Estudo do BC sugere melhorias nos sistemas de amortização do financiamento imobiliário com uso do IPCA

​Contratos imobiliários corrigidos pela inflação geram insegurança nos mutuários, uma vez que, de um lado, há o crescimento nominal das prestações, e, de outro, a renda não aumenta necessariamente na mesma magnitude e periodicidade, o que compromete a renda disponível e aumenta o risco de inadimplência. Essa é uma das conclusões da Nota Técnica 56, produzida pelo Diretor de Regulação do Banco Central (BC), Gilneu Vivan, que analisa o atual cenário dos contratos imobiliários no país.  

Acesse a Nota Técnica 56 aqui​

De acordo com o estudo, esse efeito é mais grave para os mutuários de baixa renda, que, geralmente, têm menor capacidade de poupança ou espaço no orçamento para absorver grandes flutuações nas prestações. A diferença da dinâmica  e do descompasso, no curto prazo, entre a variação da remuneração e a variação das prestações é mais evidente em períodos de alta inflação, podendo causar impactos significativos de comprometimento de renda desses mutuários.  

Proposta 
A nota apresenta uma proposta para adaptar as funções dos sistemas de amortização (Price e Sistema de Amortização Constante – SAC), incluindo um componente que aumenta a amortização, o que diminui a sensibilidade das prestações à inflação.   

Esse componente, adicionado na prestação, absorve os efeitos da inflação do período. Se ele for maior que a inflação, a prestação tende a reduzir nominalmente, e, se a inflação for maior que ele, a prestação aumenta no máximo pela diferença, diluído pelo prazo restante.

Assim, a abordagem proposta reduz significativamente a volatilidade da prestação nominal, e aumenta a previsibilidade da prestação e a estabilidade do comprometimento de renda, mesmo em períodos de alta inflação. Ou seja, mesmo em contratos corrigidos pela inflação, as prestações nominais apresentam comportamento esperado de acordo com o sistema de amortização utilizado.   

Financiamento
A publicação da Nota Técnica 56 ocorre em um contexto de mudanças para o crédito imobiliário no país. Na sexta-feira (10/10), o BC e o Conselho Monetário Nacional (CMN) anunciaram alterações no modelo de direcionamento obrigatório dos recursos dos depósitos de poupança.  

Com as medidas, espera-se uma ampliação na concessão de financiamentos imobiliários e do acesso ao crédito para aquisição da casa própria em condições adequadas, em especial para famílias de menor renda não contempladas por programas habitacionais, inclusive com a adoção de outros índices de correção além da Taxa Referencial (TR), mantendo-se preservada a robustez das regras de originação dessas operações de crédito. Saiba mais sobre o novo modelo de financiamento de crédito imobiliário aqui. Acesse a Nota Técnica 56 aqui.

Sob Lei do Distrato, é possível aplicar multa por desistência e taxa de ocupação de lote não edificado

A taxa de fruição, no caso de lote não edificado, era vedada pela jurisprudência do STJ até 2018, mas a Quarta Turma entendeu que a lei passou a prever expressamente a retenção a esse título.
 

Nos casos de rescisão do contrato de compra e venda de imóvel celebrado após a entrada em vigor da Lei do Distrato (Lei 13.786/2018), é possível descontar da quantia a ser restituída ao comprador desistente a taxa de ocupação ou fruição, mesmo na hipótese de lotes não edificados, além do valor da cláusula penal.

Com esse entendimento, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que concluiu pela possibilidade de retenção do valor pago pelo comprador de um lote que desistiu do negócio. No caso, não sobrou nada a ser devolvido após a dedução dos encargos de rescisão previstos legal e contratualmente.

Segundo o processo, o contrato foi assinado em 2021, no valor de R$ 111.042,00. Após pagar R$ 6.549,10, o comprador pediu a dissolução do negócio. A vendedora aplicou a multa contratual e a taxa de ocupação pelo tempo em que o imóvel esteve com o comprador, mas este ajuizou ação questionando as deduções.

Tanto o juízo de primeiro grau quanto o TJSP entenderam que as retenções foram feitas dentro dos parâmetros legais e que o comprador foi informado previamente a respeito das consequências da desistência.

