Câmara aprova regime de urgência para projeto sobre anistia

 

A Câmara dos Deputados aprovou o requerimento de urgência para o Projeto de Lei 2162/23, sobre anistia aos participantes de manifestações reivindicatórias de motivação política ocorridas entre o dia 30 de outubro de 2022 e o dia de entrada em vigor se a proposta virar lei. Foram 311 votos a favor, 163 contra e 7 abstenções. A data de votação do projeto ainda será definida.

Os projetos com urgência podem ser votados diretamente no Plenário, sem passar antes pelas comissões da Câmara.

O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), afirmou que um relator será nomeado nesta quinta-feira (18) para apresentar a versão de um texto que encontre apoio da maioria ampla da Casa. Segundo Motta, há visões distintas e interesses divergentes sobre os acontecimentos de 8 de janeiro de 2023 e, portanto, caberá ao Plenário decidir.

Motta explicou que buscará construir com o futuro relator um texto que traga pacificação para o país. “Tenho convicção que a Câmara conseguirá construir essa solução que busque a pacificação nacional, o respeito às instituições, o compromisso com a legalidade e levando em conta também as condições humanitárias das pessoas que estão envolvidas nesse assunto”, declarou.

“Não se trata de apagar o passado, mas de permitir que o presente seja reconciliado e o futuro construído em bases de diálogo e respeito”, disse.

Confira a íntegra do discurso de Motta após aprovação da urgência

Versões anteriores
O Projeto de Lei 2162/23, do deputado Marcelo Crivella (Republicanos-RJ) e outros, não tramita mais junto com o texto que aguardava votação na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (PL 2858/22), cuja versão propunha anistia mais ampla.

O texto original do PL 2162/23 diz que a anistia proposta compreende “os crimes com motivação política e/ou eleitoral ou a estes conexos, bem como aqueles definidos no Código Penal”. Esse texto, no entanto, não será o que irá à votação. Articulações de lideranças políticas junto a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) procuram uma saída que não implique anistia ampla, focando mais na redução de penas.

Debate em Plenário
Deputados da oposição e de outros partidos de direita e centro-direita defenderam a aprovação da urgência. Parlamentares de esquerda, base do governo, criticaram a votação.

O líder do Novo, deputado Marcel van Hattem (RS), defendeu a anistia politicamente pela pacificação do país e juridicamente pelo que ele chamou de “correção de injustiças”. “Se tivéssemos já votado, não teríamos perdido tantos momentos que pessoas simples perderam no convívio familiar”, afirmou.

Para o deputado Pastor Henrique Vieira (Psol-RJ), vice-líder do governo, a proposta de anistia é absurda por incluir o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros sete altos funcionários do governo anterior entre os beneficiados. “Não existe pacificação com impunidade, com anistia para golpista”, disse.

Bruno Spada/Câmara dos Deputados
Discussão e votação de propostas legislativas. Presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (REPUBLICANOS - PB)
Hugo Motta, presidente da Câmara dos Deputados

O deputado Gustavo Gayer (PL-GO), vice-líder da oposição, reforçou o tempo passado desde a apresentação do texto até a análise da urgência. “Depois de dois anos de muita luta e sofrimento, finalmente chegamos ao momento que pode marcar a história do país”, afirmou.

O líder do PT, deputado Lindbergh Farias (RJ), declarou que os deputados, ao votarem na anistia, estão sendo “cúmplices de um golpe de Estado continuado” que nunca parou de escalar. Ele avaliou a votação como uma traição à democracia. “Hoje é um dia de vergonha do Parlamento, em que ele se abraça à covardia. Está faltando postura e atitude firme”, criticou.

Porém, o líder do PL, deputado Sóstenes Cavalcante (RJ), afirmou que não haverá “faca no pescoço” de Motta para cobrar a votação do mérito da proposta ainda nesta quarta-feira (17). “Vamos tratar desse assunto para fazermos justiça a milhares de pessoas condenadas a 17, 15 ou 14 anos de prisão ou vamos fingir que no Brasil está tudo bem?”, questionou.

Para a líder do Psol, deputada Talíria Petrone (RJ), a anistia ao final da ditadura militar (Lei 6.683/79) fez com que alguns das Forças Armadas acreditassem na possibilidade de golpe. “Não podemos aceitar que esses tempos que formaram a nossa história voltem. A responsabilização contundente que chega a Bolsonaro e em militares com quatro estrelas é fundamental para aprofundar nossa democracia”, declarou.

O deputado Alencar Santana (PT-SP), vice-líder do governo, disse que é falsa a conversa sobre pacificação do país, porque a maioria do povo é contra o anistia. “Aqueles que derem causa a aprovar a anistia ficarão marcados na história como traidores da pátria”, afirmou.

Para o líder do PSB, deputado Pedro Campos (PE), não existe pacificação verdadeira sem justiça ou democracia. “O que vocês estão fazendo aqui envergonha o povo brasileiro, a nossa democracia, todos os que lutaram por uma Constituição cidadã”, disse Campos, ao se dirigir aos deputados favoráveis ao texto.

O líder do MDB, deputado Isnaldo Bulhões Jr. (AL), defendeu uma proposta de dosimetria de pena aos condenados pelos atos de 8 de janeiro. “Não é isso que está acontecendo. Estamos apreciando um projeto de lei que trata de anistia para os que atentaram contra a democracia”, disse.

