória, no caso de planos de segmentação ambulatorial, ou (ii) ministrados durante o período de internação, quando o plano incluir internação hospitalar, como é o caso da administração das terapias avançadas.

Não bastasse isso, é evidente a intenção, na Lei de Planos de Saúde, de que haja ampla cobertura para tratamentos antineoplásicos, ou seja, oncológicos. Nesse sentido, a Lei estabelece a obrigatoriedade de cobertura de tais tratamentos como exigência mínima tanto nos planos da segmentação ambulatorial (artigo 12, I, “c” [6]), quanto nos planos da segmentação hospitalar (artigo 12, II, “g” [7]).

E essas não são as únicas hipóteses legais que suportam a obrigação de cobertura das terapias CAR-T por operadoras de planos de saúde. Com a alteração legislativa promovida pela Lei nº 14.454/2022, foi acrescentado o §13 ao artig 10 da Lei nº 9.656/1998, que expressamente obriga as operadoras de planos de saúde a cobrir procedimentos/tratamentos fora do Rol da ANS, sempre que prescritos por médicos e atendidos os seguintes critérios: (i) houver comprovação de eficácia com base em evidências científicas e plano terapêutico; ou (ii) houver recomendação da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) ou de órgão internacional de renome, desde que também aprovadas para seus nacionais.

Nesse contexto, inclusive, a jurisprudência [8] do Superior Tribunal de Justiça (STJ) passou a reconhecer que a natureza do Rol de ANS é de taxatividade mitigada.

Diante dessas previsões legais e dos critérios estabelecidos, em caso de negativas abusivas por parte das operadoras, decisões judiciais que determinam o fornecimento de terapias CAR-T não são arbitrárias ou infundadas. Longe disso, estão em consonância com o ordenamento jurídico.

Atuação judicial pautada na legalidade

A análise das demandas envolvendo o fornecimento de terapia CAR-T evidencia que o Poder Judiciário vem atuando de forma técnica e criteriosa, assegurando a efetividade do direito à saúde nos casos em que estão presentes requisitos objetivos para tanto, o que impede decisões arbitrárias e realça o caráter técnico das intervenções judiciais.

Nas decisões que determinam a obrigação de fornecer o medicamento de terapia avançada ao paciente, o Judiciário considera a existência de registro vigente da terapia na Anvisa, o que afasta qualquer alegação quanto ao seu caráter experimental e assegura a sua regularidade para comercialização no mercado brasileiro.

O Judiciário também tem exigido a apresentação de prescrição médica, acompanhada de laudo clínico, que atestem a pertinência da terapia solicitada no caso concreto, considerando a inexistência de alternativas eficazes, especialmente nos casos de doenças raras e refratárias a tratamentos convencionalmente indicados. Isso demonstra a diligência do Judiciário para que a obrigação de fornecimento se dê nos casos devidamente justificados [9].

Soma-se a isso a importância das Notas Técnicas emitidas pelos Núcleos de Apoio Técnico do Poder Judiciário (NatJus), que vêm se posicionando favoravelmente à terapia em diversos casos, com destaque à sua eficácia comprovada em evidências científicas [10].

Outro aspecto examinado pelo Judiciário é a eficácia da terapia CAR-T atestada por outras agências reguladoras como o Food and Drug Administration (FDA) nos Estados Unidos, que aprovou a primeira terapia no país após décadas de estudos com resultados positivos [11].

Por fim, os tribunais também reconhecem que a negativa de cobertura de medicamento registrado na Anvisa pelas operadoras, sem a existência de alternativa terapêutica, consiste em violação ao objeto contratual e ainda coloca o consumidor em extrema desvantagem em ofensa ao Código de Defesa do Consumidor [12].

Todos esses critérios adotados comprovam que a construção das decisões favoráveis ao fornecimento das terapias CAR-T não é aleatória, mas consequência direta de uma análise fundamentada em aspectos legais, técnicos e constitucionais, em especial o direito à vida e à saúde.

Conclusão

Como visto, considerando as previsões e hipóteses da Lei nº 14.454/2022, em especial a evidente intenção do legislador de que haja ampla cobertura de tratamentos antineoplásicos/oncológicos (artigo 12, I, “c” e II, “g”) e o disposto no artigo 12, II, “d”, que já determina o fornecimento de medicamentos durante o período de internação hospitalar, as operadoras devem fornecer obrigatoriamente terapias CAR-T registradas que tenham sido prescritas por médicos aos pacientes, independentemente de sua inclusão específica no Rol da ANS. Ou seja, a obrigação de fornecimento já decorre da leitura da própria Lei dos Planos de Saúde.