Lei passou a prever cláusula penal nas rescisões contratuais

A relatora no STJ, ministra Isabel Gallotti, explicou que, no caso, aplica-se a Lei do Distrato – editada em 2018, antes da assinatura do contrato no ano de 2021 –, a qual prevê cláusulas penais na hipótese de desistência por parte dos compradores de lotes. Anteriormente a essa lei – ressaltou –, não havia tal previsão, porque a Lei 6.766/1979 considerava esse tipo de negócio irretratável.

A ministra lembrou que a proibição de desistir do negócio foi sendo mitigada pela jurisprudência do STJ, com base no Código de Defesa do Consumidor (CDC), especialmente quando demonstrada a incapacidade do comprador de continuar honrando as prestações. Segundo a relatora, nessas situações anteriores à vigência da Lei 13.786/2018, a Segunda Seção do tribunal estabeleceu o percentual de 25% dos valores pagos para a compensação dos prejuízos do incorporador, se não houvesse peculiaridade que, no caso específico, justificasse percentual diferente.

Com a edição da Lei 13.786/2018 – prosseguiu a relatora –, passou a ser previsto o direito de distrato, por meio da inclusão do artigo 26-A na Lei 6.766/1979, que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano. Este artigo estabelece a cláusula penal de 10% do valor atualizado do contrato de aquisição do lote para os casos de rescisão.

No recurso em análise, Gallotti verificou que a cláusula contratual estava dentro dos parâmetros da lei, tendo sido correta a retenção do valor. Ela observou também que não está sendo cobrada pela vendedora diferença alguma em seu favor. Ela apenas alega, em sua defesa, o direito de retenção a esse título dos valores a serem devolvidos ao consumidor desistente.

Após a Lei 13.786/2018, a taxa de fruição é devida com ou sem edificação no lote

Já em relação à taxa de fruição no caso de lote não edificado, a relatora lembrou que a jurisprudência do STJ não autorizava a sua cobrança antes da Lei 13.786/2018, devido à falta de previsão legal para sua incidência sem a efetiva utilização do bem pelo comprador.

No entanto – afirmou –, a Lei do Distrato passou a prever expressamente, no inciso I do artigo 32-A, que, além da cláusula penal, é permitida a retenção de “valores correspondentes à eventual fruição do imóvel, até o equivalente a 0,75% sobre o valor atualizado do contrato”. Para a relatora, o entendimento anterior do tribunal não pode mais prevalecer para os contratos celebrados após a edição da Lei do Distrato, que prevê a retenção desse valor em qualquer hipótese – com ou sem edificação no lote.

“Não se verifica ofensa ao artigo 53 do CDC, pois não há previsão de cláusula contratual que estabeleça a perda total das prestações pagas em benefício do loteador. Na verdade, o contrato expressamente previu a devolução das quantias pagas com descontos permitidos na lei em vigor quando de sua celebração. Se nada há a ser restituído ao adquirente é porque ele pagou quantia muito pequena, que não é capaz de quitar sequer a cláusula penal e a taxa de fruição contratualmente fixadas dentro dos limites da lei”, explicou.

Fonte: STJ

Disciplina sobre Autoproteção de Magistradas(os) do CJF integrou formação da Enfam

Treinamento contou com aula teórica e atividade prática nesta sexta-feira (17)

O curso sobre Ações de Contra-Acompanhamento para Autoproteção de Magistradas(os) do Conselho da Justiça Federal (CJF) integrou a programação do Módulo Nacional de Formação Inicial promovido pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam). O conteúdo foi adaptado pela Enfam para uma carga horária menor e culminou na disciplina Consciência Situacional para Autoproteção de Magistradas(os), realizada nesta sexta-feira (17). A capacitação foi dividida em dois momentos: o primeiro com abordagem teórica, ministrado no auditório da Enfam; e o segundo, com atividade prática, no Aeroporto de Brasília (DF).  

A formação inicial realizada pela Enfam teve início na segunda-feira (13) e foi encerrada com o treinamento voltado à segurança da magistratura. O painel da manhã foi conduzido pelo assessor da Corregedoria-Geral da Justiça Federal (ASSCG) e delegado da Polícia Federal, Élzio Vicente da Silva, e pela secretária de Segurança Institucional do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Denisse Dias Rosas Ribeiro. 