Fonte: Câmara dos Deputados

Cancelado debate sobre criminalização de pareceres jurídicos

A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados cancelou a audiência pública que realizaria nesta quinta-feira (18) para discutir a criminalização de pareceres jurídicos, chamada de “crime de hermenêutica”.

Ainda não foi marcada nova data para a audiência.

O debate foi proposto pelo deputado Hildo Rocha (MDB-MA), com o objetivo de discutir o exercício das funções dos procuradores dos estados em demandas judiciais, especialmente na emissão de pareceres em processos que envolvem tribunais superiores.

Rocha informa que a audiência foi motivada pelo caso recente do procurador-geral do Maranhão, Valdênio Nogueira Caminha, afastado de suas funções em razão de parecer emitido em processo de exoneração do presidente de uma estatal maranhense.

Para ele, a situação mostra a necessidade de atualizar a legislação que assegura o livre exercício da advocacia pública e privada.

“O parecer jurídico é manifestação técnica, fruto da convicção do procurador público, que interpreta a legislação e a Constituição a partir de fundamentos jurídicos legítimos”, diz o deputado.

“É natural que tais entendimentos nem sempre coincidam com a visão de ministros dos tribunais superiores, mas dentro de um Estado Democrático de Direito essas divergências devem ser respeitadas, e não reprimidas”, conclui.

Fonte: Câmara dos Deputados

Palestra sobre letramento digital inaugura ciclo de debates na Justiça Federal

Evento destacou ética, inteligência artificial e inovação como bases da transformação digital

Com a palestra Letramento Digital no Judiciário: muito além da tecnologia, a Justiça Federal abriu, na segunda-feira (15), o projeto “Justiça Digital – Saberes para o Futuro”. A ação foi transmitida pelo canal do Conselho da Justiça Federal (CJF) no YouTube e pela plataforma Teams, reunindo magistradas(os) e servidoras(es) para refletir sobre os impactos da cultura digital na Justiça. 

A iniciativa é promovida pela Rede de Inovação da Justiça Federal, em parceria com o CJF, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) e o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3). A condução coube ao juiz federal Náiber Pontes de Almeida, gestor dos sistemas judiciais do TRF1. 

Um novo paradigma  

Na abertura da palestra, a coordenadora da Rede de Inovação, juíza federal auxiliar da Corregedoria-Geral da Justiça Federal (CG), Vânila Cardoso André de Moraes, lembrou que a proposta nasceu em 2024 a partir de oficinas colaborativas. “Esse projeto inicia todo o trabalho de inovação na Justiça Federal pelo começo: a capacitação, o letramento digital. É o que precisamos fazer, conversar na mesma página, compartilhar os mesmos conhecimentos, para enfrentar essa nova etapa marcada pela inteligência artificial”, afirmou.  

O juiz federal Náiber Almeida destacou que a transformação digital em andamento no Judiciário está entre os grandes marcos da história da humanidade. “Estamos vivendo um novo paradigma em que a IA generativa tem o potencial de auxiliar nossa produtividade, mas seu uso exige preparo”, alertou. 

O magistrado reforçou, ainda, que a tecnologia deve ser entendida como ferramenta de apoio e não como substituta da atividade humana. “Não se trata de a tecnologia comandar, mas de auxiliar. É preciso conhecer seus limites para transformar riscos em oportunidades para a Justiça”, disse.  

A mesa de abertura contou, também, com a presença da diretora do Laboratório de Inovação do CJF (Ipê Lab), Miliany Santos Meguerian, e o diretor da Coordenadoria de Gestão Negocial de Sistemas do TRF1, Sérgio Faria Lemos da Fonseca Neto, que atuou como mediador.  

Formação 

O evento inaugurou o calendário da iniciativa “Justiça Digital – Saberes para o Futuro”, que prevê mesas-redondas, miniaulas e workshops, todos transmitidos pelo canal oficial do CJF no YouTube. A proposta é consolidar um espaço permanente de capacitação, preparando magistradas(os) e servidoras(es) para um Judiciário cada vez mais digital, ético e inovador. 

Fonte: CJF

Desrespeito à boa-fé em fase pré-contratual gera dever de indenizar

A 1ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho reconheceu que um pedreiro deve ser indenizado por ter tido frustrada sua expectativa de contratação por uma empresa de serviços de construção. A decisão segue o entendimento do TST de que deve haver respeito à boa-fé também na fase pré-contratual. O valor da condenação será definido pelo Tribunal Regional da 3ª Região (MG).

Na ação, o trabalhador relatou que havia passado por uma seleção prévia para o cargo. Em 1º agosto de 2023, ele recebeu um check list admissional da empresa, por meio de um aplicativo de mensagens, e fez o exame ocupacional no dia nove daquele mês. Dias depois, foi consultado sobre a numeração de seu uniforme e seu email para envio dos contracheques. Finalmente, em 24 de agosto, foi informado de que não seria mais contratado.

A empresa, em sua defesa, alegou que o processo de seleção ainda estava em andamento.