Nesse contexto, longe de decisões simplesmente voluntaristas ou meramente dotadas de critérios subjetivos, o Judiciário tem exarado decisões mais técnicas e responsáveis, o que assegura uma assistência mais efetiva à saúde dos cidadãos e maior previsibilidade às operadoras.

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Referências

[1] Nos termos do inciso XVIII do art. 4º da Diretoria Colegiada nº 505, de 27 de maio de 2021 (“RDC nº 505/2021”).

[2] Terapias CAR-T registradas na ANVISA: Yescarta (registro nº 109290013); Kymriah (registro nº 100681180); Tecartus (registro nº 109290014);

[3] Especialmente porque a Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (Cmed) – órgão responsável por precificar os medicamentos – adota critérios rigorosos, como a comparação com preços aprovados em outros países e avaliação de impacto orçamentário, propiciando que os preços sejam aprovados de forma compatível ao sistema de saúde brasileiro.

[4] Art. 12.  São facultadas a oferta, a contratação e a vigência dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, nas segmentações previstas nos incisos I a IV deste artigo, respeitadas as respectivas amplitudes de cobertura definidas no plano-referência de que trata o art. 10, segundo as seguintes exigências mínimas:   (…) II – quando incluir internação hospitalar: (…) d) cobertura de exames complementares indispensáveis para o controle da evolução da doença e elucidação diagnóstica, fornecimento de medicamentos, anestésicos, gases medicinais, transfusões e sessões de quimioterapia e radioterapia, conforme prescrição do médico assistente, realizados ou ministrados durante o período de internação hospitalar;

[5] Art. 8º Nos procedimentos e eventos previstos nesta Resolução Normativa e seus Anexos, se houver indicação do profissional assistente, na forma do artigo 6º, §1º, respeitando-se os critérios de credenciamento, referenciamento, reembolso ou qualquer tipo de relação entre a operadora e prestadores de serviços de saúde, fica assegurada a cobertura para: (…) III – taxas, materiais, contrastes, medicamentos, e demais insumos necessários para sua realização, desde que estejam regularizados e/ou registrados e suas indicações constem da bula/manual perante a ANVISA ou disponibilizado pelo fabricante.

[6] Art. 12.  São facultadas a oferta, a contratação e a vigência dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, nas segmentações previstas nos incisos I a IV deste artigo, respeitadas as respectivas amplitudes de cobertura definidas no plano-referência de que trata o art. 10, segundo as seguintes exigências mínimas:

I – quando incluir atendimento ambulatorial:
[…]
c) cobertura de tratamentos antineoplásicos domiciliares de uso oral, incluindo medicamentos para o controle de efeitos adversos relacionados ao tratamento e adjuvantes;

[7] II – quando incluir internação hospitalar:

[…]
g) cobertura para tratamentos antineoplásicos ambulatoriais e domiciliares de uso oral, procedimentos radioterápicos para tratamento de câncer e hemoterapia, na qualidade de procedimentos cuja necessidade esteja relacionada à continuidade da assistência prestada em âmbito de internação hospitalar;

[9] TJSP; Apelação Cível 1169606-97.2023.8.26.0100; Relator (a): Schmitt Corrêa; Órgão Julgador: 3ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível – 8ª Vara Cível; Data do Julgamento: 03/09/2024; Data de Registro: 03/09/2024

[10] TJSP; Apelação Cível 1061341-64.2024.8.26.0100; Relator (a): Domingos de Siqueira Frascino; Órgão Julgador: Núcleo de Justiça 4.0 em Segundo Grau – Turma IV (Direito Privado 1); Foro Central Cível – 43ª Vara Cível; Data do Julgamento: 28/03/2025; Data de Registro: 28/03/2025

[11] TJSP; Apelação Cível 1035146-28.2013.8.26.0100; Relator (a): João Batista Vilhena; Órgão Julgador: 5ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível – 27ª Vara Cível; Data do Julgamento: 22/05/2024; Data de Registro: 26/07/2024

[12] Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: (…) IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade; (…)   § 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que: (…) II – restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual;

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