A instrução para autoproteção, desenvolvida pelo CJF, é baseada em uma abordagem inovadora e preventiva, com foco no desenvolvimento de consciência crítica, instruindo magistradas(os) a reconhecer padrões de comportamento suspeitos, identificar vulnerabilidades pessoais e institucionais e aplicar técnicas de negação de acesso a informações sensíveis.  

Élzio Vicente da Silva iniciou os fundamentos teóricos da aula, apresentando conceitos e enfatizando os comportamentos e as circunstâncias que devem ser identificadas para prevenir a ocorrência de uma ação hostil. “A ideia do curso é confrontar as magistradas e os magistrados com algumas situações para que, no dia a dia, eles possam identificar as condições que chamamos de indicadores pré-incidentes”, esclareceu.  

O treinamento desenvolve habilidades essenciais à preservação da integridade física, emocional e funcional da (do) magistrada(o), trabalhando técnicas de análise situacional. “O curso é feito pelo Poder Judiciário para a magistratura, idealizado para que o magistrado possa conseguir ser um polo ativo da sua própria proteção”, enfatizou Denisse Dias Rosas Ribeiro. “Um dos principais destaques dessa aula é a mudança de mentalidade: como o magistrado consegue ler e entender as situações triviais”, afirmou.  

Prática 

À tarde, o treinamento teve continuidade com atividade realizada no Aeroporto de Brasília. Na oportunidade, a turma colocou em prática os aprendizados teóricos obtidos. Com a participação do assessor Especial de Segurança Institucional e de Transporte do CJF, Geovaldri Maciel Laitartt, as (os) participantes foram submetidas(os) aos chamados “modelos mentais” para viabilizar a identificação de ações hostis do cotidiano. “Nós desenhamos um perfil de atuação de quem vai fazer uma atividade de acompanhamento para que eles consigam identificar se alguém está fazendo o acompanhamento sobre eles”, contextualizou Laitartt.  

Em um desses cenários montados, um(a) das(os) formandas(os) aguarda o embarque, enquanto as(os) demais fazem seu “acompanhamento”, colhendo dados pessoais, informações de comportamento e tirando fotos, por exemplo. Dessa forma, as (os) magistradas(os), conseguem tem uma percepção ampla das possíveis condições de risco.  

 Créditos: Paula Carrubba/Enfam

Créditos: Paula Carrubba/Enfam

Avaliação 

Para as (os) magistradas(os), a aula fortalece a capacidade de atuar com mais segurança, discernimento e autonomia diante de contextos de risco. De acordo com Maria Luiza, juíza do Rio de Janeiro, o destaque do curso foi o viés da prevenção. “O que mais me chamou atenção foi o aspecto de nos alertar para as questões que, geralmente, não teríamos a percepção e que estão nos expondo a maiores vulnerabilidades. Já consegui vislumbrar situações práticas pelas quais eu já passei e que se aplicam ao que eu aprendi agora”, apontou. 

Vitor Calil Lustoza Leão, juiz do TJRJ, classificou a iniciativa como “extremamente necessária”. “Como magistrados estamos expostos a situações da nossa vida pública e particular. O instrutor trouxe informações relevantes que vão auxiliar na nossa segurança institucional e da nossa família, para que possamos ter uma tomada de decisão mais justa e independente”, argumentou.  

Segurança Institucional 

A ampliação do curso de autoproteção a formandas(os) da ENFAM é uma estratégia articulada pelo vice-presidente do CJF, corregedor-geral da Justiça Federal, ministro Luis Felipe Salomão – iniciativa que reafirma o compromisso da Justiça Federal com a proteção da magistratura e a continuidade do serviço jurisdicional.  

“O tema da segurança institucional é uma preocupação do ministro Salomão. Esse curso foi idealizado dentro da Justiça Federal e agora tem a oportunidade de se comunicar com a magistratura de todo Brasil. A ideia foi fazer essa adaptação para permitir que ele fosse ministrado em um tempo menor, mas que vai contribuir muito para a segurança institucional dos Tribunais”, enfatizou Élzio Vicente da Silva.  

A medida também é uma resposta aos resultados obtidos na enquete promovida este ano pela Corregedoria-Geral da Justiça Federal e pelo Centro de Estudos Judiciários (CEJ). De acordo com o levantamento de percepção da magistratura federal sobre o tema, com a participação voluntária de 216 magistradas(os), 70% das (dos) magistradas(os) já se sentiram vulneráveis em razão da atividade jurisdicional. 