Quebra de expectativa

Para a 2ª Vara do Trabalho de Itabira (MG), a empresa praticou ato ilícito ao frustrar a expectativa do trabalhador e desistir da contratação na fase final de admissão.

Segundo o juízo, o envio do check list admissional, por si só, já confirmaria que não se tratava mais da fase de seleção, mas de admissão. As demais mensagens confirmaram a conclusão de que a empresa violou a boa-fé na quase contratação formal do trabalhador. Diante da frustração da expectativa de oportunidade futura, a construtora foi condenada a pagar indenização de R$ 5 mil.

O TRT-3, porém, julgou improcedente a ação, por entender que o período pré-contratual pode ou não resultar em admissão. Para o tribunal, não havia nenhuma prova de que o pedreiro tivesse renunciado a outra oportunidade de emprego nem de que a recusa da contratação teria causado constrangimento ou abalo moral.

Nítida intenção de contratar

O relator do recurso do trabalhador, ministro Dezena da Silva, ressaltou que a empresa demonstrou nítida intenção de contratá-lo, ao pedir a documentação necessária, inclusive para a abertura de conta-salário, e indicar a clínica para o exame admissional. A seu ver, a construtora, ao desistir da contratação, “ofendeu o dever de lealdade e boa-fé, pois o trabalhador teve a real expectativa de firmar o novo vínculo empregatício”.

Nesse sentido, o relator enfatizou que o entendimento do TST é de que deve haver respeito à boa-fé na fase pré-contratual. “A legítima expectativa de contratação que for frustrada injustificadamente deve ser indenizada pela empresa que praticar essa conduta abusiva, e esse dano prescinde de comprovação da efetiva lesão”, concluiu. Com informações da assessoria de imprensa do TST.

Clique aqui para ler a decisão
Processo 0010462-76.2023.5.03.0171    JMˆ*K

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Necessidade de regulamentação das atividades de mineração nos fundos marinhos

A mineração nos fundos marinhos além da jurisdição dos estados (atividades na área) é um tema que vem ganhando visibilidade no debate internacional. Cada vez mais países vem se empenhando para firmar acordos de exploração e explotação para realização de atividades minerárias além das 200 milhas náuticas. Todavia, em oposição a esse crescente interesse econômico, muitas organizações ambientais vêm ativamente estabelecendo campanhas para o banimento, pausa precaucional ou moratória para o início das atividades de explotação.

Consequentemente, alguns países constataram a necessidade de regulamentação legislativa dessas atividades a fim de tanto facilitar o seu início como regular responsabilizações por possíveis danos oriundos das atividades. Nesse sentido, o presente escrito explora a atual situação em que a legislação brasileira sobre o tema se encontra e quais as possíveis tendências que o presente rumo dessas atividades pode levar ao Estado brasileiro.

Esse panorama cobra do Brasil uma posição regulatória clara e tecnicamente robusta: se a área é patrimônio comum da humanidade, isso exige parâmetros domésticos que traduzam a devida diligência em requisitos verificáveis de governança, tanto ambientais quanto financeiras, que devem ocorrer antes, durante e depois da operação de mineração na área (artigo 139 da CNUDM e artigos 4 e 21 de seu Anexo III).

Em termos práticos, isso significa amarrar o debate nacional ao que hoje é discutido na Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos, ou seja, aos regulamentos de explotação em elaboração, sem abdicar de padrões internos mais estritos quando necessários (Anexo III, artigo 21(3), Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM).

Como estamos

A autoridade é a organização internacional estabelecida pela CNUDM responsável pela regulamentação e controle das atividades de mineração além da jurisdição dos Estados para benefício da humanidade como um todo.

Até então foram aceitos 31 contratos junto à autoridade que foram firmados com 22 entidades, tanto públicas como privadas, para exploração e explotação de nódulos polimetálicos, sulfetos polimetálicos e crostas ferromanganesíferas ricas em cobalto. Dentre os 31 contratos, em 9 de novembro de 2015, a Autoridade e o Brasil, através da Companhia de Pesquisa e Recursos Minerais do Brasil — Serviço Geológico do Brasil (CPRM) — como contratante, assinaram um contrato de 15 anos para a exploração de crostas ferromanganesíferas ricas em cobalto na região da Elevação do Rio Grande. Contudo, o governo brasileiro requisitou uma rescisão contratual voluntária em 28 de dezembro de 2021.

Em sua última atualização legislativa, em 11 de agosto de 2017, a Missão Permanente do Brasil junto à Autoridade comunicou que a legislação brasileira está de acordo com as regras, regulamentos e procedimentos emitidos pela Autoridade (Código Minerário da Autoridade) e com os princípios que os regem, como o princípio das melhores práticas ambientais e abordagem precaucional. Além disso, reafirmou a participação e promulgação brasileira de diversos acordos internacionais convergentes ao tema. Todavia, o Brasil ainda não possui uma legislação exclusivamente voltada a regular as atividades de mineração na área.

Tendo em vista a obrigação do Estado brasileiro de proteção do meio ambiente e de responsabilização contra atos ilícitos que venham a causar danos ao meio ambiente, a inexistência de uma legislação voltada a essa regulamentação de atividades na área torna o cumprimento de tal obrigação incerta, ou, na melhor das hipóteses, insuficiente.

Para onde vamos

Atualmente encontra-se em trâmite o Projeto de Lei (PL) 6.969/13 (conhecido como Lei do Mar) que institui a Política Nacional para a Conservação e o Uso Sustentável do Bioma Marinho Brasileiro (PNCMar) e dá outras providências. O Projeto visa alterar a Lei nº 9.605/98 (Lei de Crimes Ambientais) e a Lei nº 7.661/88 (Lei das Praias ou Lei do Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro) atualmente em vigor. Outro recente progresso foi a Câmara dos Deputados aprovar o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 653/25, que se refere ao Acordo no marco da CNUDM relativo à conservação e ao uso sustentável da diversidade biológica marinha das áreas situadas além da jurisdição nacional (Acordo BBNJ). Esses avanços foram significativos para a política oceânica, mas não substituem um regime nacional específico para atividades na área. A solução institucional mais lógica seria um projeto de lei próprio, que complemente a legislação nacional e se harmonize com tratados internacionais pertinentes, evitando sobreposições e lacunas.

Um PL dedicado ao tema deve exigir, por exemplo: a) elegibilidade com substância econômica no Brasil (sede e administração reais, equipe idônea, contas auditáveis, beneficiário final transparente); (b) controle efetivo positivado (licenciamento com condicionantes, auditorias independentes, governança rastreável, poderes de intervenção); (c) devida diligência ex ante (linha de base robusta, dados abertos, revisão periódica); (d) salvaguardas financeiras proporcionais ao risco (seguros, garantias, fundo de contingência); (e) anticaptura e transparência (publicidade de contratos e beneficiários, prevenção de conflitos); (f) cooperação científica e partilha de benefícios (dados, amostras, formação).

No plano interno, o Brasil possui alguns órgãos poderiam auxiliar na sua implementação: a) a Advocacia-Geral da União (AGU); b) Agência Nacional de Mineração (ANM); c) a Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (CIRM); d) Controladoria-Geral da União (CGU; e) o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI); f) o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA); g) Tribunal de Contas da União (TCU).

Para dar efetividade, o modelo ainda deve prever uma autoridade nacional com comitê científico independente e protocolo de dados abertos que integre aportes dos campos do meio ambiente, ciência e tecnologia, relações exteriores e mineração, além de possuir competências claras de fiscalização.

Tanto a CNUDM, em seu artigo 153(2)(b), como o Código Minerário da Autoridade estabelecem a necessidade de patrocínio por um dos Estados Parte da Convenção a um ente contratante, seja público ou privado. Além disso, o artigo afirma que, para que o patrocínio seja possível, é necessário que a entidade contratante possua a nacionalidade do respectivo Estado ou seja efetivamente controlada por ele ou seus nacionais, o chamado requisito do controle efetivo. Em síntese, o Estado com controle efetivo é capaz de orientar, condicionar e, quando necessário, paralisar operações.

O Estado patrocinador deve garantir que o contratante cumpra os requisitos de responsabilização previstos no regime e nas obrigações de mineração na Área. Segundo a “Opinião Consultiva da Câmara de Soluções de Controvérsias Relacionadas aos Fundos Marinhos do Tribunal Internacional de Direito do Mar de 1 de Fevereiro de 2011” (Opinião Consultiva de 2011), fica a cargo de cada Estado incluir em sua legislação nacional disposições para a implementação de suas obrigações nos termos da Parte XI da CNUDM e outras regras compatíveis com a Convenção (Opinião Consultiva de 2011, paragrafo 240). Nesse mesmo sentido, o Anexo III, artigo 21(3), da CNUDM possibilita que as regras, regulamentos e procedimentos relativos à proteção do meio ambiente adotados pela autoridade sejam utilizados como um padrão mínimo de rigor para as leis e regulamentos ambientais ou padrões mais rígidos, caso o Estado considere pertinente ser aplicado em suas leis.

Esse encargo deriva da obrigação de zelar pelo cumprimento e responsabilidade por danos. Segundo o artigo 139(1) da CNUDM, os Estados Partes ficam obrigados a zelar pelas atividades na Área realizadas por quaisquer entidades contratantes sob seu patrocínio. Os danos causados pelo não cumprimento das suas obrigações implicam na responsabilização internacional desses Estados, salvo nos casos em que o Estado patrocinador tiver tomado todas as medidas necessárias e apropriadas para assegurar o cumprimento efetivo das suas obrigações.

Além disso, o crescente fenômeno dos Estados patrocinadores de conveniência em atividades na área é algo alarmante, devendo ser devidamente regulamentado em legislação nacional. Semelhante aos casos de bandeiras de conveniência em registro de embarcações, trata-se do registro de empresas por particulares de outros Estados em certos Estados que possuem legislações flexíveis, com o propósito de adquirir o seu patrocínio para condução de atividades minerárias na área e, com isso, serem submetidas às leis mais brandas do Estado patrocinador.

Isso ocorre devido à atual interpretação do requisito do controle efetivo por parte da autoridade. Em contratos anteriormente aprovados, entendeu-se o controle efetivo como sinônimo de controle regulatório. Na prática, a autoridade aceita o simples comprovante ou certificado de patrocínio emitido pelo Estado patrocinador para considerar como atendido o requisito de controle efetivo, deixando a cargo de cada Estado o poder de determinar o que seria necessário para cumprir o requisito do controle efetivo.