Fonte: CJF

Comissão aprova abatimento no Fies para graduado em direito que atuar na defensoria pública

A Comissão de Educação da Câmara dos Deputados aprovou projeto de lei que inclui os graduados em direito que prestarem serviços às defensorias públicas da União e dos estados na lista de beneficiários do abatimento no saldo devedor junto ao Fundo de Financiamento Estudantil (Fies).

A proposta aprovada altera a Lei do Financiamento Estudantil, que regulamenta o fundo. A prestação de serviços pelos graduados em direito terá de ser feita de forma não remunerada, por uma jornada mínima de 8 horas semanais.

O texto aprovado é a versão do relator, deputado Thiago de Joaldo (PP-SE), para o Projeto de Lei 368/24, do deputado Rafael Prudente (MDB-DF). Por sugestão do relator, a medida só será adotada se houver disponibilidade orçamentária.

“Como a mudança promoveria aumento de despesas – na medida em que o tempo de colaboração voluntária diminuiria o estoque da dívida do beneficiário –, é preciso considerar disponibilidade orçamentária”, explicou o relator.

“Franquear esse abatimento aos bacharéis em direito poderá diminuir as dívidas e também contribuirá com a população que precisa de atendimento jurídico gratuito”, afirmou o deputado Rafael Prudente, autor do projeto original.

Abatimentos
Atualmente, a legislação prevê abatimento mensal de 1% do saldo devedor consolidado, incluídos os juros, aos seguintes grupos:

  • professores em efetivo exercício na rede pública de educação básica graduados em licenciatura e com jornada de, no mínimo, 20 horas semanais;
  • médicos das equipes de saúde da família ou médicos das Forças Armadas que atuam em regiões com carência de profissionais e definidas como prioritárias pelo Ministério da Saúde; e
  • médicos, enfermeiros e demais profissionais da saúde que trabalharam no Sistema Único de Saúde (SUS) durante a pandemia da Covid-19.

Próximos passos
O projeto tramita em caráter conclusivo e ainda será analisado pelas comissões de Finanças e Tributação; e de Constituição e Justiça e de Cidadania. Para virar lei, o texto terá de ser aprovado pela Câmara e pelo Senado.

Fonte: Câmara dos Deputados

Democracias em mira: o ensaio global das guerras invisíveis

Nas últimas semanas, céus europeus tornaram-se palco de uma inquietante coreografia. Drones não identificados cruzaram fronteiras da Dinamarca, sobrevoaram instalações estratégicas na Alemanha e despertaram uma sensação que o continente julgava ter superado: a vulnerabilidade. [1]  A resposta veio rápida; planos de defesa aérea reforçados, novas legislações em curso e discursos inflamados sobre soberania tecnológica e segurança nacional.

Em Moscou, o chanceler russo negou qualquer envolvimento, mas a negação veio acompanhada de uma ameaça: o uso de “armas de destruição em massa” caso a Otan ousasse reagir. O tom, mais do que retórico, revelou uma velha tática em versão 4.0, uma guerra híbrida, onde a força militar se mistura à desinformação, à intimidação psicológica e ao teste calculado das instituições democráticas. [2].

Esses episódios não pertencem apenas à geopolítica europeia. São sinais de um tempo em que a tecnologia redefine as fronteiras entre guerra e paz, verdade e manipulação, segurança e vigilância.

Este artigo parte dessa constatação para discutir:
a) os riscos políticos e eleitorais associados ao uso militar e informacional de drones;
b) as estratégias de preparação institucional de países como o Brasil; e
c) as perspectivas regulatórias para o uso ético e seguro de sistemas de IA em contextos de conflito e poder.

Do risco ao impacto político-eleitoral

Por que essas incursões preocupam as democracias? Três vetores são centrais:

a) Erosão da confiança institucional
Em ambientes em que populações percebem que o Estado não consegue proteger infraestruturas críticas, instala-se um sentimento difuso de insegurança. Além disso, a guerra híbrida contemporânea não se limita ao campo físico. Ela se desloca para o domínio informacional, onde a convergência entre IA generativa e coleta massiva de dados pessoais inaugura uma nova etapa das chamadas “ameaças cognitivas”.