Conclusão

A regulamentação da mineração nos fundos marinhos além da jurisdição nacional é mais do que necessária para uma futura exploração e explotação de minérios na área que seja patrocinada pelo Estado brasileiro. A ausência de uma legislação nacional voltada para a matéria tem o potencial de excluir a proteção ambiental necessária, levando à possível responsabilização internacional do Brasil por atos ilícitos em caso de danos ao meio ambiente marinho.

Não é uma disputa binária “a favor ou contra” à mineração em mar profundo. É, antes, a escolha entre decidir com responsabilidade, dados e transparência ou decidir no escuro. O Brasil tem ciência, diplomacia e instituições para liderar; falta transformar isso em lei aplicável, verificável e transparente.

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STJ promove curso inédito para tribunais de segunda instância sobre admissibilidade do recurso especial

Em uma iniciativa inédita, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) realiza, entre os meses de setembro e novembro, o curso Admissibilidade dos Recursos Especiais para os Tribunais de Segunda Instância. Voltado para os servidores que atuam na fase de admissibilidade recursal das cortes de segunda instância, o curso é resultado das decisões tomadas durante o I Encontro Nacional dos Vice-Presidentes dos Tribunais de Justiça e dos Tribunais Regionais Federais, sediado no STJ em abril deste ano.

O objetivo principal do curso é estabelecer padrões de análise dos recursos dirigidos ao STJ, especialmente em razão da natural existência de parâmetros e mecanismos diferentes adotados nessa atividade pelos 27 tribunais estaduais e pelas seis cortes regionais federais. A capacitação também leva em consideração a complexidade das funções relacionadas ao universo dos recursos repetitivos, ao qual será acrescentado o filtro de relevância instituído pela Emenda Constitucional 125/2022.

Trabalho mais importante em termos de segurança jurídica

Na abertura do curso, o vice-presidente do STJ, ministro Luis Felipe Salomão, informou que as primeiras duas turmas são compostas por 80 servidores de algumas das cortes que mais remetem recursos ao STJ, como os Tribunais de Justiça de São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina.

Salomão ressaltou que o Brasil, com mais de 30 milhões de novos processos registrados apenas em 2024, continua sendo o país com a maior quantidade de causas judicializadas no mundo. Ele comentou que muitas dessas ações acabam chegando ao STJ para uniformização da interpretação da lei federal, o que reforça o impacto do trabalho de admissibilidade recursal nas cortes de segundo grau. “Em termos de segurança jurídica, é o trabalho mais importante que temos no Poder Judiciário”, resumiu.

Diante desse cenário, o vice-presidente do STJ enfatizou que o curso tem a missão de oferecer oportunidades de racionalização e otimização do processo de admissibilidade. “Vamos mostrar algumas boas práticas, mas também queremos ouvir as experiências de quem atua nos tribunais”, apontou.

Manual apresenta informações sobre sistema de admissibilidade

A proposta do curso é oferecer uma visão prática das ferramentas para admissibilidade recursal nos tribunais. Com o propósito de auxiliar nessa tarefa, a Vice-Presidência do STJ elaborou para os alunos um manual sobre a análise do recurso especial nas cortes de segunda instância, tratando de temas como juízo de conformidade, análise dos pressupostos de admissibilidade e recorribilidade contra decisões relativas à inadmissão de recursos.​​​​​​​​​

 

Capa do manual produzido pela Vice-Presidência do STJ sobre o exame da admissibilidade do recurso especial.

Um dos temas abordados na capacitação é a análise das atribuições do magistrado responsável pelo juízo de admissibilidade do recurso especial, conforme previsto no artigo 1.030 do Código de Processo Civil (CPC). Outro tópico é o aprimoramento da identificação e do manejo dos principais óbices de admissibilidade aplicados ao recurso especial.

Entre os palestrantes, o curso conta com o secretário judicial da Presidência do STJ, Fernando Gajardoni, os juízes auxiliares Oswaldo Soares Neto e Beatriz Fruet de Moraes, e os servidores do STJ Diogo Verneque, Marcelo Marchiori e Tiago Irber.

Fonte: STJ

“O futuro das finanças já começou, e ele é aberto, inteligente, centrado no cidadão”, diz Galípolo

Servidores do Banco Central (BC), representantes de instituições participantes e de entidades de classe do mercado financeiro lotaram o auditório Octavio Gouvêa Bulhões, no Edifício-Sede da autarquia, na tarde de quinta-feira, 28 de agosto, para celebrar os 5 anos da regulamentação do Open Finance. Na abertura do evento, o presidente do BC, Gabriel Galípolo, destacou que a data celebra um marco na transformação da forma como os brasileiros se relacionam com o Sistema Financeiro Nacional (SFN) e o Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB).

O Open Finance é referência mundial por ser um dos ecossistemas de maior sucesso em abrangência, número de instituições participantes e adesão das pessoas. Hoje, são cerca de setenta milhões de contas compartilhando dados e mais de cem milhões de autorizações ativas, em um ambiente de inovação e tecnologia, com potencial de expansão.

“O futuro das finanças já começou, e ele é aberto, inteligente, centrado no cidadão. Mais do que uma demanda regulatória, o Open Finance é uma inovação que busca construir um sistema financeiro cada vez mais aberto, justo e conectado às reais necessidades da sociedade. Desse modo, e cada vez mais, o Open Finance mostra ser não apenas tecnologia, mas também inclusão, autonomia e poder de escolha”, disse ​Gabriel Galípolo, Presidente do BC.

No evento, organizado em parceria com a Associação Open Finance (AOF) e a Federação Nacional de Associações dos Servidores do Banco Central (Fenasbac), o Presidente do BC afirmou ainda que, como projeto estratégico da autarquia, o Open Finance promove uma transformação profunda no SFN: “Seus pilares – inovação, concorrência, eficiência e cidadania financeira – ampliam o acesso e a qualidade dos serviços”.

Criado pelo BC em conjunto com a indústria financeira, o ecossistema chega à maturidade de governança com perspectivas de evolução da agenda de serviços para oferecer aos clientes crédito mais barato, agilidade nas operações, soluções de pagamento mais convenientes, entre outros, e, para as instituições, oportunidades de modernização de uso estratégico de dados e maior eficiência. Representantes da multiplicidade de instituições financeiras participantes do projeto – de bancos tradicionais a
fintechs e plataformas digitais – relataram, durante o evento, uma série de casos de uso do Open Finance que contribuíram para os resultados nos últimos cinco anos.

Evento reuniu representantes do Banco Central e do mercado e especialistas no assunto

5 anos de Open Finance em números:

– 103 milhões de autorizações ativas de compartilhamento de dados;

– 68 milhões de contas conectadas;

– R$1,16 bilhão em movimentação somente em julho/2025;

– 4,7 milhões de transações do Pix (julho/2025), alta de quase 8 vezes em um ano;

– 3,5 bilhões de chamadas de dados por semana;

– Mais de 700 instituições participantes.

Maturidade de governança

Um dos marcos dos 5 anos do Open Finance destacados no evento foi a fundação da AOF. Com papel central na infraestrutura do ecossistema e na evolução técnica do projeto, a associação é responsável por desenvolver os padrões técnicos dos produtos a serem seguidos pelas instituições participantes. A presidente da AOF, Ana Carla Abrão, destacou os muitos benefícios do Open Finance, sendo que o maior deles está vinculado ao empoderamento dos clientes, tanto pessoas naturais quanto pessoas jurídicas.

A executiva anunciou, ainda durante o evento, o vídeo da campanha do Open Finance, que seguirá o tema “Mais Poder para Você”. Ela explicou que o foco da associação é garantir que as pessoas entendam que, ao conectarem suas contas, ao aderirem ao Open Finance, terão acesso a serviços e funcionalidades melhores e que facilitarão a vida delas: “Os clientes têm o poder de escolher quando, com que instituição e de que forma querem compartilhar suas informações”.

Melhorar a comunicação, com linguagem mais simples, traduzindo palavras, como “consentimento”, foi um dos pontos levantados por vários participantes do evento. Um deles foi o Diretor de Regulação do BC, Gilneu Vivan, que enfatizou a necessidade de ajudar o consumidor a entender o sistema, os consentimentos e as suas consequências, mostrando os benefícios associados aos consentimentos de dados: “Nos dias de hoje, com tudo que se escuta de fraudes e perigos cibernéticos, confiança é fundamental, e essa educação digital permitirá que efetivamente o cliente se beneficie de todos os serviços que a gente está oferecendo”.

Vivan apontou vários marcos do projeto desde a Resolução Conjunta nº 1, de 4 de maio de 2020 – que instituiu os pilares do ecossistema –, começando pelo compartilhamento de dados bancários tradicionais e, depois, com a inclusão de dados de investimentos e de operações de câmbio; passando pela integração com o Pix e a consequente oferta de possibilidades e funcionalidades diferentes de pagamento, como o Pix por aproximação e as chamadas transferências inteligentes, em que é possível programar transferências entre contas de mesma titularidade a partir de certas definições; até a inclusão da portabilidade de crédito no Open Finance, atualmente em fase de implementação pelas instituições participantes.

Para o diretor: “O projeto é uma realidade ousada. A gente conseguiu construir um projeto com números expressivos em curtíssimo espaço de tempo”.

Quer saber mais?

Evento Open Finance 5 anos – Conectando futuros (https://www.youtube.com/live/Qd_TPceSfvI).

Conheça o
Open Finance.

Fonte: BC

Aprovadas sanções administrativas para quem retardar ou frustrar licitação

A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) aprovou nesta terça-feira (9), em caráter conclusivo, proposta que responsabiliza administrativamente licitantes ou contratantes que atrasarem ou frustrarem o resultado de processos licitatórios sem justificativa.

O texto também prevê a apuração de responsabilidade de empresas condenadas por litigância de má-fé em ações que resultem na frustração da licitação. A proposta seguirá para o Senado, caso não haja recurso para votação no Plenário.

O texto aprovado — substitutivo do deputado Lafayette de Andrada (Republicanos-MG) ao Projeto de Lei 5360/19, do deputado Gilberto Abramo (Republicanos-MG) — inclui as novas regras na Lei de Licitações e Contratos Administrativos, e não mais na  Lei Anticorrupção.