Segundo Pauwels (2024), essas tecnologias “democratizam” a desinformação, permitindo a criação de conteúdos falsos verossímeis dirigidos a perfis psicológicos e socioculturais específicos. No contexto eleitoral, o risco é direto: a micro-manipulação cognitiva com algoritmos que ajustam mensagens e emoções em tempo real para influenciar preferências políticas sem que o cidadão perceba.

O resultado é a erosão silenciosa da confiança institucional e da própria ideia de verdade pública. O relatório da Carnegie Endowment for International Peace (Dempsey, 2025) aponta como a Rússia vem sofisticando suas táticas de  interferência eleitoral, usando IA generativa, perfis automatizados e deepfakes para moldar percepções e corroer a confiança pública.

O estudo adverte que esse modelo russo de guerra híbrida informacional tende a se expandir globalmente nos ciclos eleitorais de 2025 e 2026, à medida que as tecnologias se tornam mais acessíveis e difíceis de rastrear, o que reforça a urgência de mecanismos de transparência, rastreabilidade e regulação da IA voltados à integridade democrática.

b) Intimidação simbólica e efeito psicológico

Os drones que cruzam fronteiras sem disparar um único tiro ainda assim produzem impacto. Sua mera presença sobre territórios nacionais comunica uma mensagem silenciosa, porém inequívoca: ninguém está fora do alcance. É a política da vigilância aérea, uma forma de intimidação simbólica que atua menos pelo dano material e mais pela sensação de exposição constante.

Em tempos eleitorais, esse tipo de ameaça tem efeitos psicológicos profundos. O medo de interferências externas ou manipulações invisíveis age como desestímulo ao engajamento político, ao semear a suspeita de que os resultados já não refletem a vontade popular, mas a engenharia algorítmica de algum poder oculto.

Nesse cenário, a ascensão da IA generativa marca uma virada qualitativa. Diferentemente dos ciclos anteriores de manipulação digital, dependentes de exércitos humanos de bots e fábricas de conteúdo, os novos modelos de IA são autônomos, adaptativos e escaláveis. Essas ferramentas inauguram o que se pode chamar de “sugestionamento híbrido”, uma nova etapa das guerras cognitivas.

c) Modelo de guerra tropelada para operações de influência local

As tecnologias de guerra raramente permanecem restritas aos campos de batalha onde foram concebidas. O que começa como experimento geopolítico tende, cedo ou tarde, a ser importado, adaptado e reconfigurado para contextos internos. É o ciclo clássico da inovação bélica: da fronteira ao cotidiano.

O mesmo ocorre com os drones e os sistemas de IA embarcada. Ferramentas criadas para fins de defesa ou vigilância estatal podem facilmente ser reconvertidas em mecanismos de controle político e intimidação social. Imagine um cenário em que um governo autoritário ou mesmo grupos privados com acesso a tecnologia avançada utilizam drones autônomos para vigiar opositores, monitorar manifestações ou sabotar eventos públicos.

Essa lógica de guerra, em que instrumentos sofisticados de coerção são aplicados de forma improvisada e fora de controle civil, amplia o risco de contaminação das esferas locais por estratégias originalmente militares. Em países cujas instituições eleitorais ainda consolidam sua blindagem digital, essa vulnerabilidade é particularmente sensível.

A guerra híbrida contemporânea não exige invasão territorial. A fronteira, nesse caso, não é o espaço aéreo, é a integridade das instituições democráticas e da mente coletiva que as sustenta.

O Brasil e a necessidade de vigilância normativa

Os episódios recentes na Europa funcionam como alertas antecipados. O Brasil integra uma rede global de riscos e inovações em segurança digital, cibernética e autônoma. A questão central, portanto, não é se as ameaças chegarão, mas quando e de que forma se manifestarão. Alguns fatores tornam a atenção normativa especialmente urgente.

a) Importação e disseminação de tecnologia militar/autônoma

O país pode receber drones e IA de uso dual por meio de cooperação internacional ou canais comerciais. A corrida global pela automação bélica hoje envolve Estados, empresas e até grupos civis.