Segundo Lafayette de Andrada, a medida vai coibir manobras que atrasam licitações. “A frustração do andamento do processo licitatório é conduta danosa, pois quebra a programação da administração e fere a economicidade que rege o uso do dinheiro público”, afirmou.

Entre as sanções previstas na Lei de Licitações para infrações administrativas estão advertência, multa, impedimento de licitar e contratar, e declaração de inidoneidade.

Fonte: Câmara dos Deputados

Projeto que permite continuar divórcio após morte de cônjuge é aprovado por comissão

A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados aprovou, em caráter conclusivo, o Projeto de Lei 198/24, da deputada Laura Carneiro (PSD-RJ), que permite a continuidade do processo de divórcio e de dissolução de união estável após a morte de um dos cônjuges.

De acordo com o texto aprovado, o falecimento de um dos cônjuges após o início da ação de divórcio não leva automaticamente à extinção do processo. Os herdeiros poderão prosseguir com a demanda.

Autonomia
A comissão aprovou o parecer da relatora, deputada Maria Arraes (Solidariedade-PE), favorável ao projeto. “A proposta protege a autonomia da vontade e evita que situações indesejadas prejudiquem o direito do falecido e, potencialmente, de seus herdeiros”, afirmou a relatora.

Violência
A autora do projeto, deputada Laura Carneiro, citou como exemplo o caso de uma mulher vítima de violência doméstica que ingressa com o pedido de divórcio, mas morre antes da decisão judicial.

Se o juiz não decretar o divórcio post mortem, o cônjuge agressor torna-se herdeiro, com prováveis direitos previdenciários e sucessórios.

Fonte: Câmara dos Deputados

Súmula Carf sobre créditos extemporâneos: formalismo que prejudica o direito

O contencioso a respeito do PIS/Cofins está longe de se resolver. Nem mesmo a implementação da reforma tributária é uma promessa de que esse problema chegará ao fim, pois milhões de processos (administrativos e judiciais) existentes continuarão sendo objeto de discussão nos tribunais, como espólio da litigiosidade que gravita em torno dessas contribuições.

E muito disso se deve ao fato de que, a cada avanço normativo, surge uma nova interpretação administrativa que reabre batalhas. O mais recente capítulo envolve o aproveitamento dos chamados créditos extemporâneos [1] e a súmula recentemente aprovada pelo Carf [2] nos seguintes termos:

“O aproveitamento de créditos extemporâneos da contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins exige a apresentação de DCTF e Dacon retificadores, comprovando os créditos e os saldos credores dos trimestres correspondentes”.

À primeira vista, pode parecer mais uma medida para a racionalização e celeridade de julgamentos, o que estaria em sintonia com a busca pela duração razoável dos processos administrativos federais que versem acerca de exigências tributárias [3]. Mas, no fundo, trata-se de algo mais grave: uma interpretação que, com a devida vênia, subverte a lei, esvazia a lógica da não cumulatividade e coloca a existência de uma obrigação acessória acima do direito material.

Tratamento normativo dos créditos extemporâneos

Os artigos 3º, § 4º das Leis nº 10.637/2002 e 10.833/2003 [4] são de clareza vítrea: o crédito não aproveitado em determinado mês pode sê-lo nos meses subsequentes. Nenhuma condição adicional, nenhum requisito de retificação, nenhum apego ao calendário fiscal. A lei é de uma objetividade elogiosa e realista ao admitir que a vida empresarial é complexa e que nem sempre o aproveitamento do crédito será tempestivo.

Embora a corrente predominante no Carf no âmbito das turmas ordinárias tenha entendimento massivo no sentido de que o direito material ao crédito independe da retificação das obrigações acessórias [5], no âmbito da CSRF a divisão interpretativa é clara, podendo ser dividida em duas correntes: uma posição que pode ser chamada de formalista e outra que pode ser cunhada como substancialista.

A corrente formalista, representada pelos acórdãos como 9303-007.510 [6], 9303-009.653 e 9303-009.738, sustenta que sem a retificação dos documentos fiscais correlatos (DCTF e Dacon) não há crédito válido.

Por sua vez, a corrente materialista, exemplarmente destacada nos acórdãos 9303-006.248 [7], 9303-008.635 e 9303-009.893, consagra aquilo que nos parece óbvio: a lei não condiciona o aproveitamento do crédito a esse tipo de burocracia ou, em outros termos, a legislação privilegia a substância em detrimento da forma [8].

A súmula aprovada, todavia, indevidamente sacramenta a primeira visão, de caráter formalista, o que redunda em um notório paradoxo, pois estamos diante de uma súmula que esvazia justamente o direito que a lei quis garantir.

Crítica à súmula aprovada pelo Carf

A exigência de retificação dos documentos fiscais exigida na súmula aqui criticada não é apenas um capricho. É, em verdade, uma distorção. Primeiro, porque desloca o foco da discussão: em vez de se debater se o crédito existe e se é legítimo, o que acaba sendo objeto de discussão é se o contribuinte cumpriu uma formalidade que a lei jamais impôs. Segundo, porque confere às obrigações acessórias — DCTF e Dacon — uma força que jamais tiveram: transformar-se em condição para a existência de um direito material, de índole constitucional.