Segundo o War Room,  U.S. Army War College (2025), o custo da inteligência de alvo caiu para US$ 25, demonstrando a “democratização da letalidade” e o potencial de uso indevido em contextos urbanos, como o do Rio de Janeiro, onde o uso indevido dessas ferramentas por grupos armados é plausível.

b) Contágio de playbooks autoritários

A guerra híbrida europeia funciona como laboratório simbólico para regimes e atores locais. Táticas de desinformação, vigilância política e manipulação psicológica são facilmente adaptadas a contextos internos, sob o pretexto de “segurança nacional”. O perigo é que o discurso de proteção se converta em instrumento de controle.

c) Eleições de 2025 e risco sistêmico

O ano de 2025 trará eleições decisivas em várias partes do mundo, inclusive no Brasil, onde a disputa presidencial ocorre em um ambiente ainda marcado pela polarização e pela desconfiança institucional. Em contextos assim, crises externas e narrativas de ameaça global tendem a repercutir internamente, legitimando ativismos institucionais e discursos de exceção em nome da “segurança nacional”, capazes de enfraquecer a vigilância democrática.

Perspectivas: regulação, dissuasão e resiliência democrática

O desafio brasileiro é equilibrar inovação e segurança, evitando que a mesma tecnologia que impulsiona o progresso seja instrumentalizada para corroer as bases da democracia.

Propõem-se três linhas estratégicas complementares nesse sentido:

a) Regulação tecnológica e restrição normativa

O Brasil precisa antecipar marcos legais específicos para o uso de drones e sistemas autônomos dotados de IA, sobretudo quando houver potencial ofensivo ou de vigilância política.

Deve-se proibir o emprego de sistemas letais autônomos sem supervisão humana significativa, bem como estabelecer padrões de responsabilidade civil e penal para fabricantes, operadores e autoridades que utilizem IA em contextos militares ou de segurança pública.

Essas normas devem dialogar com o princípio da precaução tecnológica, assegurando que qualquer uso de IA em contextos sensíveis seja acompanhado de mecanismos auditáveis de rastreabilidade, explicabilidade e controle humano.

b) Fortalecimento institucional e segurança eleitoral

A resiliência democrática depende da proteção integral das instituições eleitorais, não apenas contra ataques cibernéticos, mas também contra operações híbridas.

É necessário que órgãos como o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) adotem uma abordagem integrada de defesa, combinando simulações de ataque, auditorias técnicas, cooperação com agências de defesa e protocolos emergenciais de resposta coordenada.

Conclusão

Os episódios recentes na Europa e suas reverberações simbólicas revelam que a guerra contemporânea se infiltra pelas redes, pelos dados, pelos céus e, sobretudo, pelas percepções humanas. Ademais, a erosão da confiança institucional, a intimidação psicológica e a adaptação doméstica de tecnologias militares compõem um mosaico de ameaças que ultrapassa fronteiras e desafia categorias jurídicas tradicionais. O inimigo, agora, é difuso: parte máquina, parte narrativa, parte medo.

Nesse sentido, as democracias não são derrubadas por golpes repentinos, mas desgastadas pela fadiga da vigilância e pela saturação informacional. Tendo como risco a naturalização do controle, quando sociedades começam a aceitar a presença constante de olhos invisíveis e discursos fabricados como o preço inevitável da segurança.

Nesse contexto, o desafio brasileiro e de todas as democracias que ainda lutam por estabilidade é compreender que a neutralidade tecnológica é uma ilusão. Sistemas de IA, drones autônomos e ecossistemas de dados não são apenas ferramentas: são atores políticos, capazes de moldar comportamentos, decisões e crenças coletivas.

Proteger a democracia, portanto, exige mais do que legislar sobre o uso de armas inteligentes. Exige reconhecer que a informação tornou-se o novo território de disputa, e que a linha entre defesa e dominação é tênue.

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Notas

Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações. Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial – E-IA Brasil. Brasília, DF, 2021. Disponível aqui.

DEMPSEY, Judy. Russian Interference: Coming Soon to an Election Near You. Brussels: Carnegie Endowment for International Peace, 6 fev. 2025. Disponível aqui.

PAUWELS, Eleonore. Preparing for Next-Generation Information Warfare with Generative AI. Waterloo, Ontario: Centre for International Governance Innovation (CIGI), nov. 2024. Disponível aqui.

TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL (Brasil). Entenda como funciona o Ciedde e como denunciar via sistema. Brasília, DF, 7 maio 2024. Disponível aqui.

UNITED NATIONS. Group of Governmental Experts on Lethal Autonomous Weapons Systems (LAWS): Report 2024. Geneva: United Nations Institute for Disarmament Research (UNIDIR), 2024. Disponível aqui.

WAR ROOM – U.S. Army War College. Artificial Intelligence’s Growing Role in Modern Warfare. Carlisle, Pennsylvania: U.S. Army War College, ago. 2025. Disponível aqui.

WASSENAAR ARRANGEMENT. The Wassenaar Arrangement on Export Controls for Conventional Arms and Dual-Use Goods and Technologies. Viena: Wassenaar Secretariat, 1996. Disponível aqui.

[1] REUTERS. Germany to take steps to defend itself against ‘high’ threat from drones. 27 set. 2025. Disponível aqui.

[2] G1. Na ONU, chanceler russo nega ataque com drones e diz que qualquer agressão da OTAN à Rússia terá resposta. 27 set. 2025. Disponível aqui.

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Encontro vai discutir uso de IA no exame de admissibilidade de recursos para tribunais superiores

Com o objetivo de aprofundar o diálogo institucional sobre a aplicação da inteligência artificial (IA) no Poder Judiciário brasileiro, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) realizará, no dia 4 de novembro, o II Encontro com Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais sobre Admissibilidade de Recursos Dirigidos aos Tribunais Superiores. O evento acontecerá das 9h às 18h, no Salão Nobre do tribunal, com transmissão pelo canal do STJ no YouTube.

A abertura será conduzida pelo presidente do STJ, ministro Herman Benjamin, e pelo vice-presidente, ministro Luis Felipe Salomão. O encontro contará com a participação de representantes de Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais, além de especialistas na área de tecnologia.

Regulamentação e uso de IA na admissibilidade de recursos especiais

A abordagem do evento será abrangente, tratando desde regulamentação até aplicação dos recursos de IA no Sistema de Justiça. Ao longo de sete painéis, serão debatidos os termos regulatórios do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sobre o tema, além de sistemas de IA e automações utilizadas no exame de admissibilidade do recurso especial em tribunais de diferentes regiões do país.

Fonte: STJ

Comissão aprova aumento das penas quando crime provocar interrupção de serviços de comunicação

A Comissão de Segurança Pública da Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 953/25, que aumenta as penas previstas no Código Penal nos casos de crimes que provoquem interrupção ou perturbação de serviços telegráficos, telefônicos, informáticos, telemáticos ou de informação de utilidade pública.

O tipo penal, que anteriormente previa detenção de 1 a 3 anos e multa, passa a ser punido com 3 a 6 anos de detenção, além de multa.

A proposta é de autoria do deputado Célio Studart (PSD-CE).

Crime organizado
A proposta prevê dobrar a pena quando o crime for cometido por facções criminosas, milícias privadas ou organizações criminosas.

O projeto estabelece ainda que a aplicação da pena em dobro independerá da existência de proveito econômico direto.

O relator, deputado Sargento Portugal (Pode-RJ), apresentou parecer pela aprovação do texto.

“O projeto atualiza e fortalece o tratamento penal de um crime cuja relevância cresce em razão do impacto direto sobre a sociedade. Ao aumentar a pena base e prever hipóteses qualificadas de maior rigor, a proposição se mostra adequada e necessária para enfrentar um padrão  de criminalidade que ameaça não apenas serviços essenciais, mas a própria autoridade estatal”, reforçou Portugal.

Próximos passos
O projeto, que tramita em caráter conclusivo, será ainda analisado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. Para virar lei, o texto precisa ser aprovado pela Câmara e pelo Senado.

Fonte: Câmara dos Deputados

BC inclui títulos sustentáveis na prestação de informações sobre capitais internacionais

Em 1º de outubro, entrou em vigor a Resolução BCB 492, de 14 de agosto de 2025, que alterou as resoluções sobre capitais internacionais para incluir os títulos sustentáveis na prestação de informações pelos investidores e tomadores de crédito externo.

O objetivo do Banco Central (BC) é coletar informações específicas sobre o financiamento sustentável para apoiar a transição para uma economia mais resiliente. Os títulos sustentáveis são instrumentos de dívida emitidos para captar recursos destinados ao financiamento de projetos e atividades com impactos positivos nas áreas ambiental, social ou de governança.