Mais grave ainda: o Dacon já não existe. A exigência, portanto, é anacrônica, uma relíquia burocrática que a administração pública insiste em ressuscitar para negar créditos sob uma perspectiva formalista, o que, aliás, nos remete a seguinte pergunta: o que será da súmula quando aplicada a períodos posteriores à extinção dessa obrigação acessória? Nesse caso, a súmula será afastada por meio do distinguishing ou veremos aí o início de uma nova discussão quanto à aplicação equivocada de súmulas no âmbito da realização prática do Direito Tributário [9]?

Em suma: trata-se de um formalismo sem causa [10], que gera custo, litigiosidade e insegurança, sem entregar nenhuma contrapartida de justiça fiscal.

Para os contribuintes, a mensagem é clara: quem não tiver a disciplina de retificar cada obrigação acessória, mesmo que o crédito seja legítimo, corre o risco de perder o direito ao crédito. Não por ter descumprido a lei, mas por não ter atendido a uma forma não contemplada pela ordem jurídica.

Conclusões

Para fins puramente arrecadatórios, pode parecer um triunfo para a administração pública: mais autuações, mais glosas, mais créditos exigíveis no curtíssimo prazo. Mas, a médio e longo prazo, é um verdadeiro tiro no pé: a litigiosidade aumenta, os processos abarrotam o Carf e o Judiciário, e a previsibilidade do sistema tributário se esvai.

A não cumulatividade deveria ser um princípio de racionalidade, o que se afasta com a súmula recém aprovada pela CSRF. Ao impor a retificação de declarações como condição para o crédito, a súmula não apenas cria um requisito inexistente, mas também revoga, por via interpretativa, os artigos 3º, § 4º das Leis nº 10.637/2002 e 10.833/2003.

Com a aprovação desse enunciado, não teremos um avanço em segurança jurídica. Teremos um retrocesso: a consagração de um formalismo que prejudica o Direito e que resultará, seguramente, em um volumoso contencioso judicial tributário.


[1] O que já foi objeto de tratamento nessa coluna por Thais de Laurentiis e Maysa de Sá Pittondo Deligne em preciso texto (aqui).

[2] Por maioria de votos, vencidas as conselheiras Cynthia Elena Campos, Denise Madalena Green Tatiana Josefovicz Belisário.

[3] Essa busca por um processo célere não pode ser um fim em si mesmo, sob pena de outros valores próprios de uma atividade tipicamente prudencial, como é o caso da atividade julgadora exercida pelo CARF, serem deixados de lado, tudo em favor de uma indevida jurisdição “drive-thru”. Aprofundando essas críticas, inclusive promovendo uma macro comparação com os sistemas herdeiros do “common law”, destacamos: RIBEIRO, Diego Diniz. A rescisão da coisa julgada com base em precedentes do STF e do STJ: uma análise crítica no processo judicial tributárioSão Paulo: Noeses, 2024.

[4] Art. 3º Do valor apurado na forma do art. 2o a pessoa jurídica poderá descontar créditos calculados em relação a:
(…)
§4º O crédito não aproveitado em determinado mês poderá sê-lo nos meses subseqüentes.

[5] Vide Acórdãos 3302-013.823, 3402-012.254, 3301-013.421, 3201-006.671, 3201-01.593, 9303-008.635 e 9303-012.977.

[6] CRÉDITOS EXTEMPORÂNEOS. APROVEITAMENTO.
O aproveitamento de créditos extemporâneos de PIS não cumulativo está condicionado a apresentação dos Dacon retificadores dos respectivos trimestres, demonstrando os créditos e os saldos credores trimestrais, bem como das respectivas DCTF retificadoras.

[7] CRÉDITOS DA CONTRIBUIÇÃO NÃO CUMULATIVA. RESSARCIMENTO. CRÉDITOS EXTEMPORÂNEOS. PEDIDO DE RESSARCIMENTO. Na forma do art. 3º, § 4º, da Lei nº 10.833/2003, desde que respeitado o prazo de cinco anos a contar da aquisição do insumo, o crédito apurado não-cumulatividade do PIS e Cofins.

[8] Inclusive, para dar efetividade substancial ao princípio da não-cumulatividade no âmbito do PIS e da Cofins, princípio esse que apresenta guarida constitucional e, portanto, deve se sujeitar a uma hermenêutica que dê máxima efetividade a tal norma.

[9] Exatamente como já ocorrido em relação à aplicação da súmula Carf nº 11, o que foi denunciado por Carlos Augusto Daniel Neto em textos primorosos (aquiaqui e aqui) e cuja equivocada aplicação em matéria aduaneira foi felizmente corrigida pelo Superior Tribunal de Justiça, por meio de precedentes vinculantes formados no âmbito do REsp nº 2.147.578 e 2.147.583.

[10] É no mínimo paradoxal ver que o Carf, quando se trata de analisar planejamentos tributários e decidir acerca da manutenção ou não de débitos fiscais, acertadamente prestigia o propósito negocial e, em última ratio, a substância em detrimento da forma, mas ao tratar de créditos em favor do contribuinte, muda de posição e dá prevalência a uma racionalidade estritamente formalista em desfavor de uma posição substancialista.

Fonte: Conjur