“As informações sobre operações de crédito externo para títulos sustentáveis são fundamentais para a base estatística sobre finanças climáticas, contribuem para o monitoramento e gerenciamento de riscos climáticos e socioambientais, e integram a regulação de capitais internacionais à Agenda BC# Sustentabilidade”, destaca Ricardo Moura, Chefe do Departamento de Regulação Prudencial e Cambial do BC

Essas informações contribuirão tanto para aprimorar os dados estatísticos quanto para fornecer subsídios relevantes aos formuladores de políticas públicas. A Resolução representa mais um avanço na agenda ambiental, climática, social e de governança do BC e alinha o Brasil às diretrizes internacionais ao cumprir com a recomendação do G20 sobre financiamento climático.

Dessa forma, a Resolução 492/2025 alterou dispositivos da Resolução BCB 278/2022, para dispor sobre as operações de crédito externo e a identificação dos títulos sustentáveis, e da Resolução BCB 279/2022, quanto à prestação de informações em capitais brasileiros no exterior na forma de títulos sustentáveis.

Foram incluídos quatro tipos de títulos de dívida sustentáveis:

  • Títulos verdes: atividades ou projetos que gerem benefícios ao meio ambiente;
  • Títulos sociais: atividades ou projetos que gerem benefícios sociais;
  • Títulos de sustentabilidade: atividades ou projetos que gerem benefícios sociais e ao meio ambiente; ou
  • Títulos vinculados a metas de sustentabilidade: recursos captados com destinação livre, mas com compromissos pré-definidos de sustentabilidade que melhorem as condições do meio ambiente, da sociedade ou de ambos.

A Resolução BCB 492/2025 pode ser acessada aqui.

Fonte: BC

Aberto prazo para amici curiae em repetitivo sobre critérios de juros abusivos nos contratos bancários

O ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Antonio Carlos Ferreira facultou aos interessados a habilitação, como amici curiae, no julgamento do Tema 1.378 dos recursos repetitivos.

O processo vai fixar teses sobre duas questões: se é suficiente a adoção das taxas médias de mercado divulgadas pelo Banco Central do Brasil ou de outros critérios previamente definidos como fundamento exclusivo para a aferição da abusividade dos juros remuneratórios em contratos bancários; e se são admissíveis os recursos especiais interpostos para rediscutir as conclusões de segunda instância quanto à abusividade ou não das taxas de juros remuneratórios pactuadas, quando baseadas em aspectos fáticos da contratação.

O pedido de habilitação dos interessados deve ser feito no prazo de 15 dias úteis, período no qual o interessado deve apresentar a sua manifestação sobre o tema. Para racionalizar a tramitação dos recursos afetados ao rito dos repetitivos, o ministro determinou que os requerimentos sejam encaminhados exclusivamente nos autos do REsp 2.227.280, mas nada impede que sejam abordadas circunstâncias específicas de cada um dos processos.

Para o relator, “a intervenção de interessados possibilita a pluralização do debate, com o oferecimento de argumentos que enriquecem a solução da controvérsia, ao mesmo tempo em que confere maior amparo democrático e social às decisões proferidas por esta corte”.

Leia a decisão no REsp 2.227.280.

Fonte: STJ

Projeto destina R$ 254,9 milhões para justiças Federal e Eleitoral e conselhos

Projeto de lei do Poder Executivo abre crédito suplementar de R$ 254,9 milhões no Orçamento de 2025 para as justiças Federal e Eleitoral, o Conselho Nacional de Justiça e o Conselho Nacional do Ministério Público (PLN 27/25).

As ações contempladas são:

  • Justiça Federal: construção do Edifício-Sede II da Seção Judiciária em Salvador (BA); reforma do Tribunal Regional Federal da 6ª Região em Belo Horizonte (MG); e reforma do Edifício-Sede II da Justiça Federal em Belo Horizonte (MG);
  • Justiça Eleitoral: para o Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso para a contratação de plano de gerenciamento de resíduo sólido, uma exigência do Conselho Nacional de Justiça, e para o atendimento de despesas com o acréscimo de gastos com combustíveis; além de melhoria das instalações prediais do Fórum Eleitoral de Carpina (PE);
  • Conselho Nacional de Justiça: atendimento de despesas decorrentes de parcerias com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento;
  • Conselho Nacional do Ministério Público: contratações necessárias ao atendimento das funções institucionais do órgão.

Os recursos serão obtidos por remanejamentos orçamentários. O projeto será analisado pela Comissão Mista de Orçamento e, em seguida, pelo Plenário do Congresso.

Fonte: Câmara dos Deputados